sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Os polêmicos embargos infringentes

O uso da surrada máxima de que sempre se cumprem e se aceitam as decisões judiciais não pode ser desprezado com relação aos famigerados embargos infringentes. Entretanto, a sua aceitação vai ser bastante dolorosa, pela forma como ela foi concebida e à vista dos fins para os quais ela se destina. Não há dúvida de que a ressuscitação dos infringentes, em meio às acaloradas discussões, transcende os limites da razoabilidade e da racionalidade, por se tratar de questão jurídica bastante polêmica, envolvendo intensamente a opinião dos especialistas da área jurídica, a mídia e a sociedade em geral, por não compreender que matéria já julgada pelo tribunal máximo da Justiça volte a novo julgamento, sem que tenha surgido qualquer fato novo ou algo que justifique se desconfiar da fidedignidade do seu veredicto, em condenar os réus que foram considerados autênticos delinquentes, ou seja, sem margem de dúvida para o veredicto. Não deixa de ser estranho que o novo julgamento ocorra apenas para alguns condenados, mesmo que o Supremo já tenha se debruçado em profundo vasculho, por longos e exaustivos cinco meses, sobre as entranhas das falcatruas mundialmente conhecidas pelo escândalo do mensalão, tendo concluído pelo enquadramento dos crimes praticados cada qual pelas suas especificidades, sendo condenados em consonância e em respeito aos princípios fundamentais dos direitos humanos e do devido processo legal, tudo em harmonia com os preceitos constitucionais e legais. Com o advento dos infringentes, os ministros do Supremo, em tese, põem em suspeição ou negam a sua competência constitucional de julgar crimes, com base nos fatos por ele comprovados, ao aceitar julgar os mesmos crimes, sem que tenha havido nada de novo. Ao admitir os embargos infringentes, inexistentes no Superior Tribunal de Justiça, de hierarquia inferior no Poder Judiciário, o Supremo acaba de criar um sistema reconhecido anacrônico, a pretexto absurdo de se admitir os parâmetros internacionais da exigência de duplo grau de jurisdição, quando já foram concedidas as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório, a par da inexistência de mácula processual passível da mínima reclamação dos condenados. A decisão dá gigantesco passo ao retrocesso da Justiça brasileira, com a criação de instrumento que assegura o prolongamento das causas, a aceitação de recursos sobre recursos e a institucionalização da impunidade, propiciando ainda o emperramento e prolongamento dos julgamentos e o empilhamento de montanhas de processos à espera de exame, com inevitáveis prejuízos para as partes interessadas, tendo a infelicidade de contribuir de forma significativa para o subdesenvolvimento, a desmoralização e o aumento do descrédito do Poder Judiciário. A inteligência do decano do Supremo funcionou em sentido contrário à evolução do conhecimento humano, por ter fundamento com brilhantes argumentos a criação de instrumento jurídico defendido apenas para justificar ideias de praticidade arcaica, ajustáveis às conveniências que não contribuem para a modernização e o aperfeiçoamento dos ritos processuais da Justiça, que tanto se exigem na atualidade, como forma de acompanhar a evolução da civilização. Trata-se da tácita aceitação da desmoralização e da incompetência da mais alta corte de Justiça do país, que abdicou de ser dignificada pelos seus atos se tivesse confirmado seu primeiro julgamento do mensalão e dissesse que ele é verdadeiro, por ter, na ocasião, confirmado a veracidade dos delitos cometidos pelos condenados. Nem nas piores republiquetas, onde os princípios democráticos são inexistentes, são aceitáveis manobras para julgar o que já havia sido decidido, por ser isso algo inexplicável que a sociedade menos evoluída não aceita. A ideia de que o juiz não decide sob pressão e que ele não está submetido à opinião das multidões dá a impressão de que a sociedade não tem sensibilidade para perceber que os recursos sobre recursos são “famosas” manobras jurídicas para nunca haver punição para os poderosos culpados, em privilégio da impunidade, inclusive para possibilitar a prescrição de crimes. O país somente pode ser considerado desenvolvido democraticamente se os Poderes da República são respeitados e acreditados, porque a nação e o povo têm o dever cívico de seguir seus exemplos de dignidade e moralidade, com vistas à edificação e preservação de sólidos princípios sociais e democráticos. É inacreditável como a mais alta corte de Justiça do país seja capaz de institucionalizar o princípio da desmoralização do Poder Judiciário, com a admissão dos embargos infringentes, que são forma velada da negação da autoridade do próprio Supremo, ao se permitir o reexame de algo que já havia sido julgado soberanamente, passando pela análise dos fatos delituosos, das provas legais e dos recursos documentais, testemunhais e orais, tendo concluído pela existência dos delitos e culpabilidade dos réus, não sendo plausível depois de tudo isso ser permitido que somente alguns réus ou condenados tenham o direito de novo julgamento, o que põe por terra a credibilidade da autoridade do Poder Judiciário e do sistema penal. A sociedade pugna por que as autoridades públicas tenham sensibilidade e dignidade de primar pela construção da soberania dos princípios republicanos, como forma de fortalecimento do funcionamento dos poderes constituídos e dos princípios democráticos. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 19 de setembro de 2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário