terça-feira, 14 de janeiro de 2014

O povo tem o governo que merece?

Enquanto os presídios se encarregam de mostrar para o país e o mundo a degradação dos princípios humanitários, com mortes em séria e a prática das selvagerias próprias da idade da pedra lascada, justamente pela omissão e incompetência administrativa flagrantemente exposta à toda evidência, o governo do Maranhão autorizou a abertura de certame licitatório, no valor de R$ 1,3 milhão, para a aquisição de bebidas e alimentos, inclusive uísque escocês, champanhe e canapés de caviar para coquetéis e eventos oficiais. A licitação prevê a compra de bebida "em quantidades suficientes para atender a contendo todos os convidados", incluindo vinho importado "de primeira qualidade" (francês, italiano, chileno, espanhol e português) e champanhe "de primeira qualidade" - extra brut, brut, sec e demisec. As refeições, na quantia estimada em R$ 988 mil, incluem pratos como risoto de lagosta, camarão e caranguejo, cabrito ao vinho, caldeirada de camarão, bacalhau com natas e filé mignon à provençal. De entrada, os eventos terão no cardápio casquinha de caranguejo, carpaccio de salmão e coquetel de mariscos. Já os convidados dos coquetéis oficiais do governo poderão comer canapés de salmão e caviar, cartuchos de lagosta e empanadas de camarão. Não foi esquecida a aquisição de comida e bebida para "coffee breaks" e "brunches" promovidos pelo Estado. Em compensação, o governo teve a “dignidade” de adiar, talvez diante da notícia de que os presos estão comendo apenas arroz e galinha crua, o pregão que previa a compra de 80 kg de lagosta para os palácios oficiais. A gastança do governo maranhense reservou a quantia de R$ 403 mil para a estrutura, decoração e equipe dos eventos. Os detalhes não foram desprezados para as recepções, que deverão ter lustre com estrutura de cristal e tapete persa dos tipos Golpayagan Sherkat e Kashmar, os quais ficarão a cargo de decorador contratado. Está prevista a contratação de cantor e recepcionistas bilíngues, todos sujeitos a "aprovação prévia" pelo Estado. Na forma da orientação do cerimonial da governadora, o cantor deve "interpretar canções de repertório popular, inclusive regionais, música ambiente, instrumentais e religiosas". Além de representar verdadeira tapa na cara não somente do povo maranhense, mas dos cidadãos brasileiros, esse fato constitui insofismável escárnio às boas condutas de dignidade e de respeito ao erário, pelo evidente esbanjamento de contratações exóticas, luxuosas e caríssimas, absolutamente dispensáveis para as condições de estado pobre. É lastimável e vergonhoso que o Estado em pleno estágio de dilaceração das suas estruturas sociais e econômicas, conforme evidencia o índice de Desenvolvimento Humano, que o posiciona como o penúltimo estado do país, pela evidente pobreza e carência ou precariedade dos essenciais serviços públicos, como saúde, educação, segurança – não somente nas cidades como nos presídios -, infraestrutura, saneamento básico, entre tantas mazelas, a governadora ainda tenha a despudorada coragem e indelicadeza de expor à sociedade o quanto seus palácios desperdiçam dinheiros públicos com opíparas mordomias de extravagâncias somente comparáveis às nobrezas, às oligarquias europeias e aos países de primeiríssimo mundo, que, com absoluta certeza, não teriam a leviandade de cometer excepcional esbanjamento às expensas de notórios minguados e escassos recursos públicos. Na verdade, essa falta de consciência sobre a necessidade da austeridade e da parcimônia com recursos dos cidadãos não é privilégio somente do clã maranhense, porque essa pouca-vergonha se encontra encastelada nos governos e, de resto, nos poderes da República, cujos titulares, com raríssima exceção, entendem que eles são os donos do patrimônio público e podem manejá-lo a seu talante. É com muita tristeza se verificar que a maioria da classe política brasileira tenha formação com princípios oligárquicos, em que o seu poderoso pensamento é capaz de atropelar os comezinhos princípios democrático e constitucional de respeito à coisa pública, que deveria ser utilizada apenas na estrita consecução das precípuas finalidades políticas de satisfação do interesse público, com total embargo da saciedade dos abomináveis interesses pessoais. Não fosse a penalização que essa abusiva permissividade causa ao povo brasileiro, não somente ao povo desse estado, até que não seria de se lamentar tanto que essa pouca-vergonha estivesse acontecendo onde a abundância das bebidas e iguarias deliciosas e caras contrasta com a penúria dos eleitores que elegeu livremente sua representante, que aproveita o poder para ridicularizar e zombar em justo merecimento dos seus otários súditos, à vista do dito popular de que o povo tem o governo que merece. Urge que o povo se conscientize e se sensibilize sobre a necessidade da escolha de seus representantes pela comprovação dos critérios de competência administrativa e de compromisso com a preservação do patrimônio público, com total desprezo aos nomes de famílias na política, que são incapazes de distinguir o interesse público do privado e de respeitar os princípios saudáveis de moralidade, economicidade e legalidade, inerentes aos procedimentos na administração pública. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 14 de janeiro de 2014

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