A Presidência da República informou ao Supremo Tribunal
Federal, em resposta a pedido deste, que a viagem do vereador filho do mandatário
do país não gerou custos para os cofres do governo federal, embora ele tenha participado
da comitiva presidencial que viajou à Rússia, em fevereiro último.
O governo declarou que não há ato do presidente do país
relacionado à viagem que deva ser investigado, uma vez que “todas as
manifestações e atitudes do presidente da República se pautaram em critérios
éticos e legais regulares”.
Não obstante, o governo federal deixou de esclarecer a origem
do dinheiro que pagou as despesas de transporte, hospedagem e consumo referentes
ao filho do presidente, mas ele integrava regularmente a comitiva presidencial.
A Presidência da República também deixou de informar a real
função desempenhada pelo filho do presidente do país, embora o Supremo tenha
formulado pedido nesse sentido.
As informações requisitadas à Presidência da República vão servir
de subsídio
à investigação sobre a estranha viagem do filho do presidente à Rússia, na referida
comitiva, em se tratando que o objetivo principal da visita se referia à importação
de fertilizantes, que parece não ser a especialização do herdeiro presidencial,
salvo melhor juízo.
As informações prestadas ao Supremo pela Secretaria Geral
da Presidência da República esclarecem que o Ministério das Relações Exteriores
"não pagou qualquer valor a título de diárias ao vereador Carlos Nantes
Bolsonaro por conta da referida visita oficial e tampouco há registros de
despesas neste Ministério relacionadas a sua participação na comitiva oficial
do senhor presidente da República”.
A referida Secretaria disse, como opinião de juízo, que “inexiste
a ocorrência de ato ilícito administrativo na organização da Comitiva
Presidencial”, tendo afirmado, em sustentação absolutamente desnecessária,
uma vez que a avaliação sobre o caso é da incumbência legal do Supremo, que não
há o que se investigar no caso, por considerar que o pedido de apuração feito
por um senador é político e não tem base jurídica, por entender que ele não apresenta
indícios de crimes.
A Presidência da República ainda informou, sem que tivesse
sido perquirido sobre isso, que “Devemos sustentar o óbvio e dizer que a
justa causa deve ser apurada a partir de uma relação Penal. Por isso,
entende-se que jamais se poderá fundamentar investigações de natureza política
ou cível no corpo de um inquérito acusatório, pois, tais instâncias têm campos
especiais de apuração garantidos pela Constituição”.
Por fim, o governo defende que tanto a agenda oficial
quanto a escalação da comitiva presidencial – que acompanha o presidente da
República, nos atos de representação internacional – são atos que se revestem
de característica política.
A referida informação é pura verdade, mas nem, por isso, os
aludidos atos são imunes ao controle e à fiscalização, na forma da lei,
justamente para se verificar a sua regularidade, uma vez que os atos administrativos
precisam se compatibilizar com o regramento jurídico, ou seja, mesmo que os atos
do governo sejam de natureza política, eles precisam passar pelo crivo da
regularidade, não bastando somente a simples alegação sobre a sua forma de caracterização.
À toda evidência, pode até não ser nada estranho que o
filho do presidente participe da comitiva presidencial, deste que haja
justificativa para tanto, mas causa enorme perplexidade que o órgão da relevância
da Presidência da República não se digne informar a verdadeira função dele desempenhada
na viagem e mais absurdamente quem teria custeado as despesas de hospedagem, alimentação,
transporte etc., uma vez que o governo disse que não fez nenhum dispêndio nesse
sentido, dando a entender que algo absurdo existe nesse procedimento, no
sentido de se querer esconder a verdade a quem de direito.
É da gênese da administração pública, por se tratar de
exigência constitucional, que diz com a obrigatoriedade da transparência dos
atos de gestão, fato que suscita cisma a informação lacunosa da Presidência da
República, quando ainda procura censurar o legítimo pedido de informação pertinente
à determinada despesa pública, em se tratando de comitiva presidencial, onde houve
a participação de integrante suspeito sim, até que se prove em contrário.
Qual a dificuldade para se informar, com a devida precisão,
a origem do dinheiro para o pagamento das despesas questionadas e a agenda
atribuída ao integrante da comitiva presidencial, quando não existe nada
sigiloso previamente assim classificado para a viagem?
Nesse caso, o próprio governo procura dificultar a melhor interpretação
para a inserção de convidado especial na comitiva, uma vez que ele não faz parte
do gabinete presidencial, para integrá-la, como membro oficial, salvo se o seu
trabalho tenha sido tão importante para tal que não possa ser divulgado, mas a informação
sobre a despesa, esta não pode ser negada, por ser forma regular de prestação de
contas inerente aos gastos públicos.
Enfim, a falta de informação da competência legal do governo
não é bom sinal, porque mostra injustificável má vontade sobre ato de gestão,
não importando exatamente o que ele pretende esconder para a população, uma vez
que o princípio da transparência tem precisamente a objetividade da prestação de
contas do gestor público à sociedade, que é legalmente obrigada a manter em
funcionamento a máquina pública, embora muitos mandatários imaginem que ela é
um brinquedo que pertence a eles, que podem até negar informações aos órgãos de
controle e fiscalização.
O atual governo se especializou em criticar o Supremo por
entender que ele interfere na sua gestão, o que até pode ter algum fundo de
verdade, mas isso não justifica que a Presidência da República possa entender
normal a negação de informações necessárias à instrução de investigações de
competência jurisdicional da corte.
O certo é que o governo não encontra amparo legal nem
justificativa plausível para as suas deliberadas omissões, posto que, por força
de norma constitucional, o presidente da República é obrigado a prestar as informações
que lhe forem solicitadas, salvo em caso devidamente comprovado da necessidade sobre
a proteção de sigilo, com respaldo em legislação especial, sob a alegada implicação
na segurança nacional, o que, certamente, não é o caso vertente.
Quando o governo se dispõe a esconder a verdade, como o faz
agora, nesse caso questionável ocorrido na comitiva presidencial, ele simplesmente
conspira contra si, ao fomentar a ideia sobre a existência do gabinete do ódio no
Palacio do Planalto, que seria comandado justamente por seu filho, o agora cognominado
de “Rasputin do Planalto”, que é o pivô desse mais novo escândalo palaciano,
completamente desnecessário, caso fossem informadas as questões suscitadas pelo
Supremo.
A verdade é que a deliberada falta dessas informações
compromete seriamente a transparência do governo, uma vez que essa forma de
procedimento condiz mais especificamente com regimes totalitários, que agem às
escondidas, no entendimento de que a sociedade não tem direito de conhecer os
seus atos.
Enfim, o governo federal perde excelente oportunidade para
mostrar a legitimidade de seus atos, porque isso apenas se insere no protocolo
do seu dever institucional de prestação de contas à sociedade, na forma da
exigência legal e constitucional.
Diante do exposto, estranha-se que o governo federal tente
dificultar o exercício jurisdicional do poder Judiciário, que tem competência
constitucional para fiscalizar quanto à legitimidade dos atos do poder público,
inclusive do chefe do Executivo, em especial quando há o envolvimento de
despesas públicas.
Brasília,
em 15 de março de 2022
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