domingo, 29 de setembro de 2013

Inconstitucionalidade na contratação de pessoal

Segundo os especialistas do Direito do Trabalho, a contratação dos médicos cubanos para atuar em áreas carentes do país, na forma concretizada pelo governo brasileiro, é absolutamente irregular, por ferir os princípios insculpidos na Constituição Federal. Os médicos dos países diferentes de Cuba foram contratados diretamente com eles, enquanto os profissionais da ilha vieram com respaldo em esdrúxulo termo de cooperação, assinado diretamente com a Organização Panamericana de Saúde (Opas), com a finalidade de contratar, de maneira coletiva, quatro mil médicos cubanos. Nos termos do acordo, o governo brasileiro se obriga a pagar àquele órgão o valor equivalente à remuneração individual de R$ 10 mil, que será igual para os demais profissionais contratados pelo programa Mais Médicos. Não obstante, essa organização repassará o valor integral ao governo caribenho. Um procurador do Trabalho afirmou que "A forma de contratar cubanos não se enquadra na Constituição Federal nem na legislação trabalhista. A CLT fala que o empregador é aquele que contrata, dirige e assalaria. Como é que você vai ter uma relação de trabalho instalada entre o profissional e o governo federal com mais duas intermediações (da Opas e do governo cubano)?". Em sua opinião, a contratação seria "uma terceirização piorada. Dificulta até mesmo o próprio profissional. Amanhã ele tem acidente de trabalho, vai falar com quem? Cuba? Aqui no Brasil? E outra: vai pagar quanto de salário? 40 dólares? 100 dólares? Existe um piso aqui no Brasil”. O procurador também entende que a contratação de médicos de outros países, para a mesma finalidade, não respeita os trâmites da legislação brasileira, visto que "O governo federal tem que contratar por concurso público. Isso está na Constituição Federal. O primeiro obstáculo é esse. Algumas situações há em que você pode contratar sem concurso. A lei permite por tempo determinado contratação sem concurso, em caso de calamidade, emergência, saúde pública. Mas tem processo seletivo, ou seja, o candidato é submetido a um processo seletivo...". Nem precisa ser versado em legislação trabalhista para entender que a relação de trabalho é constituída de empregador e empregado, para que haja vínculo de trabalho e de responsabilidade entre as partes, mas, no caso dos médicos cubanos, sequer existe fictício vínculo empregatício, visto que o ajuste foi firmado entre o Estado brasileiro e uma organização internacional, sem ter qualquer responsabilidade senão com o repasse do valor pertinente ao governo de Cuba. A saúde pública brasileira vem se arrastando, por tanto tempo, no pior estado de precariedade, mas as autoridades públicas não são capazes de perceber que, na administração pública, é obrigatória a realização de concurso público para a contração de pessoal, salvo nos casos excepcionais, que não é a situação em foco, porque a calamidade intrínseca da saúde pública não surgiu de repente. O curioso é que somente foi resolvido contratar os médicos depois da extrapolação do limite da paciência da população, que foi às ruas para dizer, aos gritos, que a saúde pública estava falida ou em estado falimentar e a incompetência administrativa é responsável pelo crime da omissão e do abandono da sociedade à própria sorte. A saúde pública sempre exigiu providências saneadoras com urgência, mas, nem por isso, as normas constitucionais e legais aplicáveis à espécie podem ser ignoradas, sob pena de ferimento dos princípios da administração pública, que os governantes não têm o direito de se afastar deles. Não fossem os protestos contra o desgoverno e a má gestão das políticas públicas, certamente que nenhuma medida teria sido adotada para tentar amenizar as tormentosas mazelas da saúde pública, que infernizam há tanto tempo as condições de vida do povo. Caso se tratasse de gestão eficiente e responsável do país, a opção correta para o caso teria sido a criação de quadro de pessoal médico e paramédico, com estrutura e vínculo empregatício garantindo estabilidade aos profissionais destinados ao interior do país, evitando a questionável importação de médicos mediante procedimento revestido de inconstitucionalidade e de inegável precipitação. A medida em apreço, adotada por via oblíqua, não chega a ser novidade, porque isso se coaduna com a forma costumeira de incompetência e inexperiência como o Estado vem sendo administrado, nos últimos anos, porém, em se tratando do seu interesse, nada justifica que o governo possa contrariar a Constituição Federal para tentar solucionar a questão sempre com a aplicação do abominável jeitinho brasileiro, como é o caso do programa em comento. Urge que o governo federal se conscientize de que a administração do país exige, além de outros requisitos essenciais, como competência e qualificação técnico-especializada, a fiel observância aos salutares princípios constitucionais e legais, em especial a eficiência, moralidade, impessoalidade, transparência, isonomia e legalidade, como forma de contribuir para a consolidação da democracia. Acorda, Brasil!  
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 28 de setembro de 2013

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