sábado, 3 de julho de 2021

Investigar como princípio

 

O presidente da República atravessa, neste momento, o mar tenebroso e tempestuoso, sob ameaças de ter que enfrentar impeachment quando chegar em terra firme, a depender da sua habilidade política, à vista das suspeitas de escândalos de corrupção envolvendo acordos de compra de vacinas contra Covid-19.

Nesse clima agitado, a situação do presidente do país pode azedar de vez se ele denunciar aliados do Congresso Nacional, supostamente envolvidos na tentativa de se beneficiarem com propina, no embalo da compra de vacinas, porque ele corre o risco de perder o fundamental apoio do grupo volúvel de parlamentares do Centrão, que foi levado para o Palácio do Planalto, por meio de acordo espúrio, tendo por finalidade a garantia da blindagem contra a abertura do processo de impeachment contra ele.

Não obstante, se preferir proteger políticos envolvidos nos escândalos, o presidente do país pode incorrer na mácula por acusações de corrupção, fato que terá reflexos enormes na sua reeleição, ante a dificuldade de explicar ao eleitor como o candidato considerado paladino da moralidade, na eleição de 2018, não teria conseguido evitar o seu envolvimento em escândalos de corrupção no seu governo.

A compra da vacina Covaxin indiana contra Covid-19 tornou-se enorme pesadelo para o presidente do país, especialmente porque ele já disse que foi “rolo” criado pelo líder no governo na Câmara dos Deputados, o qual integra o famigerado Centrão, que não pode ser contrariado, motivo pelo qual o mandatário precisa criar alternativa plausível para livrá-lo dessa terrível acusação de propineiro.

Não há a menor dúvida de que o presidente do país se encaminha em processo retilíneo de enfraquecimento político, com alguma possibilidade de ser submetido ao  processo de impeachment, diante da falta de habilidade para enfrentar a crise que o domina, que tende a fragilizá-lo no cenário da próxima disputa eleitoral.

Na verdade, esses fatos têm contribuído também para que o povo se distancie do presidente, pela perda de popularidade, a par do seu desempenho avesso ao combate à pandemia do coronavírus, que até pode não ter contribuído para a alarmante quantidade de mais de meio milhão de mortes, mas expressiva parcela da população o tem como genocida, o que pode não ser justo, diante da falta de comprovação de que a sua rebeldia ao enfrentamento da grave situação possa causar algo de tamanha gravidade, mas a sociedade tem direito de espernear.

O certo é que a companha de imunização, a caro do governo, mereceu e ainda merece veementes críticas, em razão da sua demora para começar e de várias interrupções por falta de doses, foto que pode sim ter contribuído para muitas mortes, porque a imunização é forma segura de se evitar infecções e letalidades.

Agora, a complicação que pesa particularmente sobre os ombros do presidente do país são as suspeitas de corrupção a respeito de encomendas de vacinas, que estão sendo objeto de investigações e ele precisa ser extremamente habilidoso para comprovar a lisura em cada caso, que poderá resultar, ao final, em benefício da sua gestão, quando tudo tiver terminado e comprovado, quanto à regularidade dos procedimentos.

É bastante improvável que as investigações possam afastar o presidente do Palácio do Planalto, mas só a produção de manchetes diárias por parte da mídia expõe para a opinião pública a imagem de incompetência e suspeitas de corrupção no governo, mesmo que nada seja comprovado de irregular, ao final, porque o estrago político é inevitável.

Como o zodíaco astral do presidente do país não anda às mil maravilhas, o Supremo Tribunal Federal, na pessoa de uma ministra, decidiu autorizar a investigação dele, no caso da vacina Covaxin, sob a suspeita da prática do crime de prevaricação.

Nos termos do Código Penal Brasileiro, prevaricar significa "Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.”.    

A aludida decisão atende a pedido de três senadores, que alegaram que o presidente do país teria ficado sabendo de possível irregularidade na compra da vacina Covaxin, prometido mandar investigar e ficado em silêncio, ou seja, nada fez, porque era do seu dever, mesmo diante de fato suspeito de irregularidade.

Diante da intensa pressão que surge de todos os lados, em cima do presidente do país, somente resta para ele apelar para a competência político-administrativa, em especial exigindo de seus comandados que se esforcem, com muita rapidez, para que as denúncias de irregularidades sejam devidamente apuradas e, se for o caso, apresentarem os envolvidos, de modo que não restem a menor dúvida sobre a lisura do governo, sem necessidade alguma de ficar espezinhando sobre os acusadores.

É evidente que não constitui novidade nenhuma o aparecimento de denúncias sobre irregularidades na gestão pública, como nesse caso da compra da Covaxin, que pende de apuração, mas causa enorme perplexidade que o “rolo”, na palavra do presidente do país, tenha como principal alvo parlamentar estranho ao governo, mas que a integra, por força do seboso e espúrio acordo com o nada perfumado Centrão, ao qual o deputado acusado é filiado.

A outra maior estranheza diz respeito ao fato de o presidente da República assumir a inação sobre a intrínseca da competência do cargo, por ter ficado sabendo do caso suspeito da Covaxin e nada fazer para mandar apurá-lo, mais do que imediatamente, mesmo sabendo que isso implica a prática do crime de prevaricação, se bem que, nesse caso, parece ficar claro que ele pretendia proteger um deputado integrante do Centrão, que poderia ficar insatisfeito com ele e simplesmente se rebelar, no sentido de conspiração contra a permanência da aliança existente para protegê-lo contra o processo do impeachment.

Ou seja, se tudo isso for realmente confirmado, nada mais resta ao presidente, que teria deixado de agir, no cumprimento do dever presidencial e em prol do interesse público, para proteger o interesse do deputado do Centrão e, de consequência, do dele próprio, com o que a sua falta de dignidade, repita-se, se confirmados os fatos, tem o preço do afastamento do cargo.   

Enfim, todos os processos referentes a suspeitas sobre fatos irregulares e a investigações acerca deles são absolutamente normais no Estado Democrático de Direito, tendo o governo a obrigação de prestar contas à sociedade, em sintonia com o salutar princípio republicano da transparência, porque é exatamente assim que acontece na administração pública moderna, que funciona revestida dos princípios da competência, eficiência e responsabilidade públicas.  

Brasília, em 3 de julho de 2021

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