Após o Senado Federal ter aprovado
a admissibilidade do processo de impeachment da presidente da República, o
relator do processo do mensalão, julgado no Supremo Tribunal Federal, embora
reconheça que a presidente afastada tenha falhado no cargo, questionou a
maneira como o processo do impeachment vem sendo conduzido no Congresso
Nacional, tendo afirmando que falece legitimidade ao peemedebista para governar
a nação, por entender que o ideal seria a realização de nova eleição.
O ex-ministro do Supremo disse que “Tenho sérias dúvidas quanto à integridade e
à adequação desse processo pelo motivo que foi escolhido. Se a presidente
tivesse sendo processada pelo Congresso por sua cumplicidade e ambiguidade em
relação à corrupção avassaladora mostrada no país, nos últimos anos, eu não
veria nenhum problema. Mas não é isso que está em causa”.
Em seguida, o ex-ministro asseverou que o
descumprimento de regras orçamentárias, principal motivo apontado no pedido de
impeachment, não é forte o suficiente para afastar um presidente, porquanto, “Temos um problema sério de
proporcionalidade, pois a irresponsabilidade fiscal é o comportamento mais
comum entre nossos governantes em todas as esferas. Vejam a penúria financeira
dos nossos Estados, o que é isso senão fruto da irresponsabilidade orçamentária
dos governadores”.
O ex-ministro ponderou que, “do ponto de vista puramente jurídico”, o impeachment pode ser
justificado, mas disse que tem “dúvidas
muito sinceras” quanto à sua “justeza
e ao acerto político que foi tomado para essa decisão. O impeachment é a punição máxima a um presidente que cometeu um deslize
funcional gravíssimo. Trata-se de um mecanismo extremo, traumático, que pode
abalar o sistema político como um todo, pode provocar ódio e rancores e tornar
a população ainda mais refratária ao próprio sistema político.”.
Apesar de ter tomado as dores da petista, o
ex-ministro fez duras críticas à presidente afastada, ao afirmar que ela foi
incapaz de conduzir o país e de se comunicar com a população, além de ter feito
péssimas escolhas de seus auxiliares diretos, tendo se limitado a governar para
seu grupo político e aliados de ocasião.
As palavras a seguir foram ditas pelo ex-ministro: “Não digo que ela compactuou abertamente com
segmentos corruptos em seu governo, em seu partido e em sua base de apoio, mas
se omitiu, silenciou-se, foi ambígua e não soube se distanciar do ambiente
deletério que a cercava, não soube exercer comando e acabou engolida por essa
gente. Apesar disso, é muito grave
tirar a presidente do cargo e colocar em seu lugar alguém que é seu adversário
oculto ou ostensivo, alguém que perdeu uma eleição presidencial ou alguém que
sequer um dia teria o sonho de disputar uma eleição para presidente. Anotem: o
Brasil terá de conviver por mais 2 anos com essa anomalia (…). É um grupo que, em 2018, completará 20 anos
sem ganhar uma eleição.”.
Ao concluir, o ex-ministro manifestou preocupação
com o futuro das instituições brasileiras, ao afirmar que “Eu me pergunto se esse impeachment não resultará em golpe certeiro em
nossas instituições, eu me pergunto se elas não sairão fragilizadas,
imprestáveis (…) E vai aqui mais uma
provocação: quem na perspectiva de vocês, vai querer investir em um país em que
se derruba presidente com tanta ligeireza, com tanta facilidade e com tanta
afoiteza? Eu deixo essa reflexão a todos.”.
Com a devida vênia, as palavras do ex-ministro têm
o formato idealizado e encomendado para se encaixar no sistema decadente e
lastimável que sempre prevaleceu no país, qual seja, a abominável impunidade, em
que pese a Constituição estabelecer que constitui crime de responsabilidade do
presidente da República, entre outros, quando o seu ato atentar contra a lei
orçamentária, ex-vi do disposto no art. 85, VI, onde não há menção sobre a
inviabilidade da sua aplicação quando houver configuração que isso pode
resultar em mecanismo traumático com capacidade de abalar o sistema político e
provocar ódio e rancores, tornando a população refratária desse sistema.
É
lamentável que o tão prestigiado ministro aposentado do Supremo Tribunal
Federal, órgão incumbido de zelar e guardar a integridade da Constituição
Federal, se insurja justamente com relação a caso que especifica descumprimento
de preceito constitucional, no que se refere ao enquadramento de administrador
público que, induvidosamente, infringiu normas de administração orçamentária e
financeira, exatamente em contrariedade a disposto previsto na Carta Magna.
Veja-se
que ele reconhece que houve afronta a dispositivo da Constituição, mas, de
forma estranha, o minimiza, ao afirmar que “Temos
um problema sério de proporcionalidade, pois a irresponsabilidade fiscal é o
comportamento mais comum entre nossos governantes em todas as esferas. Vejam a
penúria financeira dos nossos Estados, o que é isso senão fruto da irresponsabilidade
orçamentária dos governadores”, ou seja, ele quis enfatizar sentimento de
proporcionalidade do problema, quando a Carta Magna se mostra tão
"lesada" que se esqueceu de prevê que, nas condições de pedaladas
fiscais, de atropelamento dos limites das metas fiscais, o administrador
público se enquadraria na regra da “proporcionalidade” e, por isso, deveria ser
perdoado, podendo gastar abusivamente, inclusive arrombar os limites
prudenciais quanto ao respeito ao salutar e essencial princípio da gestão pública.
O
aludido princípio estabelece que não se pode gastar além dos recursos
arrecadados, pelo menos isso é a regra consagrada nos países sérios e
civilizados, onde a estrita observância aos ditames constitucionais não
comporta o vergonhoso jeitinho brasileiro de justificar o seu descumprimento
tão somente em razão da "... penúria
financeira dos nossos Estados...", quando a regra que enquadra o crime
de responsabilidade é exatamente para se evitar a banalização das contumazes irresponsabilidades
dos agentes públicos, quanto ao abusivo desprezo às normas aplicáveis à
execução dos orçamentos públicos.
Causa espécie o ex-ministro se referir à ideia
sobre nova eleição para a escolha de novo presidente, quando a situação fática
delineada não acena para tal possibilidade, eis que as medidas adotadas ao caso
se coadunam com os acontecimentos exatamente previstos na Carta Magna, que não
comportam nada diferente do que se encontra posto.
É
muito estranho que o ministro que se notabilizou pela rígida observância do
texto constitucional tenha, agora, interpretação que, em princípio, não condiz exatamente
com a realidade dos fatos, porque as decisões adotadas até agora pelo Congresso
Nacional estão em completa harmonia com os entendimentos esposados pela Excelsa
Corte de Justiça, que, em momento algum, aventou o possível desvio de conduta
dos intérpretes sobre os fatos ensejadores do impeachment em causa, o que
conduz, necessariamente, ao entendimento de que as ilações do nobre ministro se
encontram absolutamente equivocadas, justamente por elas não se conformarem com
as regras jurídicas insculpidas na Lei Maior do país.
É induvidoso que a avaliação do ex-ministro denota
absurda condescendência com a impunidade, porque o crime de responsabilidade,
previsto na Constituição, enquadra com clareza o presidente que descumprir as
regras orçamentárias, ex-vi do disposto no art. 85, VI, que não diz o que seja
forte ou fraco a justificar qual a intensidade do crime de responsabilidade seja
suficiente para afastar o presidente, ficando claro que a inobservância à lei
orçamentária, que é o caso configura, atenta contra a norma prevista no aludido
dispositivo constitucional, o que afasta a sua interpretação para o fim de contribuir
para a impunidade e o estímulo à reincidência de casos semelhantes.
É
evidente que as pessoas têm pleno direito de se manifestar e opinar,
notadamente nas suas áreas de atuação, com o fito de aclarar situações
nebulosas, mas, no caso em comento, a interpretação foge do padrão apropriado de
respeitabilidade, haja vista que o cerne da questão não se enquadra exatamente
ao caso concreto, eis que os parâmetros invocados in casu padecem de sustentação jurídica, principalmente pelo vago
entendimento acerca da proporcionalidade que ainda inexiste na norma jurídica
pátria. Acorda, Brasil!
ANTONIO
ADALMIR FERNANDES
Brasília,
em 16 de maio de 2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário