quinta-feira, 14 de julho de 2016

A inviolabilidade e a impunidade


Na qualidade de membro efetivo das investigações da Operação Lava-Jato, o presidente do Senado Federal achou por bem desengavetar e acelerar a tramitação de projeto de 2009, que prevê punições a crimes de abuso de autoridades por agentes da administração pública e membros do Judiciário, Ministério Público e Legislativo.
Por óbvio, muitos dispositivos da proposta estão em plena sintonia com reclamações de parlamentares sobre a condução de ações da Polícia Federal e da força-tarefa da citada operação.
A título ilustrativo, há um artigo que prevê punição para o cumprimento de mandados de busca e apreensão de forma vexatória.
Há pouco tempo, o presidente do Senado criticou o procurador-geral da República, por considerar que ele havia “extrapolado” seus limites constitucionais ao pedir a prisão e a emissão de mandados de busca e apreensão de senadores no exercício do mandato, dando a entender que os congressistas são invioláveis e inatingíveis enquanto estiverem no exercício do mandato parlamentar.
Outro dispositivo da proposta determina detenção para cumprimento de diligência policial em desacordo com as formalidades legais, conquanto o Senado recentemente protocolou reclamação no Supremo Tribunal Federal contra um juiz de primeira instância, por ele ter promovido busca e apreensão no apartamento funcional de uma senadora pelo PT-PR, que visavam a pessoa do marido da parlamentar, em situação de absoluta regularidade.
A referida petista e outros senadores também reclamaram do constrangimento que a ação da Polícia Federal teria causado, quando prenderam preventivamente o ex-ministro do Planejamento, na frente dos filhos menores de idade. Novamente em semelhança ao caso, um artigo da proposta contra o abuso de autoridade prevê detenção por ofensa à intimidade e à vida privada.
O projeto prevê ainda punição para a quem negar, sem justa causa, acesso da defesa à investigação. Advogados de um senador pelo PMDB-RR, então ministro do Planejamento e alvo da força-tarefa, chegaram a recorrer à Procuradoria Geral da República para ter acesso ao conteúdo das conversas gravadas entre ele e o ex-presidente da Transpetro, subsidiária da Petrobras, onde o senador afirma que era preciso “estancar a sangria”, numa referência direta à Lava-Jato.
Questionado sobre a ressuscitação do projeto em tela, o presidente do Senado negou que a proposta tenha como objetivo “interferir no curso” da Operação Lava-Jato, que tanto estrago vem fazendo à imagem de políticos inescrupulosos, que se preocupam com o combate à impunidade.
Não obstante, ao tratar da lei de delações, o senador alagoano deixou muito claro que é “preciso ter regras” para a colaboração premiada, tendo dito que “Não vou mudar a lei de delação, apesar de entender que ela precisa e pode ser modificada. Não é uma lei de 12 tábuas que vai valer eternamente da forma que se fez. A delação premiada precisa ter regras porque, se não, ela compensa o crime. O que estamos vendo são pessoas que se entregaram ao desvio de dinheiro público, amealharam milhões e milhões, depois faz uma delação orientada pelo advogado e negociada com as autoridades, entrega parcela que desviou e salva outra parte”, ou seja, há o pensamento segundo o qual toda delação será castigada.
Cada vez mais sendo incomodados com as investigações no âmbito da Operação Lava-Jato, os parlamentares estão cuidando de dificultar ao máximo as apurações sobre os fatos denunciados, procurando impedir que sejam reveladas as podridões que os envolvem, conforme mostram os fatos.
O senador alagoano criticou vazamentos de depoimentos, tendo afirmado que, “Nos EUA, se a delação vazar, perde a eficácia, é anulada. Aqui, no Brasil, vaza-se de propósito para forçar um julgamento do Judiciário e da opinião pública. Liberdade de expressão não é só para os meios de comunicação, é para todo mundo.”.
Em outra frente, o procurador-geral da República fez críticas ao que ele chamou de tentativa de acordões e manobras políticas para impedir o avanço da Lava-Jato, à vista das manobras ensaiadas por parlamentares para criar embaraços às investigações.
Um artigo específico do projeto em referência trata de grampos telefônicos e prevê detenção para quem reproduzir ou inserir nos autos diálogo de um investigado com outra pessoa que seja protegida por sigilo.
Essa situação relembra o vazamento da conversa entre o ex-presidente da República petista e a presidente afastada sobre o termo de posse para ministro da Casa Civil, sob a alegação de que a presidente da República não poderia ter sido grampeada, embora o alvo do grampo era o petista, que não tinha foro.
Não há a menor dúvida de que os parlamentares incomodados com as frutíferas investigações da Operação Lava-Jato vão apresentar propostas as mais variadas possíveis na tentativa de fechar o cerco às apurações que estão revelando as falcatruas e as sujeiras que tanto prejudicam a sua reputação como políticos inescrupulosos e sem o menor pudor com o compromisso em defesa do decoro, da ética e da moralidade.
As pessoas honestas e dignas se esforçam para que as investigações a cargo da operação em apreço tenham as maiores profundidade e abrangência possíveis, de modo que possam ser reveladas as irregularidades envolvendo recursos públicos, não importando a participação de quem quer que seja, porque o interesse público sobrepõe à vontade de políticos interessados em defender suas causas.
À toda evidência, a atitude do senador alagoano é apenas compatível com o nível dos parlamentares tupiniquins, no sentido de tentar dificultar o máximo possível os trabalhos das instituições competentes, quanto às investigações sobre fatos inquinados de irregulares, de modo a contribuir para a banalização da impunidade e da permanência da bandidagem no exercício de mandatos públicos eletivos, em clara demonstração de repúdio às atividades necessárias à moralização da administração pública. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
          Brasília, em 14 de julho de 2016

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