quinta-feira, 12 de setembro de 2013

A lição da Justiça

A Justiça Federal no Ceará concedeu tutela antecipada ao pedido do Conselho Regional de Medicina daquele Estado (Cremec/CE), que desobriga o registro provisório de médicos provenientes do exterior que não tenham sido submetidos aos revalida e exame de proficiência em língua portuguesa. Essa decisão preliminar contraria a posição do governo, que havia dito que vai processar o Conselho Regional de Medicina que se negar a conceder registro no programa Mais Médicos. Segundo o presidente do Cremec, o pedido em apreço objetiva preservar a exigência legal no sentido de que os profissionais que trabalhem no Brasil, por meio do Mais Médicos, obtenham o registro profissional nas mesmas condições que outros profissionais com diploma de universidades estrangeiras, ou seja, não há pretensão de impedir o trabalho de estrangeiro, mas apenas manter as condições de avaliação igual para os profissionais da medicina. Como se sabe, o revalida é o exame nacional criado pelo Ministério de Educação, que cuida da avaliação com vistas a possibilitar a entrada de brasileiros e estrangeiros que se formaram no exterior e pretendem exercer a medicina no Brasil. Trata-se de exigência legal e cautelar para que o diploma concedido no exterior possa ser reconhecido e igualado ao diploma brasileiro, à luz das diretrizes curriculares nacionais inerentes aos cursos de medicina, de modo a assegurar que o médico tem plenas condições, em termos de conhecimento e capacidade técnicos, para exercer a profissão da medicina. No caso da proficiência em língua portuguesa, os exames mediantes provas escrita e oral visam à avaliação do domínio razoável do idioma pátrio, de modo que o desempenho do profissional não sofra solução de continuidade, quanto ao uso e à expressão da língua portuguesa. Não há dúvida de que o governo, aproveitando as manifestações de protestos das ruas, exigindo, entre outras medidas, a prestação de serviços públicos de qualidade, em especial, saúde pública, se arvorou para implantação o Mais Médicos com a finalidade de satisfazer as reclamações da sociedade. Não obstante, as inovações trazidas no bojo das medidas evidenciaram a truculência do governo, ao deixar de observar os parâmetros da eficiência que se exigem na administração pública, em especial no que tange ao planejamento estratégico e o cumprimento das normas legais e dos acordos de internacionais. De início, o governo menosprezou a experiência e as atribuições pertinentes aos órgãos de classe, como o Conselho Federal de Medicina, que, além de não ter sido ouvido sobre a sua especialidade, foi impedido de exercer a fiscalização que legalmente lhe compete de exigir a comprovação do revalida, como pré-requisito para a concessão do registro indispensável ao exercício da profissão no país. Noutro flanco, o governo trouxe médicos de Cuba ao arrepio das normas do Direito Internacional, com a contratação de profissionais diretamente com o governo cubano, sem nenhuma vinculação de trabalho com os profissionais, em clara inobservância dos princípios da legalidade, moralidade e transparência, a par de ter sido ignorada a obrigatoriedade constitucional da contratação de pessoal mediante concurso público. É evidente que a carência de médicos no interior do país é fato calamitoso, mas, nem por isso, o governo tem o direito de atropelar as normas constitucionais e legais, com a finalidade solucioná-la, tendo em vista que a precariedade se arrasta de longa data e as medidas exigidas poderiam ser implementadas em consonância com a racionalidade e em cumprimento aos trâmites da legalidade. Diante disso, é por demais salutar e auspicioso se perceber que ainda existe alguém com sensibilidade suficiente para dizer que a Justiça pode consertar o que foi feito de forma discricionária e despótica, em contrariedade aos princípios da legalidade e da transparência. O governo demonstrou extrema maldade e desprezo às normas constitucionais e legais aplicáveis à espécie, ao privilegiar, sem justificativa plausível, os médicos contratados pelo programa Mais Médicos, em especial com a isenção dos exames do revalida e de português, legalmente exigidos como forma de comprovar os conhecimentos indispensáveis ao exercício no país de médicos formados no exterior. A sociedade aprova as atividades no país de profissionais estrangeiros, mas rechaça, com veemência, a implantação de programa do Mais Médicos mediante procedimento eivado de irregularidades que depõem contra os princípios da administração pública e da dignidade das relações de trabalho. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 11 de setembro de 2013

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