terça-feira, 17 de setembro de 2013

A contradição do humanista

Em tão pouco tempo, o ministro benjamim do Supremo Tribunal Federal foi abduzido das suas ideias humanitárias, brilhantemente defendidas, no passado, sempre com ardorosas maestrias, se revelando não apenas autêntico constitucionalista, mas também intransigente defensor de a sociedade ter o direito de clamar por justiça, quando estiver sendo subjugado às tiranias e ao arbítrio, intoleráveis na atualidade. Na última reunião do Supremo, um ministro ressaltara a possível reação negativa das ruas a despeito de decisões do Supremo acenando para retrocesso do sistema jurídico, em respeito aos anseios da sociedade por julgamentos justos. O magistrado lamentara que a Corte, que havia sinalizado para “(...) correção de rumos visando um Brasil melhor para nossos bisnetos", mas estaria agora “a um passo de desmerecer a confiança que nos foi confiada". Ele concluiu dizendo que já não tinha esperança de dias melhores para os filhos e netos. Incontinenti, o ministro novato afirmou: “Parece irrelevante a opinião pública, e fico muito feliz quando uma decisão do tribunal constitucional coincide com a opinião pública, mas se o que considero certo não bate com a opinião pública, eu cumpro meu papel. A multidão quer o fim desse julgamento, e eu também. Mas nós não julgamos para a multidão, nós julgamos pessoas. (...) Não estou aqui subordinado à multidão. Não tenho o monopólio da certeza, mas tenho o monopólio íntimo de fazer o que acho certo.” e “(...) Sou um juiz constitucional, me pauto pelo que acho certo ou correto. (...). Se a decisão for contra a opinião pública é porque este é o papel de uma Corte constitucional". As manifestações do novo ministro contrariam, de forma abissal, seu discurso de posse, quando disse que é um "bom símbolo" a juventude e o povo nas ruas cobrando melhorias para o país, tendo definido que o movimento social “como algo positivo. (...) essa manifestação pacífica, energia criativa e construtiva que está vindo das ruas, da sociedade brasileira, certamente fará muito bem a esta população. (...) Os magistrados devem levar em conta as expectativas da sociedade em relação à Justiça. Não há mais espaço para o juiz isolado”. No ato de posse, o ministro reconhece o direito de o povo sair às ruas para pedir o fim da corrupção, que é justamente o objeto em discussão no processo do mensalão, mas, ao dizer que faz o que acha certo, ele despreza, de forma personalista, as manifestações das ruas e a opinião da imprensa, em contraposição à imagem de humanista como ele gostava de ser distinguido, conforme havia escrito, no passado, sobre “a opinião pública”, in verbis: “O poder de juízes e tribunais, como todo poder político em um Estado democrático, é representativo. Vale dizer: é exercido em nome do povo e deve contas à sociedade. (...) O distanciamento em relação ao cidadão comum, à opinião pública e aos meios de comunicação fazia parte da autocompreensão do Judiciário e era tido como virtude. O quadro, hoje, é totalmente diverso. De fato, a legitimidade democrática do Judiciário, sobretudo quando interpreta a Constituição, está associada à sua capacidade de corresponder ao sentimento social. Cortes constitucionais, como os tribunais em geral, não podem prescindir do respeito, da adesão e da aceitação da sociedade. A autoridade para fazer valer a Constituição, como qualquer autoridade que não repouse na força, depende da confiança dos cidadãos. Se os tribunais interpretarem a Constituição em termos que divirjam significativamente do sentimento social, a sociedade encontrará mecanismos de transmitir suas objeções e, no limite, resistirá ao cumprimento da decisão. A relação entre órgãos judiciais e a opinião pública envolve complexidades e sutilezas. De um lado, a atuação dos tribunais, em geral – e no controle de constitucionalidade das leis, em particular –, é reconhecida, de longa data, como um mecanismo relevante de contenção das paixões passageiras da vontade popular. De outra parte, a ingerência do Judiciário, em linha oposta à das maiorias políticas, enfrenta, desde sempre, questionamentos quanto à sua legitimidade democrática. Nesse ambiente, é possível estabelecer uma correlação entre Judiciário e opinião pública e afirmar que, quando haja desencontro de posições, a tendência é no sentido de o Judiciário se alinhar ao sentimento social". Ao que parece, enquanto não havia a sua investidura no cobiçado e majestoso cargo de ministro do STF, o benjamim desta Casa ainda falava e pensava como pobre mortal, imbuído ainda de espírito do homem comum, do cidadão que pensa com consciência da racionalidade pura e despoluída das influências que extrapolam a razão própria do Homo sapiens. Não obstante, em pouco tempo, ele se sentiu bem maior que a vida, por pretender interpretar a alma da Constituição e aplicar a doutrina que se adeque às conveniências do momento. É da praxe, nos tribunais e, de resto, nas demais atividades, que os servidores e profissionais com menor conhecimento de causa somente se atrevam a se impor sobre os mais antigos, por questão de princípios éticos e de sensibilidade profissional, após longa experiência e melhor aprendizagem, como demonstração de humildade e de respeito à instituição e acatamento à cátedra daqueles que militam há mais tempo na magistratura, mas, no afã de aparecer na mídia, em consonância com o poder do alcance dos holofotes, o benjamim do STF decidiu marcar presença e mostrar serviço, mesmo que, para isso, passasse a ser incongruente e agisse com atitude precipitada, por imaginar que a sua opinião é a mais sábia e deve prevalecer sobre as razões mais sensatas e coerentes com a realidade dos fatos e dos desejos da sociedade. Na verdade, o novo ministro incursiona em terreno movediço, quando antes defendia brilhante tese de cunho social e, de repente, possivelmente ao sabor das conveniências, se contradiz completamente, em evidente exposição de aparências, que se traduzem em personalidade dúbia e credibilidade duvidosa, quanto mais em se tratando de quem ocupa cargo da maior importância na magistratura nacional. A sociedade anseia por que os magistrados tenham a sapiência de julgar as causas com supedâneo na lei e em estrita harmonia com o sentimento da sociedade. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDE
 
Brasília, em 16 de setembro de 2013

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