segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Precedente perigoso!

Diante da crônica que discorri sobre a declaração do papa, no sentido de que os homossexuais são filhos de Deus e merecem viver em união de felicidade, uma seguidores de meus, em tom de indagação, disse, in verbis: “bastante polêmico esse assunto. Só uma palavrinha acerca. Não seria o que ele escreveu apenas uma opinião dele sem querer ir de contra aos ensinamentos da palavra?”.

Na prática, não é bem assim que funciona o Vaticano, que tem seus dogmas e suas doutrinas estabelecidos em documentos, depois de passar por meticulosos estudos com dissecação e debates por especialistas e entendidos sobre as questões importantes de interesse da igreja, como essa que se refere ao homossexualismo, e de forma bastante clara, que diz: “o respeito pelas pessoas homossexuais não pode levar de forma alguma à aprovação do comportamento homossexual ou ao reconhecimento legal das uniões homossexuais", ou seja, é esse o entendimento da Igreja Católica, aprovado de forma doutrinaria, em 2003, pela Congregação para a Doutrina da Fé, que obriga o acatamento por toda instituição, podendo ser alterado normalmente por meio de novos estudos, somente por provocação do papa.    

Na minha modesta opinião, a palavra do papa pode não encerrar o assunto quando acerca dele já há norma doutrinária estabelecida pela igreja, que é o caso vertente, o que vale dizer que a presente opinião não pode prevalecer sobre a doutrina vigente, senão nem precisaria do órgão próprio para tratar dos assuntos específicos da igreja, bastava apenas o papa se manifestar sobre determinado tema e obrigar os religiosos e os católicos acompanharem.

O papa poderia muito bem ter dito claramente que ele respeita, como é do seu dever como comandante supremo da Igreja Católica, a doutrina vigente na instituição, que é taxativa pelo não reconhecimento sobre a normalidade das relações homossexuais, mas a sua opinião pessoal é no sentido de que haja lei civil reconhecendo o direito de as pessoas viverem da melhor maneira que satisfaçam os seus desejos.

Isso, simplesinho assim, poderia ter contribuído para afastar a polêmica que ele criou, sem a menor necessidade, porque essa declaração impensada fere norma doutrinária da igreja, que precisaria ser previamente alterada pelo órgão próprio do Vaticano, para se ajustar ao pensamento do líder-mor, de modo que ela pudesse se harmonizar com o sentimento dos integrantes da Igreja Católica, cuja instituição secular de grande tradição religiosa precisa da convergência de ideias, pensamentos e filosofias caminhando no mesmo sentido e na mesma direção e que a sua cúpula comungue uníssona sobre os principais temas debatidos por ela.

          Acredito que isso que o papa fez tem mais o sentido de se imaginar possível sentimento de que a ideia aventada e adiantada por ele jamais seria aprovada pela igreja, então ele achou por bem ir além do que devia e dizer o que sente sobre esse espinhoso tema para a igreja que ele comanda.

É evidente que o caminho escolhido pelo papa pode não ter sido o melhor, porque o ideal teria sido o prévio debate do assunto no âmbito da Congregação para a Doutrina da Fé, que é o órgão do Vaticano que tem a incumbência de cuidar dos estudos de temas dessa importância, no âmbito da igreja, coligindo as opiniões dos religiosos e concluindo sobre o melhor entendimento a ser seguido pelos católicos do mundo.

No linguajar popular, o papa criou, desnecessariamente, verdadeira saia justa no âmbito da Igreja Católica, que não é bom presságio para a união interna, porque ela precisa muito mais da convergência para a pacificação do seu rebanho, quanto mais no sentido de se contar com a liderança merecedora de confiança e respeito quanto aos seus atos pertinentes à evangelização.

          Esse ato papal, diante da expressiva repercussão internacional, pode ter contribuído para fragilizar o seu trabalho pastoral, uma que ele faz questão de se opor a doutrina que é defendida em especial pela ala conservadora da igreja, que teve o seu pensamento visivelmente ignorado e desprestigiado, sob a evidência de que, nesse assunto, importa somente a soberana opinião dele, o que não é verdade, diante de norma interna prevalente.

É provável que o papa tenha extrapolado o poder do líder da Igreja Católica, dando tiro desnecessário no próprio pé, por algo ingênuo e nem de tanta urgência e relevância para a instituição, que só contribuiu para mostrar a indiferença papal às causas da instituição comandada por ele, além de se permitir que se abra perigoso precedente que é muito ruim para o prestígio da importante Igreja Católica.

À toda evidência, é preciso se compreender que a opinião do papa, nesse caso, quis sim ir de encontro aos ensinamentos da palavra, ante a grandeza da instituição, onde não há expressão em vão nem sem sentido.

Enfim, é possível que o papa tenha preferido evitar a cautela própria dos pontífices, que sempre adotam em situação similar a esta, bastando apenas ter submetido previamente esse tema espinhoso ao crivo da Congregação para a Doutrina da Fé, que é o órgão do Vaticano incumbido dos estudos da espécie e responsável da formalização da sua doutrina.

          Brasília, em 26 de outubro de 2020   

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