terça-feira, 15 de março de 2022

Rasputin do Planalto?

 

A Presidência da República informou ao Supremo Tribunal Federal, em resposta a pedido deste, que a viagem do vereador filho do mandatário do país não gerou custos para os cofres do governo federal, embora ele tenha participado da comitiva presidencial que viajou à Rússia, em fevereiro último.

O governo declarou que não há ato do presidente do país relacionado à viagem que deva ser investigado, uma vez que “todas as manifestações e atitudes do presidente da República se pautaram em critérios éticos e legais regulares”.

Não obstante, o governo federal deixou de esclarecer a origem do dinheiro que pagou as despesas de transporte, hospedagem e consumo referentes ao filho do presidente, mas ele integrava regularmente a comitiva presidencial.

A Presidência da República também deixou de informar a real função desempenhada pelo filho do presidente do país, embora o Supremo tenha formulado pedido nesse sentido.

As informações requisitadas à Presidência da República vão servir de subsídio à investigação sobre a estranha viagem do filho do presidente à Rússia, na referida comitiva, em se tratando que o objetivo principal da visita se referia à importação de fertilizantes, que parece não ser a especialização do herdeiro presidencial, salvo melhor juízo.

As informações prestadas ao Supremo pela Secretaria Geral da Presidência da República esclarecem que o Ministério das Relações Exteriores "não pagou qualquer valor a título de diárias ao vereador Carlos Nantes Bolsonaro por conta da referida visita oficial e tampouco há registros de despesas neste Ministério relacionadas a sua participação na comitiva oficial do senhor presidente da República”.

A referida Secretaria disse, como opinião de juízo, que “inexiste a ocorrência de ato ilícito administrativo na organização da Comitiva Presidencial”, tendo afirmado, em sustentação absolutamente desnecessária, uma vez que a avaliação sobre o caso é da incumbência legal do Supremo, que não há o que se investigar no caso, por considerar que o pedido de apuração feito por um senador é político e não tem base jurídica, por entender que ele não apresenta indícios de crimes.

A Presidência da República ainda informou, sem que tivesse sido perquirido sobre isso, que “Devemos sustentar o óbvio e dizer que a justa causa deve ser apurada a partir de uma relação Penal. Por isso, entende-se que jamais se poderá fundamentar investigações de natureza política ou cível no corpo de um inquérito acusatório, pois, tais instâncias têm campos especiais de apuração garantidos pela Constituição”.

Por fim, o governo defende que tanto a agenda oficial quanto a escalação da comitiva presidencial – que acompanha o presidente da República, nos atos de representação internacional – são atos que se revestem de característica política.

A referida informação é pura verdade, mas nem, por isso, os aludidos atos são imunes ao controle e à fiscalização, na forma da lei, justamente para se verificar a sua regularidade, uma vez que os atos administrativos precisam se compatibilizar com o regramento jurídico, ou seja, mesmo que os atos do governo sejam de natureza política, eles precisam passar pelo crivo da regularidade, não bastando somente a simples alegação sobre a sua forma de caracterização.

À toda evidência, pode até não ser nada estranho que o filho do presidente participe da comitiva presidencial, deste que haja justificativa para tanto, mas causa enorme perplexidade que o órgão da relevância da Presidência da República não se digne informar a verdadeira função dele desempenhada na viagem e mais absurdamente quem teria custeado as despesas de hospedagem, alimentação, transporte etc., uma vez que o governo disse que não fez nenhum dispêndio nesse sentido, dando a entender que algo absurdo existe nesse procedimento, no sentido de se querer esconder a verdade a quem de direito.

É da gênese da administração pública, por se tratar de exigência constitucional, que diz com a obrigatoriedade da transparência dos atos de gestão, fato que suscita cisma a informação lacunosa da Presidência da República, quando ainda procura censurar o legítimo pedido de informação pertinente à determinada despesa pública, em se tratando de comitiva presidencial, onde houve a participação de integrante suspeito sim, até que se prove em contrário.

Qual a dificuldade para se informar, com a devida precisão, a origem do dinheiro para o pagamento das despesas questionadas e a agenda atribuída ao integrante da comitiva presidencial, quando não existe nada sigiloso previamente assim classificado para a viagem?

Nesse caso, o próprio governo procura dificultar a melhor interpretação para a inserção de convidado especial na comitiva, uma vez que ele não faz parte do gabinete presidencial, para integrá-la, como membro oficial, salvo se o seu trabalho tenha sido tão importante para tal que não possa ser divulgado, mas a informação sobre a despesa, esta não pode ser negada, por ser forma regular de prestação de contas inerente aos gastos públicos.

Enfim, a falta de informação da competência legal do governo não é bom sinal, porque mostra injustificável má vontade sobre ato de gestão, não importando exatamente o que ele pretende esconder para a população, uma vez que o princípio da transparência tem precisamente a objetividade da prestação de contas do gestor público à sociedade, que é legalmente obrigada a manter em funcionamento a máquina pública, embora muitos mandatários imaginem que ela é um brinquedo que pertence a eles, que podem até negar informações aos órgãos de controle e fiscalização.

O atual governo se especializou em criticar o Supremo por entender que ele interfere na sua gestão, o que até pode ter algum fundo de verdade, mas isso não justifica que a Presidência da República possa entender normal a negação de informações necessárias à instrução de investigações de competência jurisdicional da corte.

O certo é que o governo não encontra amparo legal nem justificativa plausível para as suas deliberadas omissões, posto que, por força de norma constitucional, o presidente da República é obrigado a prestar as informações que lhe forem solicitadas, salvo em caso devidamente comprovado da necessidade sobre a proteção de sigilo, com respaldo em legislação especial, sob a alegada implicação na segurança nacional, o que, certamente, não é o caso vertente.

Quando o governo se dispõe a esconder a verdade, como o faz agora, nesse caso questionável ocorrido na comitiva presidencial, ele simplesmente conspira contra si, ao fomentar a ideia sobre a existência do gabinete do ódio no Palacio do Planalto, que seria comandado justamente por seu filho, o agora cognominado de “Rasputin do Planalto”, que é o pivô desse mais novo escândalo palaciano, completamente desnecessário, caso fossem informadas as questões suscitadas pelo Supremo.

A verdade é que a deliberada falta dessas informações compromete seriamente a transparência do governo, uma vez que essa forma de procedimento condiz mais especificamente com regimes totalitários, que agem às escondidas, no entendimento de que a sociedade não tem direito de conhecer os seus atos.

Enfim, o governo federal perde excelente oportunidade para mostrar a legitimidade de seus atos, porque isso apenas se insere no protocolo do seu dever institucional de prestação de contas à sociedade, na forma da exigência legal e constitucional.   

Diante do exposto, estranha-se que o governo federal tente dificultar o exercício jurisdicional do poder Judiciário, que tem competência constitucional para fiscalizar quanto à legitimidade dos atos do poder público, inclusive do chefe do Executivo, em especial quando há o envolvimento de despesas públicas.    

Brasília, em 15 de março de 2022

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