segunda-feira, 16 de maio de 2016

Interpretações equivocadas?


Após o Senado Federal ter aprovado a admissibilidade do processo de impeachment da presidente da República, o relator do processo do mensalão, julgado no Supremo Tribunal Federal, embora reconheça que a presidente afastada tenha falhado no cargo, questionou a maneira como o processo do impeachment vem sendo conduzido no Congresso Nacional, tendo afirmando que falece legitimidade ao peemedebista para governar a nação, por entender que o ideal seria a realização de nova eleição.
O ex-ministro do Supremo disse que “Tenho sérias dúvidas quanto à integridade e à adequação desse processo pelo motivo que foi escolhido. Se a presidente tivesse sendo processada pelo Congresso por sua cumplicidade e ambiguidade em relação à corrupção avassaladora mostrada no país, nos últimos anos, eu não veria nenhum problema. Mas não é isso que está em causa”.
Em seguida, o ex-ministro asseverou que o descumprimento de regras orçamentárias, principal motivo apontado no pedido de impeachment, não é forte o suficiente para afastar um presidente, porquanto, “Temos um problema sério de proporcionalidade, pois a irresponsabilidade fiscal é o comportamento mais comum entre nossos governantes em todas as esferas. Vejam a penúria financeira dos nossos Estados, o que é isso senão fruto da irresponsabilidade orçamentária dos governadores”.
O ex-ministro ponderou que, “do ponto de vista puramente jurídico”, o impeachment pode ser justificado, mas disse que tem “dúvidas muito sinceras” quanto à sua “justeza e ao acerto político que foi tomado para essa decisão. O impeachment é a punição máxima a um presidente que cometeu um deslize funcional gravíssimo. Trata-se de um mecanismo extremo, traumático, que pode abalar o sistema político como um todo, pode provocar ódio e rancores e tornar a população ainda mais refratária ao próprio sistema político.”.
Apesar de ter tomado as dores da petista, o ex-ministro fez duras críticas à presidente afastada, ao afirmar que ela foi incapaz de conduzir o país e de se comunicar com a população, além de ter feito péssimas escolhas de seus auxiliares diretos, tendo se limitado a governar para seu grupo político e aliados de ocasião.
As palavras a seguir foram ditas pelo ex-ministro: “Não digo que ela compactuou abertamente com segmentos corruptos em seu governo, em seu partido e em sua base de apoio, mas se omitiu, silenciou-se, foi ambígua e não soube se distanciar do ambiente deletério que a cercava, não soube exercer comando e acabou engolida por essa gente. Apesar disso, é muito grave tirar a presidente do cargo e colocar em seu lugar alguém que é seu adversário oculto ou ostensivo, alguém que perdeu uma eleição presidencial ou alguém que sequer um dia teria o sonho de disputar uma eleição para presidente. Anotem: o Brasil terá de conviver por mais 2 anos com essa anomalia (…). É um grupo que, em 2018, completará 20 anos sem ganhar uma eleição.”.
Ao concluir, o ex-ministro manifestou preocupação com o futuro das instituições brasileiras, ao afirmar que “Eu me pergunto se esse impeachment não resultará em golpe certeiro em nossas instituições, eu me pergunto se elas não sairão fragilizadas, imprestáveis (…) E vai aqui mais uma provocação: quem na perspectiva de vocês, vai querer investir em um país em que se derruba presidente com tanta ligeireza, com tanta facilidade e com tanta afoiteza? Eu deixo essa reflexão a todos.”.
Com a devida vênia, as palavras do ex-ministro têm o formato idealizado e encomendado para se encaixar no sistema decadente e lastimável que sempre prevaleceu no país, qual seja, a abominável impunidade, em que pese a Constituição estabelecer que constitui crime de responsabilidade do presidente da República, entre outros, quando o seu ato atentar contra a lei orçamentária, ex-vi do disposto no art. 85, VI, onde não há menção sobre a inviabilidade da sua aplicação quando houver configuração que isso pode resultar em mecanismo traumático com capacidade de abalar o sistema político e provocar ódio e rancores, tornando a população refratária desse sistema.
É lamentável que o tão prestigiado ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, órgão incumbido de zelar e guardar a integridade da Constituição Federal, se insurja justamente com relação a caso que especifica descumprimento de preceito constitucional, no que se refere ao enquadramento de administrador público que, induvidosamente, infringiu normas de administração orçamentária e financeira, exatamente em contrariedade a disposto previsto na Carta Magna.
Veja-se que ele reconhece que houve afronta a dispositivo da Constituição, mas, de forma estranha, o minimiza, ao afirmar que “Temos um problema sério de proporcionalidade, pois a irresponsabilidade fiscal é o comportamento mais comum entre nossos governantes em todas as esferas. Vejam a penúria financeira dos nossos Estados, o que é isso senão fruto da irresponsabilidade orçamentária dos governadores”, ou seja, ele quis enfatizar sentimento de proporcionalidade do problema, quando a Carta Magna se mostra tão "lesada" que se esqueceu de prevê que, nas condições de pedaladas fiscais, de atropelamento dos limites das metas fiscais, o administrador público se enquadraria na regra da “proporcionalidade” e, por isso, deveria ser perdoado, podendo gastar abusivamente, inclusive arrombar os limites prudenciais quanto ao respeito ao salutar e essencial princípio da gestão pública.
O aludido princípio estabelece que não se pode gastar além dos recursos arrecadados, pelo menos isso é a regra consagrada nos países sérios e civilizados, onde a estrita observância aos ditames constitucionais não comporta o vergonhoso jeitinho brasileiro de justificar o seu descumprimento tão somente em razão da "... penúria financeira dos nossos Estados...", quando a regra que enquadra o crime de responsabilidade é exatamente para se evitar a banalização das contumazes irresponsabilidades dos agentes públicos, quanto ao abusivo desprezo às normas aplicáveis à execução dos orçamentos públicos.
Causa espécie o ex-ministro se referir à ideia sobre nova eleição para a escolha de novo presidente, quando a situação fática delineada não acena para tal possibilidade, eis que as medidas adotadas ao caso se coadunam com os acontecimentos exatamente previstos na Carta Magna, que não comportam nada diferente do que se encontra posto.
É muito estranho que o ministro que se notabilizou pela rígida observância do texto constitucional tenha, agora, interpretação que, em princípio, não condiz exatamente com a realidade dos fatos, porque as decisões adotadas até agora pelo Congresso Nacional estão em completa harmonia com os entendimentos esposados pela Excelsa Corte de Justiça, que, em momento algum, aventou o possível desvio de conduta dos intérpretes sobre os fatos ensejadores do impeachment em causa, o que conduz, necessariamente, ao entendimento de que as ilações do nobre ministro se encontram absolutamente equivocadas, justamente por elas não se conformarem com as regras jurídicas insculpidas na Lei Maior do país.
É induvidoso que a avaliação do ex-ministro denota absurda condescendência com a impunidade, porque o crime de responsabilidade, previsto na Constituição, enquadra com clareza o presidente que descumprir as regras orçamentárias, ex-vi do disposto no art. 85, VI, que não diz o que seja forte ou fraco a justificar qual a intensidade do crime de responsabilidade seja suficiente para afastar o presidente, ficando claro que a inobservância à lei orçamentária, que é o caso configura, atenta contra a norma prevista no aludido dispositivo constitucional, o que afasta a sua interpretação para o fim de contribuir para a impunidade e o estímulo à reincidência de casos semelhantes.
É evidente que as pessoas têm pleno direito de se manifestar e opinar, notadamente nas suas áreas de atuação, com o fito de aclarar situações nebulosas, mas, no caso em comento, a interpretação foge do padrão apropriado de respeitabilidade, haja vista que o cerne da questão não se enquadra exatamente ao caso concreto, eis que os parâmetros invocados in casu padecem de sustentação jurídica, principalmente pelo vago entendimento acerca da proporcionalidade que ainda inexiste na norma jurídica pátria. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 16 de maio de 2016

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