Segundo os
especialistas do Direito do Trabalho, a contratação dos médicos cubanos para
atuar em áreas carentes do país, na forma concretizada pelo governo brasileiro,
é absolutamente irregular, por ferir os princípios insculpidos na Constituição
Federal. Os médicos dos países diferentes de Cuba foram contratados diretamente
com eles, enquanto os profissionais da ilha vieram com respaldo em esdrúxulo termo
de cooperação, assinado diretamente com a Organização Panamericana de Saúde
(Opas), com a finalidade de contratar, de maneira coletiva, quatro mil médicos cubanos.
Nos termos do acordo, o governo brasileiro se obriga a pagar àquele órgão o
valor equivalente à remuneração individual de R$ 10 mil, que será igual para os
demais profissionais contratados pelo programa Mais Médicos. Não obstante, essa
organização repassará o valor integral ao governo caribenho. Um procurador do
Trabalho afirmou que "A forma de
contratar cubanos não se enquadra na Constituição Federal nem na legislação
trabalhista. A CLT fala que o empregador é aquele que contrata, dirige e
assalaria. Como é que você vai ter uma relação de trabalho instalada entre o
profissional e o governo federal com mais duas intermediações (da Opas e do
governo cubano)?". Em sua
opinião, a contratação seria "uma terceirização
piorada. Dificulta até mesmo o
próprio profissional. Amanhã ele tem acidente de trabalho, vai falar com quem?
Cuba? Aqui no Brasil? E outra: vai pagar quanto de salário? 40 dólares? 100 dólares? Existe um piso
aqui no Brasil”. O procurador também entende que a contratação de médicos
de outros países, para a mesma finalidade, não respeita os trâmites da
legislação brasileira, visto que "O
governo federal tem que contratar por concurso público. Isso está na Constituição
Federal. O primeiro obstáculo é esse. Algumas situações há em que você pode
contratar sem concurso. A lei permite por tempo determinado contratação sem
concurso, em caso de calamidade, emergência, saúde pública. Mas tem processo
seletivo, ou seja, o candidato é submetido a um processo seletivo...". Nem precisa ser
versado em legislação trabalhista para entender que a relação de trabalho é
constituída de empregador e empregado, para que haja vínculo de trabalho e de
responsabilidade entre as partes, mas, no caso dos médicos cubanos, sequer
existe fictício vínculo empregatício, visto que o ajuste foi firmado entre o
Estado brasileiro e uma organização internacional, sem ter qualquer
responsabilidade senão com o repasse do valor pertinente ao governo de Cuba.
A saúde pública brasileira vem se arrastando, por tanto tempo, no pior estado
de precariedade, mas as autoridades públicas não são capazes de perceber que, na
administração pública, é obrigatória a realização de concurso público para a
contração de pessoal, salvo nos casos excepcionais, que não é a situação em
foco, porque a calamidade intrínseca da saúde pública não surgiu de repente. O
curioso é que somente foi resolvido contratar os médicos depois da extrapolação
do limite da paciência da população, que foi às ruas para dizer, aos gritos,
que a saúde pública estava falida ou em estado falimentar e a incompetência
administrativa é responsável pelo crime da omissão e do abandono da sociedade à
própria sorte. A
saúde pública sempre exigiu providências saneadoras com urgência, mas, nem por
isso, as normas constitucionais e legais aplicáveis à espécie podem ser
ignoradas, sob pena de ferimento dos princípios da administração pública, que
os governantes não têm o direito de se afastar deles. Não fossem os protestos
contra o desgoverno e a má gestão das políticas públicas, certamente que
nenhuma medida teria sido adotada para tentar amenizar as tormentosas mazelas
da saúde pública, que infernizam há tanto tempo as condições de vida do povo. Caso
se tratasse de gestão eficiente e responsável do país, a opção correta para o
caso teria sido a criação de quadro de pessoal médico e paramédico, com
estrutura e vínculo empregatício garantindo estabilidade aos profissionais
destinados ao interior do país, evitando a questionável importação de médicos
mediante procedimento revestido de inconstitucionalidade e de inegável precipitação.
A medida em apreço, adotada por via oblíqua, não chega a ser novidade, porque
isso se coaduna com a forma costumeira de incompetência e inexperiência como o Estado
vem sendo administrado, nos últimos anos, porém, em se tratando do seu
interesse, nada justifica que o governo possa contrariar a Constituição Federal
para tentar solucionar a questão sempre com a aplicação do abominável jeitinho
brasileiro, como é o caso do programa em comento. Urge que o governo federal se conscientize de que a administração
do país exige, além de outros requisitos essenciais, como competência e
qualificação técnico-especializada, a fiel observância aos salutares princípios
constitucionais e legais, em especial a eficiência, moralidade, impessoalidade,
transparência, isonomia e legalidade, como forma de contribuir para a consolidação da democracia. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 28 de setembro de 2013
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