domingo, 29 de maio de 2016

"O crime não vencerá a Justiça"


 “Necessitamos de uma reforma de nós mesmos, do nosso caráter, do nosso patriotismo e do sentimento de responsabilidade cívica”. Joaquim Nabuco, abolicionista

Muitos brasileiros se notabilizam, no seu tempo, por defenderem determinada causa, sob o entendimento de que é da sua obrigação se empenharem em defesa das minorias prejudicadas pela arrogância e hipocrisia, em evidente demonstração da supremacia de classes sociais sobre seus semelhantes menos compartilhados pelo poder, que sempre esteve ao alcance de poucos.
Outros brasileiros cuidaram de personificar o espírito de vanguarda, quando defenderam, por justa causa, medidas de moralização muito à frente do seu tempo, em épocas remotas onde havia a preponderância do atraso e das trevas que obstaculizavam o aproveitamento da evolução da humanidade e a solução das questões sociais, que já contavam com o respaldo da classe política bastante ultrapassada e obtusa, que insistia na permanência do atraso, à vista da sua mentalidade atrelada aos seus interesses e às suas conveniências, em detrimento dos interesses públicos.
          Separados por mais de um século, um abolicionista e uma ministra do Supremo Tribunal Federal se entrelaçaram pelos seus ideais republicanos, quando, no Império, o Senado Federal também já fazia o papel de Casa revisora do Parlamento, cujas decisões e propósitos já eram alvo de sérios questionamentos, a exemplo deste abolicionista, que disse: “Para o Senado, a política é uma distração. A função é outra. Os lutadores desinteressados que ele contém influem tanto no jogo da instituição como a bandeira de um navio nos movimentos da máquina”.
A mera distração política da atualidade em nada se diferencia do passado, conquanto os congressistas ainda influenciam muito mais em causa própria e muito menos em defesa dos interesses dos brasileiros, conforme evidenciam os fatos da vida real.
Já agora, nas palavras da referida ministra, ouviu-se dela brilhante intervenção na Corte Suprema, como que encarnando o abolicionista nos dias atuais, ao orientar seu voto pela manutenção na cadeia do ex-senador e ex-líder do governo no Senado, quando mandou recado direto aos parlamentares que se respaldam no abominável e inadmissível foro privilegiado para perpetrar crimes os mais absurdos possíveis, tendo ela sentenciado: “Um aviso aos navegantes dessas águas turvas de corrupção e iniquidades: criminosos não passarão a navalha da desfaçatez e da confusão entre imunidade e impunidade e corrupção. Em nenhuma passagem, a Constituição Federal permite a impunidade de quem quer que seja. O crime não vencerá a Justiça”.
A ministra foi ainda mais enfática, ao afirmar que “Houve um momento em que a maioria de nós brasileiros acreditou que a esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a ação penal 470 (do mensalão) e descobrimos que o cinismo venceu a esperança. E agora o escárnio venceu o cinismo”, em referência clara à forma medíocre como as atividades públicas insistem na escalada da degeneração dos princípios da moralidade, honestidade e dignidade.
Na atualidade, a política tupiniquim vem produzindo tamanha desfaçatez, muito embora há a impressão, nem sempre pacífica, de que já foram vistos os piores dos cenários da vida pública, mas os novos tempos são pródigos em mostrar que ainda é possível o surgimento de situações das mais implausíveis, obviamente graças à farta ousada degenerativa dos políticos tupiniquins.
É absolutamente inconcebível que, em pleno século XXI, um senador da República, poderoso líder do governo, com maior prestígio no exercício do mandado, tenha a ousadia para arquitetar a engenhosa fuga de criminoso confesso preso na Operação Lava-Jato, com o apoio financeiro de um banqueiro e um pecuarista, sendo que este é amigo, compadre e possuidor de passe livre ao gabinete de ex-presidente da República, mas isso é apenas o retrato do nível de congressistas, dando a entender que eles são capazes de toda forma de indignidade.
Para mostrar o verdadeiro grau de desordem do Legislativo, o então presidente da Câmara dos Deputados teve a audácia de articular, em plena luz solar, a escolha de como, quando e quem deveria conduzir a sua investigação e o seu julgamento no Conselho de Ética da Casa, em clara demonstração da balbúrdia, esculhambação e afronta aos princípios do decoro, da dignidade, da legalidade e da moralidade, que somente são inobservados nas republiquetas.
Os fatos mostram a total decadência ética e moral no seio do Parlamento, tendo atingido níveis insuportáveis de tolerância, cujas consequências são a baixa produtividade de projetos em benefício da sociedade, que precisa se conscientizar sobre a urgente renovação do quadro político, com a inserção de novas lideranças e de novos métodos de trabalho em prol da população, como forma de oxigenação das atividades legislativas e da melhoria de atendimento do interesse público. Acorda, Brasil!
          ANTONIO ADALMIR FERNANDES
          Brasília, em 29 de maio de 2016

Nenhum comentário:

Postar um comentário