Uma
das falas da peça dramática de O rei Lear, da lavra do célebre dramaturgo
inglês William Shakespeare (1564-1616) diz o seguinte: “’Desgraçado do tempo
em que os loucos guiam os cegos. Faz como eu te digo, ou melhor, faz o que bem
entender. O importante é ires embora’, disse o conde Gloucester ao Velho.”.
A
aludida peça foi escrita exatamente no período que a peste bubônica voltara a
assolar sobre a Europa, no limiar do século 17, obrigando o seu autor a se
isolar em quarentena.
Aproveitando
a reclusão compulsória, nessa condição, a célebre peça O rei Lear foi escrita, entre 1605-1606,
que passou a ser considerada uma das principais obras literárias desse extraordinário
escritor inglês, que, inclusive, fez nela menções à supracitada epidemia, da
qual ele fugiu por toda a sua vida.
Especialmente na Londres dessa época, aproximadamente 10% da população morreram por causa dessa infernal peste negra, obrigando o fechamento da cidade e o trancamento em casa dos doentes, nas quais se colocava cruz vermelha pintada na porta, sob rigorosa vigilância.
Como a peça retrata a dramaticidade e a emblematicidade da época de forte pandemia, é inevitável a sua analogia com o mundo atual, onde grassa impiedosamente o novo coronavírus, com as metáforas da “loucura” e da “cegueira” dos brasileiros que teimam em negar o tamanho e a gravidade da desgraça causada pela pandemia, com as suas múltiplas facetas, que são potencializadas pelo indiscutível império do negativismo.
O
certo é que a gravidade do negacionismo tem como cerne ignorar os resultados benéficos
do isolamento e da vacinação, que mereceram companhas contra as medidas nesse
sentido por parte de autoridades que teriam a obrigação de convergirem
exatamente em sentido contrário, como
maneira normal de defesa do interesse público.
Se
o contágio não foi ainda maior, é precisamente em razão de ter havidos o
distanciamento social prudencial e a imunização, como medidas extremamente
necessárias e racionais, e jamais porque o vírus simplesmente desapareceu ou quis
dar trégua aos brasileiros.
O
certo é que se essas duas importantes medidas não tivessem sido adotadas, a
tragédia causada pela pandemia do coronavírus teria sido bem maior e com
intensidade ainda mais alarmante e trágica.
Por
seu turno, os fatos mostram que se tivessem sido adotadas rigorosas barreiras
sanitárias em aeroportos, rodoviárias e outros locais de grande fluxo de
pessoas, certamente que poderiam ter sido evitados que a variante do vírus
originado em Manaus se espalhasse e colaborasse para a segunda onda mais mortal
do que a de 2020, permitindo ainda o surgimento de outras mutações e com o
número assombroso de mortes somente neste início de ano.
Nunca
que os brasileiros podem esquecer e deixar de repudiar a insensibilidade do presidente
do país, que, em momento agudo da pandemia, onde a preocupação se agigantava em
temor da doença, simplesmente ele repetiu seu inexplicável mantra negacionista,
precisamente de que, verbis: “Chega de frescura, de mimimi, vamos
ficar chorando até quando?”.
A
propósito, convém que seja ressaltada pesquisa para avaliação sobre Os
Perigos da Percepção, realizada pelo instituto Ipsos Mori, que aponta para
os brasileiros, pasmem, “como o povo mais fora da realidade no mundo”, fato
que é realmente palpável, principalmente diante da sua índole de seguir
lideranças completamente desfocadas da realidade sobre os fatos da vida e isso
tem muita influência no contexto das relações sociais.
Curiosamente
é que a referida pesquisa foi realizada bem antes da pandemia do coronavírus,
na qual também consta que o Brasil foi apontado como o segundo país em que as
pessoas mais têm a percepção equivocada da realidade, ou seja, são dois importantes
indicativos que só demonstram descuido e irresponsabilidade por parte dos brasileiros,
cujas consequências só os prejudicam, em termos de bem-estar.
Os
aludidos levantamentos foram realizados em 2018, compreendendo 38 nações, para a
avaliação do conhecimento geral e a interpretação que a população faz sobre o
país em que vive, cujo resultado mostra que os brasileiros ficaram à frente
apenas dos sul-africanos.
A
verdade é que, se os mesmos levantamentos
forem feitos agora, com certeza não haverá qualquer surpresa, diante da falta
de interesse de os brasileiros em fazerem a coisa certa, tendo por base a
realidade dos fatos, em que pese que tudo seria para o seu próprio benefício,
se eles agissem com a devida cautela.
Embora
o perigo da pandemia do coronavírus seja terrivelmente notório, é
impressionante a quantidade de brasileiros que continuam se comportando normalmente diante da doença, não se importando
que o vírus possa não somente bater à sua porta, mas invadir a casa e causar morte,
como vem acontecendo uma em menos de um minuto, no país.
A
teimosia dos brasileiros não tem limite, quando se verifica que, a toda hora e
em qualquer lugar, surgem animadas festas, com aglomerações e muita gente sem
máscara, em claro desdenho impulsivo e irreverente à terrível pandemia do
coronavírus.
Não
se pode negar que a guerra contra a Covid-19 pode causar natural estresse nas
pessoas, principalmente para quem já se cansou de permanecer por longo tempo em
casa, a ponto se atingir a depressão, mas esse é o único e seguro remédio
salvador, à base do obsequioso distanciamento e da milagrosa vacina, sendo que
esta ainda pende do atingimento de quantidade suficiente e razoável da população,
na compreensão da chamada imunização de rebanho, no bom sentido.
Não
tem o menor cabimento que as pessoas fiquem brincando, em plena pandemia de
doença letal, com o risco de morte, à vista da falta de cuidados preventivos e
do desamor à própria vida.
Enfim, é possível, nos dias atuais, se parodiar o próprio Shakespeare em seu Hamlet, no sentido de indagar: “Ser ou não ser, eis a questão”, como forma necessária de inteligência para se cuidar e preservar a vida própria e de todos contra essa peste terrível Covid-19, o que equivale dizer viver ou morrer, ação que depende da sensibilidade dos homens, em termos de posicionamento contra o negativismo, que jamais poderia ter existido em momento nefasto que os brasileiros pagaram com a própria vida, em aceitá-lo pacificamente, quando deveriam ter tido a inteligência, a sensibilidade e prudência de repeli-lo, de imediato.
Brasília, em 12 de julho de 2021
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