Conforme reportagem publicada no
jornal Folha de S.Paulo, o Ministério
Público solicitou à Justiça a anulação da cessão de terreno do Município de São
Paulo para instalação de museu em homenagem ao ex-presidente da República
petista. A área de 4.300 m², que fica no centro da capital, foi destinada, em
2012, para criação do memorial sobre o ex-presidente, na gestão do anterior prefeito
ao atual. Por enquanto, ainda não foi iniciada a construção de obras no local.
A ação civil pública argumenta que a cessão do terreno configura privilégio
ilegal, porquanto "Nesse espaço
ocorrerá a divulgação da imagem do ex-presidente Lula, que ainda está em
intensa atuação política. A
destinação da área para o memorial fere o interesse público, pois faltam
espaços no município para a instalação de estabelecimentos como escolas e
creches.”. Segundo o jornal, já foram construídos na capital, com recursos
privados, dois espaços do Instituto Lula, no bairro do Ipiranga (zona sul), os
quais são usados pelo ex-presidente para fins políticos e guarda de acervo
sobre o ex-presidente. O Instituto Lula, a par de não comentar o pedido em
apreço, alegando que não teve acesso a ele, disse que o museu servirá além da
guarda de objetos sobre o ex-presidente, para mostrar a história dele pela
democracia no Brasil. Em princípio, o pleito do Ministério Público encontra-se
absolutamente respaldado não somente na remansosa jurisprudência dos Tribunais
Superiores do país, mas em especial na constituição e nas leis vigentes, ao
disciplinarem que a cessão de uso de bem
público consiste, basicamente, no empréstimo ou na transferência
provisória e gratuita da posse de um imóvel, edificado ou não, pertencente a um
órgão público, cedente, a outro, de mesmo nível de governo ou de nível diverso,
com vistas a possibilitar ao cessionário a utilização institucional ou de
interesse público. Impende se observar que o instituto da cessão não se
confunde com concessão, permissão, autorização de uso nem doação. A figura fundamental
e marcante da cessão é a sua significante restrição de poder ao cedente em
favor do cessionário sempre em razão de interesse público, motivo pelo qual se
exige que, na operação pertinente, seja observado primacialmente o princípio da
legalidade. A cessão tem como essencial característica somente se processar apenas
entre entes públicos, não sendo permitida entre poder público e particular,
como deve ter ocorrido no caso do ex-presidente petista, que é considerado,
nesse caso, particular. Segundo o administrativista prof. José dos Santos
Carvalho Filho, a “Cessão de uso é aquela
em que o Poder Público consente o uso gratuito de bem público por órgãos da
mesma pessoa ou de pessoa diversa, incumbida de desenvolver atividade que, de
algum modo, traduza interesse da coletividade.”. Em que pese a finalidade
clássica do instituto seja a cessão de bem público a pessoa jurídica de direito
público, a doutrina admite, em casos excepcionais, a possibilidade da cessão
gratuita de bem público a pessoa jurídica de direito privado que desempenhe
atividade não lucrativa e tenha por objeto beneficiar a coletividade, que
parece também não ser o caso do ex-presidente, que não se mostra muito afeito a
favorecimentos senão a si próprio, como se verifica no caso da utilização de duas edificações em seu nome, que são destinadas a reuniões e
encontros políticos, praticamente envolvendo negociações político-partidárias,
sem nenhum benefício à coletividade. No que se refere à cessão em comento, há
fortes indícios de que ela não se enquadra na essencialidade legal do
atendimento ao interesse público, tendo em vista que o terreno em causa teria
realmente emprego legal se fosse destinado à satisfação de finalidades essencialmente
públicas, a exemplo da construção de escola, hospital, creche, delegacia ou outra
entidade que pudesse representar o real e efetivo desenvolvimento de atividades
de interesse da sociedade, fato que certamente não ocorrerá com as obras do
ex-presidente petista, que já demonstrou que sabe muito bem cuidar dos interesses
estritamente pessoais. Causa enorme perplexidade se constatar que os homens
públicos não têm o menor pudor de se apoderar, de forma injustificável e
ilegal, de bens públicos, em proveito próprio, como se isso não representasse grave
ofensa aos salutares princípios da moralidade, da legalidade, do decoro e da
conscientização de que o uso de bens públicos não deve ser senão em benefício
da população, como forma legal de satisfazer a sua precípua finalidade de res publica. Convém que haja total
desprezo às cessões arranjadas mediante influência política, sabidamente para o
atendimento de meros interesses pessoais. Não somente o Ministério Público, mas
especialmente a sociedade também deve fazer coro contra a impudência dos atos
praticados pela administração pública, porque em completa desarmonia com o
regramento jurídico e os princípios democráticos, a exemplo dessa cessão de
terreno em área nobre da capital de São Paulo, que deveria se destinar à sua
verdadeira função de interesse público, em consonância com a forma legalmente
preconizada. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 20 de janeiro de 2014
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