domingo, 25 de julho de 2021

Governabilidade?

 

O presidente da República disse que sua aproximação com os partidos do chamado Centrão – grupo de partidos sem coloração ideológica clara que adere aos mais diferentes governos – deve-se à governabilidade.

O presidente do país afirmou que “A minha aproximação ao partidos de centro é pela governabilidade. Sou obrigado a fazer isso aí. Como disse lá atrás, se alguém tem alguma bronca contra qualquer parlamentar, não esqueçam que vocês colocaram aqui dentro”.       

O chefe do Executivo confirmou que fará o convite ao senador do Centrão, para chefiar a Casa Civil de seu governo, porquanto a Medida Provisória que reorganiza os ministérios já foi concluída.

Seria bem melhor, por questão de sinceridade, justiça e de plena harmonia com a realidade, que convém necessariamente a todo homem público, se o presidente do país dissesse à nação o verdadeiro motivo do significado de “governabilidade”, que, no caso específico, não tem nada a ver com o sentido literal do que ele quis insinuar que depende do apoio e da coligação com o famigerado Centrão para governar o Brasil, uma vez que o ato em si objetivado não é absolutamente nada do que ele disse para os brasileiros.

Neste caso, o presidente poderia aproveitar a oportunidade para mostrar o mínimo de sinceridade, em respeito aos brasileiros, que não suportam mais o tanto de mentiras protagonizadas por governos anteriores ao seu, e dizer, com todas as letras e em bom português, a verdadeira razão pela qual ele decidiu por tão drástica esculhambação da gestão pública, já que ele, inevitavelmente, se encontra completamente enxovalhado pelo lamaçal pútrido que ele cuidou de levar para inundar o seio do seu governo.

Os brasileiros teriam ficado bem informados que o presidente tivesse a hombridade de dizer o que realmente significa “governabilidade” para ele, no presente momento, que nada mais é do que contar com o apoio do questionável Centrão, por meio de aliança cristalinamente espúria, recriminável e indecente, para os padrões normais de moralidade, no sentido exclusivamente de evitar a abertura de processo de impeachment dele, na Câmara dos Deputados, diante de mais de cento e vinte pedidos formulados nesse sentido, em decorrência de suspeitas da prática de atos administrativos considerados irregulares, pelos autores dos recursos, que podem ensejam à caracterização de crime de responsabilidade e consequente afastamento do cargo.

Agora, o que o presidente do país chama de possibilitar “governabilidade” tem a ver com a desavergonhada entrega da chave do governo para uma das principais lideranças de partido que integra o Centrão, que poderá usá-la ao seu bel-prazer para satisfazer o seu instinto de malversador de recursos públicos.

Além disso, o governo escancara as suas portas para o mar de nomeações de cargos públicos, porque certamente o futuro chefe da Casa Civil terá a faca e o queijo, no entendimento popular, para promover as manobras mais absurdas que ele entender, no sentido de satisfazer aos desejos próprios da índole institucional do Centrão.

Como se vê, a aliança imoral, condenável e indecente com o reprovável Centrão diz respeito exclusivamente à compra ilícita e vergonhosa da consciência de parlamentares inescrupulosos, com a finalidade de proteger no cargo a pessoa do presidente da República, com o abusivo uso de recursos públicos, por meio de cargos públicos e gordas emendas parlamentares, em contrariedade aos princípios republicanos, que jamais seriam aceitáveis em governo digno e decente, uma vez que o seu titular teria a grandeza de se defender em caso de suspeita de irregularidade na sua gestão, sem necessidade de blindagem construída a preço de ouro, às custas de recursos públicos, em procedimento completamente eivado de irregularidades que contribuem para denegrir a imagem do seu autor.

À toda evidência, o ato que formaliza o ingresso do Centrão no Palácio do Planalto caracteriza crime de responsabilidade, diante do uso de dinheiro público em desvio de finalidade, quando o apoio desse grupo se destina exclusivamente à defesa pessoal do presidente, sem qualquer conotação com a satisfação do interesse público, que é a razão essencial da aplicação do dinheiro arrecado dos sacrificados contribuintes.

Como quem nunca tivesse criticado e classificado os integrantes do Centrão como algo desprezível, em termos políticos, o presidente do país, como pretendendo se passar por Pilatos, sem mácula pela existência dos políticos de péssima fama, tenta transferir para os eleitores a chaga de ter os colocados nos cargos.

Ou seja, no entendimento do presidente, já que os eleitores escolheram parlamentares da pior qualidade, tudo bem, porque a culpa não é do mandatário, que vê, por certo, nada de mais em levá-los para se lambuzarem, em conjunto, no governo brasileiro, que se torna a cara e a alma da República com o timbre do autêntico fisiologismo que bem caracteriza a velha política, que fora abominável por quem um dia e muitos outros, até se eleger, com o rasgamento do verbo contra o Centrão.

Para que não pareça nada de puro sensacionalismo, no exato momento em que o presidente do país abraça com muito afeto e carinho os velhos e sebosos amigos do Centrão, convém que sejam mostradas as suas fajutas argumentações, na campanha eleitoral de 2018, sobre esse questionável grupo político, notadamente com viés pejorativo, nada aconselhável à aliança para compor governo com o mínimo de seriedade, moralidade e dignidade.

Em discurso emblemático, o primeiro como candidato à Presidência, em julho de 2018, na convenção do PSL, o presidente minimizou a importância de alianças formais e atacou os concorrentes que costuravam acordos, tendo chamado o Centrão de “escória”, quando ele decidiu aderir à candidatura do PSDB.

O então candidato disse, verbis: “Para fazer esse time campeão, o seu chefe não pode estar devendo nada para partido político nenhum. O Brasil não precisa de marqueteiro, centrões, demagogos e populistas. O Brasil só quer uma coisa: a verdade”.

Ele declarou, naquele mesmo dia, que “de um lado está a esquerda e, de outro, o Centrão” e que agradeceria ao candidato do PDSB “por ter juntado a nata do que há de pior no Brasil ao seu lado” se referindo, evidentemente, ao Centrão.

No mesmo dia do referido discurso, o general atual chefe do Gabinete de Segurança Institucional classificou o Centrão como “a materialização da impunidade”, tendo feito paródia de famoso samba, com a insinuação de que os integrantes desse bloco são ladrões, ao afirmar: “Se  gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão”, mas, já agora, o mencionado militar classificou de “brincadeira” as referidas declarações, tendo afirmado, com a cara mais lisa e desavergonhada, que “o bloco não existe mais.”.

          Em setembro de 2018, o então candidato rechaçou a possibilidade de se aliar ao Centrão, se eleito, quando também refutou qualquer chance de aceitar indicações políticas para ministérios, a fim de construir uma base aliada, tendo afirmado, ipsis litteris: ”Não, não vai existir isso aí. Não será esse o critério, será a competência.”, dando a entender que o grupo também era incompetente.

Em 16 de agosto de 2018, o candidato mencionava a diferença no tempo de TV e rádio destinado a cada coligação, tendo declarado: “De um lado o Centrão, com essa gente que você muito conhece. De outro, a esquerda, que teima em voltar ao poder. Juntos, têm todo o tempo de televisão e de rádio, bem como quase 1,7 bilhão de reais para investir em campanha”.

Em outra gravação, ele afirmava que, nos anos anteriores, “o presidente indicava seus ministros de acordo com interesses político-partidários. Tem tudo para não dar certo. Qual é a nossa proposta? Indicar as pessoas certas para os ministérios certos. Por isso não integramos o Centrão, tampouco estamos na esquerda de sempre”.

Na verdade, as incoerências do presidente, com relação à nomeação de ministros independentemente de indicações políticas não foram as únicas promessas descumpridas por ele, porque, agora, anuncia-se também a recriação do Ministério do Trabalho, Emprego e Previdência.

O candidato garantia, no início de outubro de 2018, que montaria, em três semanas “um ministério enxuto, com no máximo 15 ministros, que possa representar os interesses da população, não de partidos”, mas, com a nova pasta, o governo terá 24 ministérios, nove a mais do que o máximo anunciado por ele.

Esses fatos mostram, à saciedade, que o candidato que prometia mudanças e verdades se encontra, agora, totalmente emaranhado em teia de indecentes mudanças construídas de muitas mentiras, que só envergonham e indignificam as suas esperançosas promessas para conquistar votos, tendo por base o sentimento de homem público que se dizia capaz de passar a limpo o Brasil, tão calejado de compromissos de candidatos mentirosos e desavergonhados.

Na verdade, agora se sabe que tudo não passou de gigantesco engodo, com a  montagem de programa de governo que é colocado por terra, como acaba de ser demonstrado pelo atual presidente, que consegue materializar verdadeiro estelionato eleitoral, quando disse que jamais comeria no mesmo coxo com os integrantes do Centrão, mas agora é o faz e prazerosamente, por sentir-se privilegiado ao se proclamar que sempre pertenceu a esse execrável grupo político, fato este que só patenteia a sua completa decadência moral e política, de indecência pela notória falta de palavras, por declarar perante a nação que tudo o que ele disse sobre a “verdade” do Centrão era pura mentira, por serem palavras pronunciadas da boca para fora, sem nenhum sentimento de seriedade, honestidade e respeito aos eleitores.

Diante do exposto, resta a segura ilação do quanto a ideologia política, com viés de direita e esquerda, pode contribuir para o desacerto e a desconstrução do desenvolvimento do Brasil, diante da defesa que se fazem, em nome dela, por seus fãs de homens públicos que, mesmo não se enquadrando nos parâmetros exigidos para o exercício de cargos públicos eletivos, diante da necessidade do preenchimento dos requisitos de moralidade, coerência com a verdade e retilineidade de respeito aos eleitores, quanto às promessas de campanha, ainda assim eles são considerados dignos de representar os interesses do povo.

Esse fato só demonstra o verdadeiro caráter - ou a falta dele - desses seguidores, que não conseguem enxergar defeito algum em quem carrega sobre seus ombros o peso da deplorável deformidade inata, que é inconciliável com os saudáveis princípios da moralidade, da dignidade e, sobretudo, da verdade, tão imprescindível nas atividades político-administrativas.

Diante do exposto, fica muito claro que a definição de “governabilidade” pelo presidente da República, para colocar o Centrão no comando do Brasil, é facilmente interpretada como ato vergonhoso  e indigno com o indevido uso de recursos públicos, ante o desvio de finalidade pública, caracterizando crime de responsabilidade, que precisa ser devidamente apurado, para o fim de aplicação das sanções cabíveis, na forma prevista na Constituição Federal.

Brasília, em 25 de julho de 2021

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