Não passa de pura utopia alguém querer usufruir o
salutar princípio democrático se não demonstrar transparência nos seus atos. Norberto
Bobbio leciona que "nada pode
permanecer confinado no espaço do mistério". Nos últimos meses, o país
foi tomado por mobilizações de grupos, muitos dos quais autointitulados Black Bloc, constituídos por jovens, na
sua maioria, com tendência a atuar sob forte sentimento de inexplicável
brutalidade e selvageria, causando depredação e destruição de bens públicos e
propriedades particulares, sem nenhuma intimidação diante da força policial,
que muito pouco ou quase nada tem feito para impedir a depravação e a desordem,
com atemorização à sociedade. A violência protagonizada por esses grupos
altamente agressivos, além de agitar os segmentos sociais, evidencia tremenda
crise de autoridade, que vem demonstrando incapacidade para o estrito
cumprimento dos seus deveres constitucionais e legais. Em todos os casos, fica
patenteada a ineficácia das ações do policiamento, com a falta de preparo e de
qualificação das corporações para conter a onda de violência, cuja virulência
nem sempre tem culpado identificado e preso, como forma pedagógica para coibir
e acabar com essa inadmissível bagunça. Não deixa de ser estranho que ainda não
foi possível a identificação das reais motivações que levaram esses grupos se
portarem com tamanha selvageria e truculência, em clara desmoralização dos
preceitos constitucionais e legais, com a imposição da desordem pública e a
intimidação das autoridades constituídas, que se acovardam ante a sua
impotência para dominá-los e prendê-los, por força da sua competência
institucional. Na atual conjunta socioeconômica brasileira, em que o
crescimento do país claudica em meio à precariedade das políticas públicas e à
falta de reformas estruturais do Estado, que não são suficientes nem
satisfatórias ao atendimento das necessidades básicas da sociedade e muito
menos capazes de fomentar o desenvolvimento do país, talvez servissem de
motivação para tamanha irracionalidade, embora o descomunal exagero não
justifique a indignação com a utilização de meios desproporcionais a essa
sofrível realidade brasileira, conquanto o governo não demonstre sensibilidade
para reconhecer as deficiências da sua gestão, que não permite que tenha
alternativa para contornar a situação caótica dos segmentos sociais e econômicos.
Esse mistério dos grupos mascarados precisa ser identificado e tratado com urgência,
para que sejam evitados maiores prejuízos à sociedade. No Estado Democrático de
Direito, as manifestações são absolutamente “improibíveis”, mas seus
protagonistas são obrigados a cumprir os preceitos constitucionais, notadamente
o disposto no inciso IV do artigo 5º da Lei Maior, que reza: "É livre a manifestação do pensamento, sendo
vedado o anonimato", em combinação com a norma insculpida do inciso
XVI do mesmo dispositivo, que diz: "Todos
podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público,
independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião
convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade
competente". Sem a menor dificuldade de interpretação, o uso das
máscaras cobrindo os rostos dos manifestantes caracteriza a condição de
anonimato, que não pode acobertar atitudes que contrariem os princípios da
ordem pública, do pacifismo, do respeito à integridade das pessoas e do
patrimônio público e privado, sem prejudicar o sagrado direito constitucional e
legal da liberdade de ir e vir, sob pena de responder civil e criminalmente, em
harmonia com os princípios de civilidade e racionalidade. Urge que as
autoridades públicas tenham a dignidade de fazer cumprir os ditames
constitucionais, quanto à proibição do anonimato e à necessidade de respeito
aos princípios de pacifismo, como instrumentos capazes de contribuir para a
preservação da paz e da harmonia no seio da sociedade. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 26 de setembro de 2013
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