A direção nacional do Partido dos Trabalhadores
orientou os candidatos da agremiação, nas eleições municipais deste ano, a
usarem o horário eleitoral no rádio e na televisão para defender a anulação da
condenação do ex-presidente da República petista e a recuperação de seus
direitos políticos.
A aludida orientação integra uma série de
comemorações que o PT prepara para o aniversário de 75 anos do político.
Por meio de ofício da presidente nacional do
partido, enviado às instâncias partidárias, foi estabelecido o seguinte, verbis:
"Orientamos pautar nossa propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV
neste dia com homenagem a Lula, com a mensagem #AnulaSTF, pela recuperação de
plenos direitos políticos para Lula! Essa deve ser uma bandeira de todos os
democratas no país".
Consta ainda do ofício a orientação de que "Vamos,
nacionalmente como partido, realizar de maneira ampla atividades de comemoração
do aniversário do principal dirigente do PT e maior liderança popular do País.
Convocamos os diretórios e, em especial, as candidatas e candidatos a
vereador(a) e prefeito(a), a comemorarmos juntos esta data, juntos com o povo.
Há várias formas possíveis, adaptadas à agenda local, de fazer essa comemoração".
A filosofia predominante do partido, conforme vem
anunciando sem reservas, é a de que “as campanhas municipais seriam usadas
para defender o legado dos governos petistas e os direitos de Lula.”, bem
diferente do que se preconiza na campanha eleitoral propriamente dita, que é no
sentido de se mostrar o programa de trabalho dos candidatos, se eleitos no próximo
pleito eleitoral.
Por sua vez, seguindo orientação do ex-presidente,
o PT adotou a estratégia eleitoral de lançar a maior quantidade possível de candidatos,
nas eleições municipais, de modo a ajudar a fragmentação da esquerda, em várias
cidades importantes.
Segundo influente dirigente do partido, a presente
ideia de defesa do ex-presidente não é dele, mas ele a aprovou, conforme a
seguinte afirmação: "Não é contra a vontade dele, mas não foi ele que
pediu. Lula é superparcimonioso. Ele sempre diz que é o último que poderia
pedir essas coisas".
O mesmo dirigente disse que "Vamos
politizar a eleição. Com este governo Bolsonaro não existe solução real só no
âmbito municipal. (...)”.
Ressalte-se que o ex-presidente foi condenado à
prisão e perdeu os direitos políticos, por oito anos, a partir da condenação,
em 2017, em dois julgamentos pela Justiça, pela prática de corrupção passiva e
lavagem de dinheiro, com relação os casos do sítio de Atibaia e do tríplex do
Guarujá, ambos com base em amplas investigações
da Operação Lava-Jato e observado o devido processo constitucional da ampla defesa
e do contraditório.
À toda evidência, a orientação em referência
caracteriza cristalino desvio de finalidade da campanha eleitoral, por ocupar,
por decisão partidária, espaço impróprio e indevido no rádio e na TV para a
defesa de político que nem é candidato e além de estar fora de qualquer
atividade política, por consequência da perda dos direitos políticos decretada
na primeira sentença condenatória.
Sem dúvida alguma, essa orientação caracteriza gritante
arbitrariedade, porque a única finalidade legalmente admitida no horário eleitoral,
que é pago aos meios de comunicação com dinheiro do contribuinte, é a propaganda
dos candidatos, com vistas a disseminar o seu programa de trabalho junto aos
eleitores, ou seja, a lei estabelece, de forma bastante clara, o real objetivo que
se dispõe a despesa pertinente,
Não obstante, de forma autoritária, discricionária
e injustificável, em termos da finalidade pública, o partido orienta que os
candidatos filiados a ele promovam defesa, no horário eleitoral, do seu
líder-mor, que, não tendo conseguido mostrar, perante a Justiça brasileira, a
sua inocência sobre os fatos denunciados, foi condenado à prisão e, por via de
consequência, enquadrado na Lei da Ficha Limpa, que, por isso, nem devia ter
seu nome citado nas atividades políticas, já que ele perdeu os direitos
políticos e se encontra alijado delas, por oito anos, conforme a respeitável decisão
judicial.
É preciso ficar bem claro que a defesa de condenado
pela Justiça, político ou não, deve ser feita exclusivamente pelo próprio envolvido,
com recursos dele, por se tratar de ação penal sob responsabilidade pessoal e
intransferível a partido e muito menos a candidatos, que, no caso, são obrigados
a ceder o seu horário eleitoral para a defesa absurdamente ilegal e imoral, porque
em contrariedade aos princípios da razoabilidade e da seriedade no trato da
coisa pública, em especial por haver o envolvimento de dinheiro público no
pagamento de despesa completamente irregular.
Nos países sérios e civilizados, em termos políticos
e democráticos, os cidadãos que perdem os direitos políticos, precisamente por
razão de desvio de conduta moral e da consequente perda da lisura pessoal perante
tanto à sociedade e à legislação de regência, ficam afastados temporariamente das
atividades próprias da política, justamente por não terem mais o aludido
direito, no período determinado na sentença judicial e somente voltarão a
praticar política depois de provar a sua inocência ou quando terminar a sua condenação,
obviamente por cumprimento dela, quando seus direitos são restabelecidos
automaticamente, na forma legislação de regência.
É incrível como o país com a riqueza de seu povo,
da sua cultura, da sua economia e das suas potencialidades como o Brasil se
ouvir dizeres como as de que a “maior liderança popular do País” é
político duplamente condenado à prisão pela Justiça, precisamente pela prática
de atos contrários à dignidade e à moralidade, como os de corrupção passiva e
lavagem de dinheiro, além de ainda responder criminalmente em outros seis processos
que tramitam na Justiça, em total inversão do sentimento de imaculabilidade que
se exige nas atividades políticas, o que bem demonstra o nível da política
brasileira.
Há até quem diga que o importante político teria
sido condenado sem prova no processo, como forma de considerá-lo o eterno inocente,
sem se atentar que o juiz que condenar criminoso sem a materialidade da autoria
do delito, devidamente comprovado nos autos, fica passível de sanção que pode
resultar até na exoneração do cargo, conforme a gravidade da sua falha por ele praticada.
No caso do político, os dois processos já julgados
pela condenação à prisão dele, tanto há provas robustas, já reconhecidas por
instâncias superiores (segunda e terceira, em um processo), e o juiz julgador
não mereceu qualquer tipo de punição, exatamente porque não foi constatada
qualquer falha processual, nem mesmo a merecer censura da defesa, que teria o
maior interesse em buscar procedimento irregular para a tentativa também de anulação
dos julgamentos, que estão em plena validade e o que há mesmo sobre os fatos são
informações distorcidas, na tentativa de faltar com a verdade, que é o que move
a índole de muitos políticos brasileiros.
Há de se notar ainda, no presente caso, que o
político não teria sido autor dessa estapafúrdia orientação em defesa dele, mas
também, por incrível que pareça, não se opôs a ela, como deveria, por não haver
nenhum elemento nela que possa servir como justificativa plausível para a sua
concretude, na forma determinada pela direção do partido, que não tem o menor
escrúpulo de agir ao arrepio da legislação eleitoral, que define precisamente a
finalidade diferente para o horário eleitoral.
Convém se ressaltar que os verdadeiros “democratas
do país” têm como princípio ético e moral respeitar conduta de dignidade
perante o dinheiro dos penalizados e sacrificados contribuintes, que pagam os
programas eleitorais não para a defesa pessoal de político que precisa assumir seus
atos na vida pública, se responsabilizando pela própria defesa e jamais
permitindo que partido se encarregue de fazê-la, como é mostrada na absurda orientação
em referência.
Ou seja, o petista não pede nada em seu benefício,
mas o aceita normalmente, quando a dignidade do homem pública manda que ele não
peça, não aceite, recuse qualquer objeto ilegal e imoral e proíba afirmativamente
que o ato seja efetivado, ao contrário da presente situação, em que o político
não pediu para ser defendido com recurso público, na maneira indicada pela
direção do seu partido, de forma visivelmente ilegal, mas ele aceita a situação
e se cala e, quem silencia, consente que a ilegalidade seja promovida em seu
benefício, passando a compactuar com o malfeito, em solene cumplicidade com ele.
Induvidosamente, o que o partido fez afronta os
princípios da ética e da moralidade, à vista do indiscutível ferimento à legislação
eleitoral, que precisa coibir abuso dessa natureza, exatamente porque nenhum
partido está acima da lei, não tendo o direito de ordenar a prática de
arbitrariedade como essa, mas infelizmente a Justiça Eleitoral aceita ato estapafúrdio
como esse, quando deveria proibir, na forma da lei.
Ante o exposto, à vista da gravíssima infração por
meio do uso do dinheiro público, com o evidente desvio de finalidade, os
brasileiros conscientes do seu dever cívico e patriótico repudiem a orientação em
apreço, por se tratar de medida essencialmente contrária aos princípios da
finalidade pública e da legalidade.
Brasília,
em 26 de outubro de 2020
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