sábado, 19 de março de 2022

O bloqueio do Telegram

 

Um ministro do Supremo Tribunal Federal determinou, a pedido da Polícia Federal, o bloqueio do aplicativo Telegram, no Brasil, de modo que os provedores de internet e as plataformas digitais ficam obrigados a “inviabilizar a utilização do aplicativo”, sob pena de sanção pecuniária.

Noticia-se que a Polícia Federal informou ao Supremo que “o aplicativo Telegram é notoriamente conhecido por sua postura de não cooperar com autoridades judiciais e policiais de diversos países, inclusive colocando essa atitude não colaborativa como uma vantagem em relação a outros aplicativos de comunicação, o que o torna um terreno livre para proliferação de diversos conteúdos, inclusive com repercussão na área criminal”.

Ao que se sabe, a questão com o Telegram vem se arrastando desde alguns meses e se acentuou com a aproximação das eleições presidenciais de outubro vindouro.

Por seu turno, com a finalidade de tentar combater a disseminação de notícias falsas, as conhecidas fakes news, o Tribunal Superior Eleitoral convocou as plataformas e as mídias sociais para fazerem parcerias, mas a Telegram nunca respondeu aos contatos formulados, preferindo ficar à margem do aperfeiçoamento democrático.

Além disso, o Supremo determinou que a Telegram providenciasse a exclusão de três perfis da rede social que divulgavam informações falsas, sem que isso tivesse sido atendido, até o momento, ainda que após quatro tentativas com os gestores das redes sociais, segundo informações prestadas pela Polícia Federal.

Diante desse bloqueio, o presidente da República classificou de "inadmissível" a decisão em apreço, tendo declarado que teria tido conhecimento de “notícia no mínimo triste. A decisão de um ministro de simplesmente banir do Brasil o aplicativo Telegram".

O presidente do pais disse que "É inadmissível uma decisão dessa natureza. Porque não conseguiu atingir duas ou três pessoas que na cabeça dele deveriam ser banidos do Telegram, ele atinge 70 milhões de pessoas".

O mandatário brasileiro ainda afirmou, no alto da sua criativa imaginação, que a aludida medida pode "causar óbitos por falta de um contato paciente-médico", ou seja, essa ilação não faz o menor sentido.

Na decisão, o ministro afirmou que o aplicativo, "em todas essas oportunidades, deixou de atender ao comando judicial, em total desprezo à Justiça Brasileira", fato este que, segundo ele, caracteriza desrespeito às leis brasileiras, por parte do aplicativo, com ferimento à Constituição Federal.

Por seu turno, o fundador do Telegram disse que um problema com o e-mail impediu a plataforma de receber as determinações judiciais brasileiras, tendo ele declarado que, "Em nome de nossa equipe, peço desculpas ao Supremo Tribunal Federal, por nossa negligência. Definitivamente, poderíamos ter feito um trabalho melhor".

Decorrentemente, desde 2021, o presidente do país e seus filhos, ministros e assessores vêm utilizando as plataformas do Telegram para divulgar conteúdo de seus interesses, por considerarem que a rede é "livre de censura" e, por isso, a utilizam para a disseminação de textos e vídeos, muitos dos quais com desinformação que poderia ser barrada em outras plataformas, que cuidam e zelam pelo respeito à disseminação de conteúdos sérios e verdadeiros.

Enfim, por se tratar de decisão que envolve plataforma de prestação de serviços abrangendo a ordem social, sem nenhuma vinculação com o governo, constitui erro crasso do presidente do país ficar opinando ou criticando a decisão judicial que tem por finalidade, em princípio, o aprimoramento do funcionamento dele, em termos de respeito aos princípios legais.

Isso vale dizer, nesse caso, que o mandatário do país confunde os interesses privados com os assuntos do Estado e isso não é bom para a sua imagem, uma vez que ele precisa se esforçar para defender apenas causas de interesse público.   

Impende se esclarecer que, ao que tudo indica, a reversão do bloqueio em causa somente será possível depois do cumprimento de uma série de decisões proferidas pelo Supremo, que foram ignoradas pela plataforma.

Além do bloqueio das contas de um blogueiro bolsonarista, há a determinação para a exclusão de uma publicação do presidente do país, em que ele ataca as urnas eletrônicas com alegações falsas e sem provas quanto às supostas fraudes.

A empresa também precisará pagar as multas fixadas nas respectivas decisões judiciais não cumpridas, além de ser abrigada a indicar representação oficial, no Brasil, em consonância com exigência legal, que é algo que as demais plataformas já fizeram, com relação à normalização da sua sede no país.

É evidente que o presidente do país tem motivos mais do que suficientes para considerar “inadmissível” a decisão em comento, porque os fatos mostram que o seu grupo vem se beneficiando do Telegram para a disseminação de notícias que não seriam aceitas facilmente por outras plataformas, conforme narrativa acima, sobre a falta de zelo à fidelidade à verdade.

Esse fato, em princípio, denota pouco sentimento com os princípios da transparência e da civilidade, porque isso é o mesmo que se dizer que, no Telegram, é possível o emprego do medonho jeitinho brasileiro, que seria dificultado em outros grupos, porque eles primam pela seriedade e isso não é bom para a imagem do governo, que precisa ser o mais transparente possível com os seus atos.

Não tem o menor cabimento o presidente do país sair em defesa do Telegram, quando o assunto que deu origem à decisão do bloqueio, consistente na falta de cumprimento de determinação judicial, cinge-se à incumbência privativa do poder Judiciário, quando ele precisa opinar exclusiva e apenas quando for necessário sobre os assuntos de interesse do Executivo.

Ou seja, o presidente brasileiro perde excelente oportunidade para ficar calado, porque a matéria em causa reforge à sua competência institucional e criticar decisão do Supremo, por mais errada que ela seja, não é de bom tom para o governo, tendo em vista que é preciso que haja respeito à autonomia dos poderes da República, conquanto competem somente às partes envolvidas resolverem as demandas judiciais.

Por sua vez, há pessoas que criticam no sentido de que o Brasil é um dos poucos países que têm o Telegram bloqueado, sem sequer eles atentarem quanto ao porquê da medida, que teria sido em razão de descaso da administração dessa plataforma, ao deixar de cumprir determinações do Supremo e isso é motivo suficiente para a proibição do seu funcionamento no país, exatamente para mostrar a necessidade do respeito à legislação pátria, inclusive às decisões judiciais.

Em se tratando de prestação de serviços de natureza da ordem social, os brasileiros anseiam por que as tratativas empreendidas possam levar à imediata regularização das pendências demandadas, de modo que seja respeitada a legislação que rege o funcionamento da plataforma em questão, em estrita sintonia com os princípios civilizatórios, tão necessários ao bem comum da sociedade.

Brasília, em 19 de março de 2022

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