quinta-feira, 24 de março de 2022

Tremor à legitimidade?

 

O presidente da República, fazendo alusão a Deus, disse que o governo dele não tem escândalos de corrupção, a despeito das denúncias veiculadas pelo jornal Folha de S.Paulo, tendo por base conversas constantes de áudio, em que o ministro da Educação afirma que prioriza prefeituras cujos pedidos de liberação de verba foram negociados por dois pastores.

O presidente do país afirmou: "Quero dizer da satisfação e do orgulho, da missão dada por Deus, de estar à frente do Executivo federal, buscando atender a todos os brasileiros, zelando pelo dinheiro público. Estamos há três anos e três meses sem corrupção no governo federal".

A propósito desse assunto, o ministro da Educação afirmou, em nota, que “o presidente do país não teria pedido para que os pleitos dos pastores fossem atendidos, mas somente que todos os indicados por eles fossem atendidos, tendo recomendado que não houvesse atendimento preferencial a ninguém.”.

Segundo o citado jornal, os mencionados pastores têm, ao menos desde janeiro de 2021, negociado com prefeituras a liberação de recursos federais para obras de creches, escolas, quadras ou para compra de equipamentos de tecnologia.

Embora o presidente do país garanta que tem sido implacável no combate à corrupção, isso, na prática, não é exatamente como ele afirma, uma vez que, confrontado com suspeitas de desvio de conduta ética no seu governo, envolvendo aliados, amigos e familiares, o mandatário não toma nenhuma providência enérgica a respeito às denúncias, preferindo apenas criticar a imprensa, o Ministério Público, o Judiciário ou a oposição, enquanto os suspeitos ficam intocáveis e são mantidos nos cargos, como agora, no caso do ministro da Educação.

O proceder do presidente do país parece sintomático, porque, em novembro de 2018, após ter sido eleito, ele afirmou que ministros alvo de acusações contundentes deveriam deixar o governo, mas, na prática, como visto, nada disso tem acontecido, dando a entender que as denúncias são irrelevantes, mesmo se realmente sejam, mas é dever legal da autoridade pública determinar as devidas apurações, até mesmo para se confirmar a regularidade dos atos colocados sob suspeitas.

Há antecedentes dessa assertiva, em que ministro então Turismo, por exemplo, continuou normalmente no governo, mesmo após ter sido indiciado pela Polícia Federal e denunciado pelo Ministério Público de Minas sob acusação de envolvimento no caso das candidaturas laranjas do PSL.

No cargo, o presidente do país contesta, quando deveria exigir o contrário, ações de órgãos de controle para investigar seu núcleo familiar, como, por exemplo, os casos dos filhos, sendo o senador, que é investigado por seu envolvimento em esquema de "rachadinhas", na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, e o vereador, que é suspeito de abrigar funcionários fantasmas na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

O presidente não fez absolutamente nada para evitar o encerramento da Operação Lava-Jato, pelo procurador-geral da República, indicado por ele, embora, na campanha eleitoral, ele se ocupava em defendê-la e enaltecer os salutares princípios moralizantes.

No campo político, para evitar a abertura de processo de impeachment, o presidente do país procurou ampliar a sua base aliada, só que por meio da antes contestada política do toma lá, dá cá, com a entrega do governo, envolvendo  cargos e recursos para parlamentares aliados do governo, em especial ao famigerado Centrão, especialista em práticas fisiologistas, mas isso foi só o começo, porque ele emburrou de vez o pé na jaca, com a sua filiação ao principal partido desse sujo bloco político.

Em plena crise da Covid, houve as suspeitas de corrupção no contrato bilionário entre o Ministério da Saúde e a empresa Precisa Medicamentos, sendo destaque na nova fase da CPI da Covid do Senado Federal, que pediu o aprofundamento de investigação do presidente, por crimes contra a humanidade, prevaricação e charlatanismo.

A revelação de irregularidades em compra da Covaxin, no valor de R$ 1,61 bilhão, imunizante mais caro dentre os adquiridos pelo Ministério da Saúde, colocou o governo na berlinda, porque veio à tona ainda a existência de verdadeiro balcão paralelo de vacinas no então militarizado ministério.

Como se vê, na maioria desses casos, não houve a menor preocupação do presidente do país em determinar sequer apurar as denúncias, com vistas à verificação sobre a veracidade dos fatos e à prestação de contas à sociedade, mas a sua confiança no governo sem corrupção é tão grande que ele prefere assumir os impactos da impopularidade, por nada fazer, e tocar o barco mar afora, por conta e risco dele.

     Agora, nesse novo caso, denunciado no MEC, o Palácio do Planalto procura pôr panos quentes na fervura, certamente na presunção de que a saída do ministro seja desastrosa, porque há o temor de que ele possa sair, ressentido, "atirando" em direção ao presidente do país, uma vez que há conversa no vídeo onde o titular da pasta afirmou, em reunião com prefeitos, que “repassa verbas para municípios indicados por dois pastores, a pedido do presidente Jair Bolsonaro.”.

Posteriormente, em nota, o ministro da Educação esclarece que o presidente do país não teria pedido atendimento preferencial, tendo também negado favorecimento aos pastores amigos dele.

Na verdade, o presidente procura manter o tom otimista, dizendo que não tem corrupção no governo, enquanto o silêncio dos aliados do governo no Congresso Nacional é forte indicativo da gravidade da situação em causa.

O certo é que fica muito difícil de se negar o ocorrido com a participação dos pastores presepeiros, porque o áudio existe e é claro o seu conteúdo, além das declarações de prefeitos afirmando que eles cobravam propina, até em ouro, que é prática mais do que condenável e ainda mais em governo que, mesmo diante dos fatos suspeitos, ainda se atreve a afirmar que não tem corrupção.  

O certo é que há muito mais probabilidade de que tenha havido realmente corrupção no governo ou mais especificamente no Ministério da Educação, do que não ter havido.

Não obstante, o presidente do país teme, tremendo de medo, em adotar medidas saneadoras, como a apuração das denúncias e o afastamento do ministro, porque é exatamente assim que governo decente e sério deve e precisa proceder, em casos que tais, mas nada disso vai acontecer porque ele acredita que o ex-assessor, poderá se considerar abandonado, simplesmente vai dizer que tudo era verdade e ele apenas cumpria ordens superiores, permitindo a farra de pessoas estranhas ao serviço público, que ficavam influenciando na liberação de recursos públicos e de maneira continuada.

O certo é que o presidente da República se tornou refém dele mesmo, diante da sua fraqueza gerencial, de imaginar que nunca seria flagrado o exercício ilegal de lobistas no Ministério da Educação, devidamente autorizado por ele, salvo se provado em contrário, o que somente seria possível por meio de investigação, que também é algo que não consta da cartilha presidencial, conforme mostram os fatos.

Convém que os brasileiros se conscientizem sobre a intransigente necessidade de apurações sobre os fatos denunciados como irregulares, no governo, exigindo que o presidente da República determine a adoção das medidas saneadoras pertinentes, exatamente em consonância com o ordenamento jurídico do país, em especial diante das exigências constitucionais da transparência e da prestação  de contas à sociedade sobre os atos da administração.

Brasília, em 24 de março de 2022

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