A Advocacia Geral da União decidiu
construir estratégia visando à derrubada da decisão do Supremo Tribunal Federal
que suspendeu o aplicativo de mensagens Telegram, no Brasil, que tem sido um
dos principais canais utilizados pelo presidente da República e seus aliados.
O órgão solicita que o Supremo
determine que as penalidades previstas no Marco Civil da Internet – norma que
fundamentou a decisão de suspensão – não podem ser impostas por inobservância
de ordem judicial – como ocorreu no caso do aplicativo russo.
A
AGU argumenta, como principal fundamento que as sanções previstas no Marco
Civil da Internet são de natureza administrativa e não poderiam ser aplicadas
em âmbito judicial, tendo sustentado que as penalidades de “suspensão
temporária das atividades e proibição de exercício das atividades”,
previstas na lei, estão ligadas às infrações dos deveres de “garantir
respeito aos direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo
das comunicações privadas e dos registros”.
A
advocacia sustenta ainda que “Daí porque sanções podem ser aplicadas a
provedores de conexão ou aplicações de internet (como o Telegram e o Whatsapp)
se eles não respeitarem o sigilo das comunicações, se fizerem uso indevido dos
dados pessoais, mas não (pelo menos com fundamento no Marco Civil da Internet)
por descumprirem uma ordem judicial”.
Com
relação à decisão de suspensão do Telegram, a AGU argumentou que “eventual
conduta antijurídica, que se imputa a investigados pela corte máxima, não pode
reverberar automática e indistintamente em banimento de todos os demais
usuários do serviço que se pretende suspender, sob pena de claros prejuízos”.
Por
último, aquela advocacia alega que “Os consumidores/usuários de serviços de
aplicativos de mensagens não podem experimentar efeitos negativos em
procedimento do qual não foram partes. Pensar diferente, a um só tempo,
ofenderia o devido processo legal, com antijurídica repercussão do comando
judicial em face de terceiros, além de ofender, ao mesmo tempo, o princípio da
individualização da pena. In casu, pois, inequívoca a desproporcionalidade da
medida que, para alcançar poucos investigados, prejudica todos os milhões de
usuários do serviço de mensagens”.
A
decisão que suspendeu o Telegram atendeu pedido, segundo o ministro, formulado
pela Polícia Federal, em razão da reiteração do descumprimento, pela plataforma,
de decisões judiciais, além da dificuldade de comunicação com a empresa, que
não tem representante no Brasil.
O
ministro ressalta que o Telegram não atendeu
aos comandos de decisões do Supremo, em evidente demonstração, segundo ele, de “total
desprezo à Justiça brasileira”, cujo desrespeito “é circunstância
completamente incompatível com a ordem constitucional vigente’, fato este
que contraria o Marco Legal da Internet, que todas as plataformas são obrigadas
a observarem, sob pena de sanção, como a de suspensão, na forma estabelecida pela
corte.
O
aplicativo ignorou determinações tanto do Supremo como do Ministério Público
Federal, da Polícia Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, sendo que este desenvolve
uma série de estratégias para combater a desinformação nas eleições deste ano.
Na ação apresentada ao Supremo, a AGU pediu ao Supremo que
fixe entendimento sobre disposição específica do Marco Civil da Internet, usado
como base para esta última decisão.
O trecho estabelece sanções para aplicativos que não atenderem
às determinações judiciais quanto à disponibilização de conteúdos de usuários,
entre as quais se insere a que possibilita a suspensão das atividades da
plataforma.
Em síntese, o pedido em referência tem como argumentação essencial
a tentativa de mostrar que o Marco Civil da Internet não pode ser aplicado para
bloquear aplicativos que não cumprem as ordens judiciais, que a legislação só
pode ser aplicada após processo administrativo e não no âmbito judicial e que o
procedimento que gerou o bloqueio do Telegram se refere a pessoas específicas,
que não poderia ter reflexo sobre outros usuários do aplicativo, por não terem relação
com o caso.
Não há a menor dúvida de que milhões de usuários da
internet foram prejudicados em razão da suspensão do Telegram, quando somente
há o envolvimento de poucos casos considerados irregulares, o que poderia se
sugerir a aplicação de medidas alternativas, sem interferência no direito dos
demais usuários, que realmente não cometeram qualquer infração e, por isso, não
poderiam ser igualmente punidos junto com os pecadores.
Ocorre que a questão é bastante complexa, porque o que está
em jogo também é, em especial, a regularidade de funcionamento da plataforma no
país, que sequer tem representação no Brasil e a lei de regência exige a obrigatoriedade
dessa medida, tal como fazem normalmente as demais empresas provedoras de
serviços similares.
Agora, em se tratando de decisão judicial que não diz
absolutamente nada com os interesses diretos do governo, por se tratar de interpretação
sobre dispositivo referente ao Marco Civil da Internet, com relação à prestação
de serviços de ordem social, é totalmente descabida e despropositada a
interferência dele nesse caso, em especial porque não se trata de plataforma de
uso oficial do Estado.
Nesse caso, não cabe a presença do governo, precisamente
por falta de amparo legal, posto que qualquer questionamento ou interferência por
parte dele é totalmente indevida, por falta de motivação legal, o que se
recomendaria o direcionamento das suas preocupações para tratativas de importantes
questões relacionadas com as políticas específicas da sua alçada.
A toda evidência, se o Supremo quiser, pode até alegar
exatamente ausência de competência legal para nem apreciar o pedido da AGU, que
nem chega a ser deselegante, conquanto o caso pende da regularização da empresa
no país e de cumprimento de decisões judiciais por parte do Telegram, que tem
estrondoso uso dos seus serviços no Brasil, mas se trata, em princípio, de
plataforma completamente clandestina, não tendo a quem se dirigir, no caso da
necessidade de comunicação, tanto no interesse da administração como dos
usuários, diferentemente de outras plataformas similares, que cumprem fielmente
a legislação aplicável à espécie.
A verdade é que, com o mesmo pensamento nefasto das
principais autoridades contrárias à regularização do funcionamento do Telegram,
no Brasil, as pessoas somente enxergam os seus interesses, mas convém, sobretudo,
se atentar para o que foi afirmado pela Polícia Federal sobre essa plataforma.
Esse importante órgão de governo disse que o Telegram “é
notoriamente conhecido por sua postura de não cooperar com autoridades judiciais
e policiais de diversos países, inclusive colocando essa atitude não
colaborativa como uma vantagem em relação a outros aplicativos de comunicação,
o que o torna um terreno livre para proliferação de diversos conteúdos, inclusive
com repercussão na área criminal.”.
Em termos de responsabilidade cívica e seriedade
administrativa, as informações da lavra da Polícia Federal são da maior
importância para quem tem compromisso público de fidelidade aos princípios de
conduta, mas o governo simplesmente é o primeiro a contrariá-los, vindo, mais
do que imediatamente, a bater as portas do Supremo, em defesa da continuidade
da esculhambação e da desorganização, em termos do descumprimento da legislação
brasileira.
À toda evidência, o governo comente grosseira trabalhada,
com o misto da sua peculiar e notória incompetência, ao se imiscuir em assunto
que, em absoluto, não é do interesse dele, uma vez que os proprietários do
aplicativo precisam atender à Justiça Brasileira, com vistas ao saneamento das
questões irregulares.
É mais do que deplorável que o governo se preste a atuar em
cenário onde, claramente, não lhe diz respeito e a sua participação nessa
questão somente conspira a favor de interesses visivelmente estranhos à sua finalidade
de defesa exclusivamente do Estado.
Se o Brasil primasse pela regularidade dos procedimentos,
tendo o devido cuidado de zelar pelo fiel cumprimento da legislação pátria, nesse
caso, o governo deveria ser o primeiro a apoiar em abono às determinações do
Supremo, mesmo que tenha havido prejuízo para os usuários inocentes, mas a
medida visa exatamente permitir que o Telegram passe a cumprir a legislação pertinente
ao seu funcionamento no país, bem assim as decisões judiciais que foram
ignoradas por ele
Essa cristalina barbaridade praticada pelo governo é algo
que certamente não ocorre nos países sérios e evoluídos, principalmente naqueles
que primam pela seriedade e normalidade quanto ao funcionamento das empresas
estrangeiras, inclusive de comunicações, que precisam sim cumprir fielmente a legislação
brasileira, em especial, no caso, das decisões judiciais e a indicação do seu representante
legal, para fins dos necessários contatos tanto dos usuários como dos órgãos de
controle e fiscalização.
Enfim, espera-se que essa desagradável situação seja saneada
da melhor maneira e o mais rapidamente possíveis, de modo que os interesses e os
direitos constitucionais dos brasileiros e poderes constituídos sejam devidamente
preservados, como forma do necessário atendimento ao bem comum, sobretudo em
harmonia com a legislação brasileira.
Brasília,
em 20 de março de 2022
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