sexta-feira, 23 de julho de 2021

Fragilidade moral?

 

O presidente da República afirmou que é do Centrão, após ter sido questionado sobre o convite feito a um senador, importante líder desse grupo político, para assumir a Casa Civil, que é uma das principais pastas do governo.

Com o sorriso no rosto, o presidente do país declarou que, verbis: "Eu sou do Centrão. Eu fui do PP metade do meu tempo. Fui do PTB, fui do então PFL. No passado, integrei siglas que foram extintas, como PRB, PTB. O PP, lá atrás, foi extinto, depois renasceu novamente".

O presidente do pais, em tentativa de justificar a sua afirmação acima, disse que "Nós temos 513 parlamentares. O tal Centrão, que chamam pejorativamente disso, são alguns partidos que lá atrás se uniram na campanha do Alckmin (PSDB). E ficou, então, rotulado Centrão como algo pejorativo, algo danoso à nação. Não tem nada a ver, eu nasci de lá".        

O Centrão é um grupo informal, formado por diversas legendas, e já integrou, por exemplo, todos os governos, com maior destaque a contar de 2003 e, agora, toma conta, triunfante, também do governo chamado das “mudanças”, que certamente não conseguiu resistir ao charme de quem tem condições e poder para blindar o presidente, que se encontra na iminência de sofrer processo de impeachment, por crime de responsabilidade.

A introdução desse grupo no governo materializa desmoralizante troca de cargos públicos e emendas parlamentares por apoio no Congresso Nacional, tal e qual operação que faziam os igualmente desavergonhados governos do passado, que, pelo menos, tinham a dignidade de nunca reclamarem da falta de honestidade dos integrantes do Centrão, que o aceitavam exatamente como eles eram, sem o mínimo de escrúpulos, diferentemente do atual presidente, que os chamava de desonestos, mas, por interesse político, com a frouxidão de temer ser afastado do poder, foi obrigado a se humilhar e cair de joelhos aos pés logo dele.

Em 2018, o general que chefia o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República fez paródia do samba intitulado Reunião de bacana, tendo insinuado que os integrantes do Centrão são ladrões.

A propósito, o samba original diz que "Se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão.", tendo o general o parodiado com o seguinte texto: "Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão.".

Não obstante, diante dos circunstanciais interesses político e governamental, que exige o providencial socorro do Centrão, o general, em maio recente, disse que “Sobre o Centrão, aquela brincadeira que eu fiz, foi numa convenção do PSL na época da campanha eleitoral. Naquela época, existia à disposição na mídia várias críticas ao Centrão. Não quer dizer que hoje exista Centrão, isso foi muito modificado ao longo do tempo".

Ou seja, na verdade, o Centrão somente se passava como grupo de ladrões quando o momento exigia que ele fosse tratado exatamente com essa pecha, justamente para mostrar que o candidato estava em nível de pureza moral e que o seu distanciamento dele fazia parte apenas de fajuta estratégia político-eleitoral, mas, agora, que o presidente não se sustenta nas próprias pernas, necessitando de apoio das forças dos ladrões de outrora, mas que são representados pelos mesmos parlamentares da atualidade, estes passam a ser as figuras mais “honestas” do planeta, fato este que tem o condão de somente mostrar o nível desbotado da qualidade moral de homens públicos, não importando se eles vestem farda ou não, porque a sua índole termina sendo a mesma, em especial quando os interesses pessoais estão em jogo e, enfim, eles prevalecem sobre as causas nacionais.

Outro general da reserva, que comanda a Casa Civil a ser comandada pelo privilegiado líder do Centrão, afirmou, na quarta-feira, que não tinha ideia de que “seria demitido da Casa Civil”, embora dois dias antes ele estivesse com o presidente do país, que não lhe falou nada sobre a sua exoneração do cargo, tendo afirmado que isso o deixou "em choque". 

O mencionado general disse que "Eu não sabia. Estou em choque. Fui atropelado por um trem, mas passo bem”, fato este que só demonstra o tamanho do desespero do presidente do país, que não tem o mínimo de consideração nem respeito às pessoas mais próximas da sua relação de trabalho, em se tratando que a Casa Civil é órgão da maior relevância no contexto da Presidência da República, por cuidar dos principais assuntos político-administrativos do Palácio do Planalto e do governo.

Não obstante, aquele órgão será entregue, pasmem, a um político desconhecido e ainda influente integrante do famigerado Centrão, o que bem demonstra o grau da decadência moral pela qual o chefe do Executivo brasileiro está sendo colocado perante a nação, que aceita se juntar, com intenso prazer, ao que de pior existe em termos da prática política brasileira, ao invés de se sujeitar a responder por possíveis crimes de responsabilidade praticados no seu governo e enfrentar ao devido julgamento, de peito aberto e cara limpa, como fazem normalmente os verdadeiros estadistas, que têm a grandeza moral de assumir seus atos na vida pública e responderem por eles.

Sim, é verdade, o presidente do país sempre foi do Centrão, porque, como ele disse, sempre se elegeu por partidos integrantes e militantes desse indesejável grupo político, embora ele tivesse a ousadia de dizer, na campanha eleitoral, que desprezava a velha política, composta por parlamentares que só pensavam em levar vantagem em tudo e que ele os descartava no seu governo, caso fosse eleito.

A maior decepção agora é ficar sabendo que o homem público que se promovia como sendo da nova política, que considerava os componentes do Centrão de bandidos, ladrões e outras desqualificações morais, agora acaba de oficializar a sua integração à bandidagem assim entendido por ele, ao liberar o Centrão para comandar o Brasil, não havendo, diante dessa tragédia moral, motociatas nem outras formas de movimento em protesto por parte dos idólatras e veementes apoiadores da mitocracia, o que é da maior gravidade e causa estranheza, considerando que a imagem venerada do líder maior foi literalmente jogada na lama, pelo menos sob o prisma dos brasileiros que têm dignidade e defendem, de forma intransigente, a prevalência dos princípios da ética e da moralidade na administração pública.

O certo é que, quando o presidente foi buscar votos, na campanha eleitoral, a conversa não tinha essa vaselinagem de “Não tinha nada a ver”, porque o Centrão era chamado mesmo de grupo de picaretas e aproveitadores, sem meio termo, mas agora a vergonha vai literalmente para o espaço sideral, sob a tentativa de amaciamento da verdade, que não vai demorar a mudar de ideia novamente, para chamá-los de anjinhos da política, quando lá atrás eles eram considerados demônios, mesmo.

Para quem desconhece a péssima fama do Centrão, basta apenas dizer que, na campanha eleitoral, para conquistar votos dos eleitores conservadores, o atual presidente dizia que o Centrão era a velha política, em razão de seus integrantes serem conhecidos como os eternos aproveitadores do dinheiro público, em troca de apoio político no Congresso, como verdadeiros fisiologistas de carteirinha, na forma de sanguessugas de todos os governos, cuja habilidade acaba de ser introduzida por completo no governo do homem mais “honesto” da República, pelo menos deve ser o que ele e seus fiéis apoiadores acham, ao afirmarem que não há corrupção no governo.

Depois disso tudo, não se sabe se, a partir de agora, a pureza dessa ideia ainda vai continuar a ser defendida, com a turma do Centrão aboletada em definitivo no Palácio do Planalto, a comandar a principal pasta próxima do presidente, tendo poderes para a liberação de importantes ações em benefício de seus aliados, principalmente no que se refere a cargos públicos e emendas parlamentares, bem ao sabor da mentalidade institucional dos parlamentares amantes da “velha política”, que, certa feita, na campanha eleitoral, ela provocava mortal alergia ao chefe do governo, que agora sente-se orgulhoso de ser integrante do bando.

O presidente do país, ao levar o Centrão para comandar o país, que, na prática vai acontecer exatamente isso, ele diz à nação, em caráter firme, definitivo e publicamente que “Eu sou do Centrão”, que, neste aspecto, é clara declaração de honestidade por parte dele, embora isso tenha sido declarado tardiamente, posto que poderia ter sido dito ainda na campanha eleitoral, deixando cristalina, agora, a sua verdadeira personalidade política, que não teria permitido iludir e enganar muitos eleitores, dizendo que aquele grupo fazia parte da velha política, que só sabia defender seus interesses, em detrimento das causas nacionais, com o que teria evitado se passar agora, por momento de vexame, ao assumir a verdadeira face dos mesmos integrantes que antes mereciam a severa crítica de parlamentares indignos.

Enfim, todo povo tem o governo que merece e é exatamente assim que diz o velho adágio popular, que pode muito bem ser entendido, no presente momento da vida pública brasileira.

Não obstante, é muito cristalino o entendimento segundo o qual o Brasil não merece o governo com as qualificações de moralidade de quem se submete, sem o menor escrúpulo nem sentimento do ridículo, a delegar poderes para a liderança de grupo político de questionável moralidade puder comandar literalmente o governo, os reais interesses da nação, como acaba de ser decidido, sem se levar em avaliação a relevância das políticas que dizem respeito às prioritárias nacionais, quando fica patente a urgência na satisfação de interesse particular do presidente do país, em se proteger de possível processo de seu afastamento do cargo.

Brasília, em 23 de julho de 2021    

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