Deplorável jeitinho brasileiro

 

No calor da discussão sobre a escolha de atriz e cantor para comporem a Academia Brasileira de Letras, a generosidade de integrante do grupo social foi no sentido de indicar meu nome integrar a ilustrada academia, sob a alegação de que eu já teria escrito dezenas de livros e estaria em condições de atender aos precisos requisitos exigidos para tanto.

É evidente que fiquei muito feliz com a honra da lembrança da minha indicação para ser imortal, nem que fosse no imaginário da expressão, porque todos são inevitáveis mortais.

Na ocasião, eu disse, a par do agradecimento pelo gesto de bondade à lembrança da minha pessoa, coitado de mim, que nem escrevendo centenas de livros teria mérito algum para vestir o roupão dourado da casa do memorável Machado de Assis, que é realmente cobiçado pelos verdadeiros e importantes escritores brasileiros, que mais se identificam com a finalidade institucional da ABL.

Infelizmente, é preciso entender que o deplorável jeitinho brasileiro ainda prevalece neste esculhambado e distorcido país, onde famoso cantor, sem escrever livro algum de renome editorial, consegue pôr no chinelo, na disputa das urnas, escritor famoso e de renome nacional e até internacional, que é possuidor de rico legado literário, como se aquele sequer tivesse o ranço de algo de importância literária, a galgar tamanho merecimento de verdadeiro imortal.

É pena que instituição brasileira de tamanha importância no mundo da literatura, tanto que ela é a guardiã e a protetora de todo acervo patrimonial da rica língua portuguesa, no Brasil, seja cediça à influência do deplorável critério da pistolagem, em que artista ou cantor, por mais célebres que sejam, não importa, possam ser reconhecidos como capazes de ultrapassar o mérito de que tem a verdadeira intimidade com as letras e a linguagem, cuja especialidade a que realmente diz respeito à finalidade institucional da academia, que se deprecia e atrofia em importância com a eleição de artista e cantor, sem as qualificações essenciais exigidas para o preenchimento de tão linda e importante função, que tem o real sentido de reconhecimento das qualidades inatas de grandes escritores nacionais.

Em termos de seriedade, jamais uma atriz nem um cantor, por mais competentes que sejam, por suas atividades reconhecidas e consolidadas no cenário profissional, teriam condições de superar a capacidade de escritor nato, afeito às atividades literárias específicas da Academia Brasileira de Letras, na exata expressão da sua finalidade institucional.

Resta o lamento e o repúdio por mais esses gravíssimos desacerto e desrespeito à integridade da cultura literária nacional, firmando o entendimento da inaceitabilidade de ato irresponsável protagonizado por instituição que desonra a dignidade dos escritores nacionais, em especial na pessoa do mais nobre dos imortais, o venerável Machado de Assis, patrono da Academia Brasileira de Letras, que certamente estaria extremamente decepcionado e envergonhado por ter criado tão ilustrada instituição para, agora, acomodar, sem justificável mérito literário, importante atriz e venerável cantor, em evidente detrimento do direito de renomados escritores, cujos méritos são reconhecidos no país e internacionalmente.

Muito triste, mesmo!

Brasília, em 3 de março de 2022