segunda-feira, 28 de março de 2022

Encontro do bem contra o mal?

 

O presidente da República discursou no encontro nacional do PL, que é o partido dele, tendo afirmado que a disputa política no país não é da esquerda contra a direita, mas sim do "bem contra o mal", evidentemente dando a entender que ele é o bem e o seu principal opositor é o mal.

O presidente declarou que "O nosso inimigo não é externo, é interno. Não é luta da esquerda contra a direita. É luta do bem contra o mal. O que nós queremos, juntamente com muitos que estão aqui, é deixar e entregar o comando deste país lá na frente, bem lá na frente, por um critério democrático, transparente. (Entregar) o país bem melhor do que recebi em 2019".

Ele se referiu às pesquisas de intenção de votos, tendo desacredito, sem provas, os levantamentos e sentenciado: "Uma pesquisa mentirosa publicada mil vezes não fará um presidente da República.".

O presidente repetiu ideias e princípios que agradam aos seus eleitores mais fiéis e que fazem parte do bolsonarismo radical, tendo ressaltado as suas ações ao longo do mandato, como o acesso às armas de fogo e munições, que, segundo ele, facilitaram a defesa da população civil, além de ressaltar que a sociedade armada evita golpes por parte dos governos, embora especialistas em segurança pública garantam que, na verdade, mais armas em circulação pode contribuir para aumentar a violência e a criminalidade.

O presidente disse que "Geralmente as ditaduras começam dentro do Executivo. Eu nunca vi o legislativo dar golpe, o Judiciário dar o golpe. E primeiro se desarma a população de bem. O nosso governo age na contramão disso. Não tem nada para acusar o governo de que nós estaríamos buscando censurar o nosso povo ou censurar a mídia brasileira".

O presidente garantiu que tudo fará para defender a liberdade e a democracia e adotará as medidas necessárias "Para defender a nossa liberdade, para defender a nossa democracia, eu tomarei a decisão contra quem quer que seja. E a certeza do sucesso é que eu tenho um exército ao meu lado. E esse exército é composto de cada um de vocês", não tendo esclarecido a quem ele estava se referindo especificamente como inimigo.

Sem apresentar provas, o presidente novamente levantou suspeitas sobre o sistema eleitoral brasileiro, pondo sob suspeita a contagem de votos pelo Tribunal Superior Eleitoral, em clara demonstração de generalizado inconformismo que nega até mesmo a validade da sua eleição, em 2018.

Se referindo à corrupção, o presidente não mencionou nenhum caso especificamente, mas fez questão de reclamar que o "sistema", "pessoas conhecidas" e "setores da imprensa" buscam incriminar o seu governo com "qualquer coisa, qualquer gota d'água, para transformar em uma tsunami".

Ele apenas tentou minimizar a pressão sobre a demissão do ministro da Educação, tendo afirmado que todos os humanos erram e merecem uma segunda chance.

O presidente declarou que "Todos sabem como nos portamos, três anos e três meses em paz nessas questões (de corrupção). Se aparecer (corrupção no governo), nós colaboraremos para que os fatos sejam elucidados. Todos nós somos humanos, podemos errar. Quem nunca errou e está nessa plataforma no momento? E podemos ter, e devemos ter uma segunda chance para voltarmos a ser úteis para a sociedade.".

As afirmações do presidente do país, na tentativa de pôr panos quentes nas denúncias reveladas sobre possíveis práticas irregulares no Ministério da Educação, são absolutamente equivocadas, porque ele preferiu se omitir, de forma extremamente inaceitável, diante de fatos alarmantes no seu governo, que exigiam o imediato afastamento do ministro e a precisa apuração, na forma da lei, para a devida avaliação sobre o que realmente teria acontecido com a participação de dois pastores estranhos ao serviço público.

O simples fato de o presidente alegar “Quem nunca errou” já se confirma o seu entendimento de que houve a materialidade de atos irregulares e isso seria mais do que suficiente para a adoção de medidas saneadoras da sua competência, mas a sua insensibilidade para a administração da coisa pública, o aconselhou a apenas contemporizar as denúncias, em se tratando que o erro é humano, evidentemente no entendimento dele, conquanto isso somente conspira contra o seu governo.    

Entrementes, o certo é que o presidente do país se antecipou aos demais candidatos e foi o primeiro a lançar a sua candidatura à reeleição, mostrando, nos termos do seu discurso, muita disposição para travar a que será a mais renhida disputa eleitoral de todos os tempos, diante do quadro muito propício para o lançamento de torpedos entre os principais candidatos já definidos por ele, como sendo um do “bem” e o outro do “mal”.

Quem viver, verá que o presidente deverá partir para cima do seu principal adversário, com unhas e dentes, principalmente para tentar mostrar que ele tem sido grande defensor dos princípios da ética e da moralidade na gestão pública.

Pois bem, nesse ponto, o presidente do país certamente terá enormes dificuldades para definir exatamente a interpretação dele para o importante princípio da moralidade, quando ele se elege o candidato do bem, que naturalmente tem como sentimento o que ele entende que seja algo efetivamente do bem, cujo verbete significa um conjunto ações benéficas capazes do reconhecimento e da aprovação da sociedade como somente práticas saudáveis, será isso o que ele quis dizer?

Vejam que, como estratégia vencedora, na campanha de 2018, o presidente do país foi brilhante, ao conseguir seguir religiosamente a melhor cartilha elaborada para disseminar o sentido definido da ética e da moralização dos atos públicos, tanto que muitos eleitores decidiram votar nele, em razão disso, e isso é pura verdade.

Ou seja, ele mostrava aos eleitores que seria o paladino das mudanças necessárias na administração pública, dando o melhor exemplo das práticas político-administrativas sob o enaltecimento da ética e da moralidade, a tanto colocadas à margem pelos governos anteriores.

Não obstante, a firmeza dessa expressiva ideia começou a se derreter quando ele percebeu que poderia perder o cargo, por meio de processo de impeachment, diante da sua fragilidade de apoio político no Congresso Nacional.

Diante disso, mais do que imediatamente, o presidente do país providenciou a sua magistral atração do pior grupo político para junto do seio do seu governo, de modo a propiciar, em troca, cargos importantes e liberação de emendas parlamentares, tudo em consonância com as mesmas práticas inescrupulosas próprias do desmoralizado e indecente sistema fisiológico conhecido como o toma lá, dá cá, tendo como propósito a garantia da continuidade do seu mandato.

Esse processo de visível depravação moral, que tanto era criticado pelo presidente do país, na sua campanha eleitoral, caracteriza, sem dúvida, verdadeira prostituição do seu governo, que foi ainda mais intensificada, porque o Centrão conseguiu, pasmem, ter maior controle das ações político-administrativas, por passar a ser o verdadeiro dono da chave do Tesouro Nacional, uma vez que o seu grupo comanda o Orçamento da União, além de ter criado o famigerado e recriminável “orçamento secreto”, que formaliza e integra toda forma de mediocridade administrativa, absolutamente inovadora, porque ela inexistia nos piores governos da história do Brasil.

Para selar o sentimento de puro sangue de integrante do Centrão, o presidente do país ainda se dignou a se filiar ao principal partido que dá sustentação a esse deplorável e abominável grupo político, o que significa que poderá ser ampliada a margem de dominação político-administrativa no governo desse desprezível grupo político, que é certamente algo que não condiz com o “bem” de uma nação, salvo para mentes poluídas que imaginam que bem é o sentimento que satisfaz apenas as suas metas e os seus objetivos políticos de poder.

Ainda sob a invocação do bem, em boa e apropriado momento da lançadura da candidatura à reeleição, convém que se remonte, agora, a desgraça que se abateu sobre os brasileiros, com a incidência da terrível pandemia do novo coronavírus, cujo rastro de mortalidade vai muito além de 650 mil pessoas.

Com absoluta certeza, se o combate a essa tragédia tivesse sido feito por meio de medidas muito mais relacionadas ao “bem”, essa dramática quantidade de mortes jamais teria atingido patamar tão exagerado, na compreensão de que o sentimento da sensatez teria prevalecido sobre o negativismo, com acenos de medidas administrativas apenas de cunho humanitário, em que a vida dos brasileiros teriam merecido tratamento prioritário, em especial partindo da principal autoridade da nação, que se mostrou contrária às comezinhas orientações de natureza profilática e sanitária, conforme confirmam os fatos.

Certamente que o governo do “bem” teria competência para ter sob o seu comando a melhor equipe de especialistas em saúde pública e sanitarismo, de modo que o principal órgão incumbido do combate à pandemia fosse comandado não apenas por estrategista de suprimento militar, mas sim por especialista da melhor competência e domínio sobre as questões inerentes à saúde pública, que também poderia ter criado comissão estratégica de governo, composta por gente de altíssimo nível de especialização e entendimento em sanitarismo, para atuar em âmbito nacional, evidentemente tendo a participação de pessoas igualmente competentes dos estados da federação.

O certo mesmo é que o governo considerado do “bem” poderia ter aproveitado a precariedade e as mazelas da pandemia para mostrar competência e responsabilidade em que tudo que estivesse sob a sua incumbência constitucional, que é cuidar, da melhor maneira possível, da vida dos brasileiros.

A verdade é que houve vacilo e negligência na compra das vacinas, que contribuiu para o atraso da vacinação em quase um mês, cuja incompetência resultou certamente em milhares de mortes, além da disseminação de atitudes negacionistas que somente demonstravam desprezo a vida humana.

É evidente que mesmo sendo contrário às medidas sanitaristas, a principal autoridade do país poderia ter sido verdadeiro agente do “bem” se tivesse demonstrado empenho no combate à pandemia, ao contrário de ter sido ferrenho crítico do isolamento social, do uso de máscaras, além de discordar das vacinas, que sequer se dignou a ser vacinado, como demonstração inequívoca do seu desprezo à imunização.

É terrível ser preciso levantar fatos que realmente aconteceram no governo, mas que são simplesmente esquecidos, como se seus malefícios fossem normais, quando não são, diante dos prejuízos resultantes à sociedade.

Convém lembrar que o bem não comunga com nada que seja contrário aos princípios do bom senso e da racionalidade, porque o seu princípio é o de somente se harmonizar com as verdadeiras práticas necessárias à satisfação das necessidades da sociedade, inclusive no que diz respeito, em especial, à excelência dos cuidados da saúde pública, que foi extremamente prejudicada por atos de negligência, conforme mostram os fatos.          

Acredita-se que o presidente do país poderá ser severamente desacreditado, na campanha eleitoral da reeleição, se ele sequer fizer menção a sentimentos de moralidade e sensibilidade humana, diante das suas nada exemplares atitudes de confissão de amor ao Centrão, que é o símbolo do fisiologismo e ele não tem como despistar esse terrível fato, porque o seu nome estará vinculado ao número do partido que o integra, e de negacionismo à existência do coronavírus, quando faltaram medidas abrangentes ao seu efetivo e eficiente combate, à vista do resultado da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19, realizada no Senado Federal.

Enfim, o presidente da República pode até ter razão em invocar o adjetivo do mal para o seu principal adversário político, por ele ter forte ligação com os escândalos de corrupção retratados no mensalão e no petrolão, fato que realmente tem muito peso na decisão para se escolher o ideal presidente do Brasil, mas o bom senso aconselha que ele não terá facilidade para se considerar o candidato do bem, diante de reprováveis exemplos no seu governo, conforme os fatos indicados acima.

Brasília, em 28 de março de 2022

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