Um padre italiano, que mora há mais de 50 anos no Brasil, passou
a ser xingado por apoiadores do presidente da República, depois que ele fez severas
e infundadas críticas ao governo, durante missa na Paróquia da Paz, em
Fortaleza (CE).
No dia 4 do corrente mês,
o religioso afirmou que “o governo era responsável pelas mais de 500 mil
mortes pela covid-19 no Brasil.”.
Diante disso, segundo a
agência Ansa, sete mulheres e um homem invadiram a sacristia para chamar, aos
gritos, o religioso de “esquerdopata, comunista, petista”.
Nos próximos finais de
semana ocorreriam novas confusões, como no dia 11 seguinte, mesmo sem a
presença do padre, um apoiador bolsonarista começou a gritar palavras de ordem,
tendo gerado novo incidente.
Uma semana depois,
houve nova tentativa de intimidação por grupo vestindo camisas verde e amarelo,
com o número 17 às costas.
Segundo o jornal Metrópoles,
o grupo invadiu a igreja para atacar o padre, e a missa somente continuou com a
presença de duas viaturas da Polícia Militar, para se evitar problema mais
grave entre os fiéis.
Um militar disse que “Esse
negócio da doutrina dos oprimidos, isso tudo não é para ser praticado aqui.
O padre proselitista peca com tudo isso. Vai perder muitos fiéis se
continuar nessa linha”.
O governador do Ceará
mandou instaurar inquérito, para apurar as ameaças ao padre italiano.
O padre que deu origem à
confusão em comento disse que “O Sacerdote e o pastor não podem se calar
quando a vida está sendo desrespeitada e violentada”.
O religioso tem toda razão,
ao dizer que “o sacerdote e o pastor”, no âmbito do seu trabalho pastoral e de evangelização
devem levantar a sua voz, principalmente para denunciarem e pedirem providências
das autoridades competentes, tudo em harmonia com a missão própria do seu
relevante ofício religioso, no qual não é considerado lícito que haja extrapolação,
de forma injustificada, quanto às acusações, que precisam ser modeladas.
A propósito, a acusação
feita pelo padre italiano ao governo brasileiro foi muito além de falar sobre
desrespeito e violência contra o ser humano, porque ele o acusou de ser “responsável
pelas mais de 500 mil mortes pela covid-19 no Brasil”, fato que constitui atitude
da maior gravidade, em termos de incriminação, quando, provavelmente, o
religioso não deve dispor de provas para justificá-la, na forma da legislação de
regência penal.
Ou seja, nos termos da legislação
brasileira, constitui crime, por implicação de danos morais, a acusação infundada
sobre a prática de ação criminal, tendo em vista que o ônus da prova cabe ao
acusador, no caso, o padre, que certamente não tem como provar que o governo seja
culpado ou responsável por uma morte sequer, quanto mais por mais 500 mil óbitos.
Não se pode negar,
conforme mostram os fatos, que o governo tem sido considerado não muito
diligente na aquisição de vacinas, quando a campanha de imunização brasileira somente
teve início quase um mês depois de muitos países, certamente governados por
políticos conscientes sobre a importância do respeito aos princípios
humanitários, terem dado início à vacinação, ainda no final do ano passado,
quando o Brasil começou depois de vinte de janeiro, havendo, depois disso,
algumas interrupções, devido à falta de doses.
Esse sério transtorno
realmente aconteceu, certamente causando graves prejuízos para os brasileiros,
que poderiam ter recebido a vacina ainda no final do ano passado, antecipando a
proteção da vida, por meio da imunização.
É evidente que o chefe
do Executivo protagonizou atitudes contrárias ao efetivo combate à Covid-19,
como o desprezo à sua gravidade, ao chamar a doença de “gripezinha”, incentivo
a se evitar a máscara, criticar a eficácia de vacinas, inclusive prometendo nem
se imunizar e outras negações às orientações preventivas da pandemia do coronavírus.
Embora esses fatos sejam
da maior gravidade, à vista de caso especial de pandemia, em se tratando que o
presidente da nação tem a maior incumbência constitucional de ser modelo de
práticas cívica e de racionalidade, porque elas podem ter tido influência na negação
dos melhores controle e combate à Covid-19, não se dispõe, nem por isso, de
elementos seguros e de convicção no sentido de que o governo tenha contribuído
para determinada quantidade de mortes, a ponto de possibilitar acusação nesse
sentido, exatamente por falta da prova material da conexão dos atos dele com algum
óbito, para a devida formalização de culpa, que é a essência para a sustentação
da acusação pertinente, com vistas à responsabilização pela prática de crime.
Por sua vez, não tem o
menor cabimento que apoiadores do presidente do país possam tomar as dores dele,
como quem pretendendo fazer justiça com as próprias mãos.
Nesses casos, o bom
senso e racionalidade aconselham que o caminho normal, nos termos da legislação
brasileira vigente, se faça por via da Justiça, por iniciativa da parte
ofendida, que pode exigir que o religioso prove a sua acusação, evidentemente sem
necessidade alguma de agressão a ele, porque não se justifica que a prática de
erro seja revidada com outro insensato erro, tendo em vista que existem os
meios legais para serem buscados a devida reparação, tudo em harmonia com os
princípios da civilidade, da racionalidade e da humanidade.
Enfim, todo cidadão tem
direito de se manifestar, sob a faculdade do Estado Democrático de Direito, no
âmbito das liberdades individuais, podendo expressar seu sentimento em oposição
ao que achar de anormal ou negligente, no caso das políticas públicas, em
especial no que se refere ao combate à grave crise da pandemia do coronavírus,
por se tratar de realidade notória, quando o governo poderia ter sido muito
mais ativo e efetivo com relação à prestação da saúde pública sob a sua incumbência
constitucional.
Agora, é muito forte se
afirmar que o governo seja responsável por mais de 500 mil mortes causadas pela
Covid-19, quando isso parte apenas, ao que parece, do sentimento próprio da
arraigada e irresponsável ideologia, cujo autor precisa sim ser responsabilizado
por acusação carente de fundamentação fática.
O caso em referência
tem ainda a gravidade de a acusação partir exatamente durante a missa realizada
em Igreja Católica, que compreende ato religioso destinado, em princípio, à
pregação do Evangelho de Jesus Cristo, que tem como exclusivo pensamento causas
relacionadas com a espiritualidade e o cristianismo, sem qualquer necessidade da
sua mistura com assuntos políticos, quanto mais com conotação ideológica, em
completo desvio da finalidade religiosa.
Convém que os brasileiros
se conscientizem de que a liberdade de expressão é princípio democrático valioso
e da maior importância para o engrandecimento da cidadania, que precisa ser
valorizada por meio do seu uso ponderado, em termos de equilíbrio e responsabilidade,
não se permitindo, por questão de respeito aos direitos humanos, acusações graves
que não possam ser comprovadas, sob pena de se incorrer em crime por danos
morais à imagem de pessoas.
Brasília, em 29 de julho
de 2021
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