Diante da crônica que discorri sobre a declaração do
papa, no sentido de que os homossexuais são filhos de Deus e merecem viver em
união de felicidade, uma seguidores de meus, em tom de indagação, disse, in
verbis: “bastante polêmico esse assunto. Só uma palavrinha acerca. Não seria o
que ele escreveu apenas uma opinião dele sem querer ir de contra aos
ensinamentos da palavra?”.
Na prática, não é bem assim que funciona o Vaticano,
que tem seus dogmas e suas doutrinas estabelecidos em documentos, depois de passar
por meticulosos estudos com dissecação e debates por especialistas e entendidos
sobre as questões importantes de interesse da igreja, como essa que se refere
ao homossexualismo, e de forma bastante clara, que diz: “o respeito pelas
pessoas homossexuais não pode levar de forma alguma à aprovação do
comportamento homossexual ou ao reconhecimento legal das uniões
homossexuais", ou
seja, é esse o entendimento da Igreja Católica, aprovado de forma
doutrinaria, em 2003, pela Congregação para a Doutrina da Fé, que obriga o
acatamento por toda instituição, podendo ser alterado normalmente por meio de
novos estudos, somente por provocação do papa.
Na
minha modesta opinião, a palavra do papa pode não encerrar o assunto quando acerca
dele já há norma doutrinária estabelecida pela igreja, que é o caso vertente, o
que vale dizer que a presente opinião não pode prevalecer sobre a doutrina
vigente, senão nem precisaria do órgão próprio para tratar dos assuntos
específicos da igreja, bastava apenas o papa se manifestar sobre determinado
tema e obrigar os religiosos e os católicos acompanharem.
O
papa poderia muito bem ter dito claramente que ele respeita, como é do seu
dever como comandante supremo da Igreja Católica, a doutrina vigente na
instituição, que é taxativa pelo não reconhecimento sobre a normalidade das
relações homossexuais, mas a sua opinião pessoal é no sentido de que haja lei
civil reconhecendo o direito de as pessoas viverem da melhor maneira que
satisfaçam os seus desejos.
Isso,
simplesinho assim, poderia ter contribuído para afastar a polêmica que ele
criou, sem a menor necessidade, porque essa declaração impensada fere norma
doutrinária da igreja, que precisaria ser previamente alterada pelo órgão
próprio do Vaticano, para se ajustar ao pensamento do líder-mor, de modo que ela
pudesse se harmonizar com o sentimento dos integrantes da Igreja Católica, cuja
instituição secular de grande tradição religiosa precisa da convergência de
ideias, pensamentos e filosofias caminhando no mesmo sentido e na mesma direção
e que a sua cúpula comungue uníssona sobre os principais temas debatidos por
ela.
Acredito
que isso que o papa fez tem mais o sentido de se imaginar possível sentimento
de que a ideia aventada e adiantada por ele jamais seria aprovada pela igreja,
então ele achou por bem ir além do que devia e dizer o que sente sobre esse
espinhoso tema para a igreja que ele comanda.
É
evidente que o caminho escolhido pelo papa pode não ter sido o melhor, porque o
ideal teria sido o prévio debate do assunto no âmbito da Congregação para a Doutrina
da Fé, que é o órgão do Vaticano que tem a incumbência de cuidar dos estudos de
temas dessa importância, no âmbito da igreja, coligindo as opiniões dos
religiosos e concluindo sobre o melhor entendimento a ser seguido pelos católicos
do mundo.
No
linguajar popular, o papa criou, desnecessariamente, verdadeira saia justa no
âmbito da Igreja Católica, que não é bom presságio para a união interna, porque
ela precisa muito mais da convergência para a pacificação do seu rebanho,
quanto mais no sentido de se contar com a liderança merecedora de confiança e
respeito quanto aos seus atos pertinentes à evangelização.
Esse
ato papal, diante da expressiva repercussão internacional, pode ter contribuído
para fragilizar o seu trabalho pastoral, uma que ele faz questão de se opor a
doutrina que é defendida em especial pela ala conservadora da igreja, que teve
o seu pensamento visivelmente ignorado e desprestigiado, sob a evidência de que,
nesse assunto, importa somente a soberana opinião dele, o que não é verdade,
diante de norma interna prevalente.
É
provável que o papa tenha extrapolado o poder do líder da Igreja Católica,
dando tiro desnecessário no próprio pé, por algo ingênuo e nem de tanta urgência
e relevância para a instituição, que só contribuiu para mostrar a indiferença
papal às causas da instituição comandada por ele, além de se permitir que se
abra perigoso precedente que é muito ruim para o prestígio da importante Igreja
Católica.
À toda evidência, é preciso se compreender que a
opinião do papa, nesse caso, quis sim ir de encontro aos ensinamentos da palavra,
ante a grandeza da instituição, onde não há expressão em vão nem sem sentido.
Enfim,
é possível que o papa tenha preferido evitar a cautela própria dos pontífices,
que sempre adotam em situação similar a esta, bastando apenas ter submetido previamente
esse tema espinhoso ao crivo da Congregação para a Doutrina da Fé, que é o órgão
do Vaticano incumbido dos estudos da espécie e responsável da formalização da
sua doutrina.
Brasília, em 26 de outubro de 2020
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