quinta-feira, 22 de outubro de 2020

O compromisso de posse é a cartilha

 

Escrevi, em crônica, que os atos do presidente da República precisam se ajustar à normalidade jurídica, em crítica específica sobre a escolha discricionária feita por ele de ministros para o Supremo Tribunal Federal, que, via de regra, vem sendo feita exclusivamente para satisfazer interesse diversos, em especial para o atendimento de conveniência palaciana, como aconteceu na última, e mais escandalosamente na próxima, quando ele já disse que será pessoa “terrivelmente evangélica”, atitude esta que se distancia em muito dos princípios republicanos, por não se permitir ato arbitrário dessa similitude, em anuncio antecipado e público.

Não obstante, discordando da minha opinião, uma distinta e respeitável conterrânea houve por bem dizer que “O Presidente faz um trabalho excelente. Que tome as decisões que achar necessário. Governo responsável resgatando o Brasil. Todos nós temos nossos defeitos e qualidades, só que tem uns erram mais, mas nem Jesus agradou a todo mundo! imagine nós seres humanos pecadores. Deus abençoe.”.

Em resposta à importante manifestação, eu peço vênia para dizer que são realmente louváveis e dignos de aplausos os acertos do presidente brasileiro e sobre isso ele precisa ter o reconhecimento dos brasileiros, embora ele tenha sido eleito precisamente para praticar atos bons e corretos, tendo como figurino a legislação de regência.

Agora, é preciso ficar cristalino que os acertos presidenciais não têm o condão de abonar possíveis erros ou desvio da conduta básica das suas funções, que clamam por reclamação da sociedade honrada, que já está saturada de abusos de governantes irresponsáveis que menosprezam a liturgia do cargo, sob o pressuposto de que ele se corrija e procure somente seguir a linearidade da correção, exatamente como deve proceder os governantes responsáveis e cônscios do seu compromisso perante a nação.

Em termos administrativos, à vista do compartimento da legalidade, da moralidade e ainda da regularidade dos atos pertinentes, não há cabimento para a compreensão de que uns erram mais e outros erram menos, porque é preciso que, na prática, jamais possa haver erro de forma alguma, diante da previsão de atenuante legal para o perdão dos erros, que são materializados e, conforme o caso, devidamente censurado e recriminado pela sociedade e não se diga que isso seja injusto, pelo tanto de acerto, porque, repita-se, ao agente público, de todas as graduações, somente compete a prática de atos revestidos de regularidade.

Na verdade, este país nunca será corrigido e bem administrado enquanto pessoas continuarem cultuando o pensamento segundo o qual alguém rouba, mas pelo menos ele faz, como se ouvia isso de governos recentes, por parte de seus defensores, que se conformam com os malfeitos na gestão pública.

Ou seja,  trata-se de ótica inadmissível de que o governo tem muito acerto nos seus atos e, por esse motivo, ele tem todo direito de cometer um errinho aqui e outro acolá, quando o povo, que também é o contribuinte, precisa se conscientizar de que na gestão pública só existe o caminho da regularidade.  

Aquela maneira equivocada de pensar pode até ser aceitável para alguns brasileiros tristemente acomodados, mas acredito que o correto mesmo é nunca se permitir o erro, de qualquer maneira ou por mínimo que seja, quanto mais quando se ele se torna gravíssimo, como no caso objeto da minha crônica, por envolver a satisfação do interesse público, salvo em situação de extrema excepcionalidade e ainda mediante as devidas e plausíveis justificativas, porque o estadista somente tem o direito de fazer estritamente aquilo que esteja escrito no regramento jurídico, i.e., seus atos precisam estar em harmonia com o seu sagrada juramento sagrado de posse, feito no Congresso Nacional e perante a nação, que diz precisamente o seguinte conteúdo, mais ou menos, isso: "Prometo cumprir a Constituição Federal e as leis do país".

Concretamente, essas normas não contêm exceção para possível desvio de conduta presidencial nem para a prática de atos passiveis de questionamentos, sob pena de ele ser censurável por qualquer cidadão que pensa do mesmo modo do que eu, data vênia, no sentido de que o presidente da República e todos os representantes do povo, eleitos em sufrágio universal, têm a obrigação de somente praticar atos em consonância com o que esteja previsto na Carta Magna e nas normas infraconstitucionais, sob pena de censura e críticas da sociedade.

Frise-se, a propósito, que regras similares são rigorosamente observadas nos países sérios, civilizados e evoluídos, em termos políticos e democráticos, como forma do aperfeiçoamento e da consolidação dos princípios fundamentais que os regem, exatamente diante da importância da correção dos atos da administração pública.

Além do mais, se não houvesse necessidade do cumprimento integral do compromisso presidencial, contido no seu juramento de posse, seria preferível que ele sequer existisse, na sabença e na certeza de que ele jamais seria observado, no pé da letra, conquanto é preciso formar a consciência cívica dos brasileiros de que, em termos político-administrativos, o presidente da República deve servir de modelo de homem público por excelência e, para tanto, exige-se dele somente atos de correção, em estrita sintonia com o ordenamento jurídico do país.

Impende se sublinhar que o fechamento dos olhos para os possíveis desvios de atos presidenciais constitui forma condenável de cumplicidade da sociedade, pela condescendência de se aceitá-los pelo fato de haver abundância de acertos, quando se trata de assuntos distintos e sem nenhuma influência um sobre o outro.

À toda evidência, também não é aceitável que o presidente do país possa ter o direito de puder desagradar, em razão de pessoa mais poderosa do que ele não ter conseguido agradar a todos, porque a função primordial dele não é de agradar - mesmo porque ele nunca vai agradar à oposição -, mas sim de se comportar à frente da nação como verdadeiro estadista, agindo rigorosamente no cumprimento da cartilha que ele leu no ato de posse, de não se desviar do regramento jurídico pátrio, notada e especificamente no que se referem aos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade.    

É preciso que os brasileiros se conscientizem de que nunca haverá moralização do Brasil enquanto o povo entender que o seu representante tem direito de sair do nivelamento e da normalidade da sua obrigação de principal zelador dos princípios basilares da República, em termos de fidelidade, competência, eficiência e economicidade, entre outros princípios capitais que possam contribuir para o aperfeiçoamento da administração pública.

Brasília, em 22 de outubro de 2020  

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