sexta-feira, 8 de maio de 2020

A irrelevância do estadista

Recentemente, escrevi a crônica intitulada “A República esvaída em lágrimas”, denunciando a situação das mais humilhantes e degradantes para a história político-administrativa do Brasil, em que o mandatário da nação cede à negociata com o Centrão, grupo informal do Congresso Nacional, sobre a integridade moral da sua gestão, em dissonância com os princípios defendidos publicamente por ele, como importante promessa de campanha eleitoral.
Deixei evidente a tristeza pela perda da luta por mudanças e moralização da administração pública, que não teria passado de verdadeiro engodo e estelionato eleitoral, fato da maior gravidade para o destino dos brasileiros que se despedem, de forma melancólica, da esperança de enxergar o Brasil livre de aproveitadores da coisa pública, eis que esse câncer já passou a ser oficializado pelo próprio governo, com a efetivação de nomeações em órgãos importantes da administração pública.
Em razão desse texto, um nobre e estudioso dos assuntos da política, meu conterrâneo defensor emérito da gestão sob decência e responsabilidade, fez o seguinte comentário: Caro amigo bem equilibrada sua crônica e queria manifestar minha visão sobre isso. Todos nós que voltamos em Bolsonaro sabíamos que, mesmo querendo romper com esse esquema bem conhecido de todos, ele não conseguiu. Além de não ter conseguido maioria no Congresso tem também o Supremo impedindo ele de desempenhar seu papel. STF e Congresso juntos paralisaram o Executivo de vez, ou seja, ou ele abre ou não governa. Nosso sistema político é de uma estupidez sem tamanho. Se ele ainda quiser aprovar alguma coisa vai ter que ceder ou entregar o governo para essas hienas. Um grande abraço!”.
A análise em tela, no momento, pode até a levar à interpretação de que não tem outra alternativa para o presidente governar o país, apenas precisando ser notado detalhe especial e importante de que o verdadeiro suicídio do presidente foi ter feito o acordo com o famigerado Centrão para a exclusiva blindagem do seu possível processo de impeachment, que não tem nada com necessidade da gestão pública, na essência, ou seja, busca-se com proteger o presidente contra o seu impeachment, o que é absolutamente inadmissível em país com o mínimo de dignidade, por envergonhar os homens com o mínimo de honradez e dignidade.  
Lamentavelmente, isso não pode ter sustentação de legalidade nem moralidade, por envolver interesse pessoal, com sob os auspícios de recursos públicos, que precisam se destinar ao custeio de políticas essenciais e prioritárias do Estado, para a satisfação das necessidades estritamente públicas, quando, o que o presidente fez, tem o nome de vergonhoso e excrescente, com o envolvimento de dinheiro do contribuinte, que não pode permitir que o seu sacrifício possa sustentar interesse pessoal do mandatário brasileiro.
Agora, fica feio e insustentável também a quebra da palavra do presidente de que, de forma alguma, ele se aproximaria da "velha política" e isso o desmoraliza, definitiva e irremediavelmente, porque ele decide jogar no lixo um princípio que foi a espinha dorsal da sua meta eleitoral, ao garantir que não fazia aliança, de maneira alguma, com partidos da esquerda, do centro ou Centrão.
Para as pessoas honradas, isso desmoraliza o governo, exatamente por se tratar de cristalino desvio de finalidade, diante do fato de que só houve o acordo porque o presidente precisa de base forte no Congresso, para a proteção da sua pessoa, como político, que somente será possível se houver a operação: "é dando que se recebe", segundo a famosa oração franciscana.
Acreditando sempre na palavra do presidente, jamais eu imaginaria de escrever texto tão contundente e tratando de tema relacionado especificamente com a desmoralização da gestão de recursos públicos, diante das reiteradas promessas de que a seriedade e o zelo com a coisa pública deveriam de imperar no novo governo, que não teve condições de enfrentar o tranco, com as próprias pernas, sabidamente na maneira absurdamente desastrada como o presidente consegue se manter em evidência, conduzindo o governo aos trancos e barrancos.
O presidente se esquece de que ele precisa, muito urgentemente, se conscientizar de que o estilo que ele escolheu para se “divertir” com os jornalistas e até mesmo com outros poderes da República, tem enorme distanciamento do que seja o verdadeiro estadista cônscio do cumprimento da sua nobre missão de príncipe da República, que exige sobriedade, autoridade, respeito, responsabilidade e, sobretudo, conscientização sobre os elevados projetos nacionais.
Nos países sérios e evoluídos do mundo, em termos político-administrativos, seus presidentes não ficam diariamente e a todo instante em evidência na mídia, distribuindo matéria que tem servido muito mais para chacotas sobre o que acontece com ele, que, em todo contato com a imprensa, sempre resulta enormidade de assuntos que resultam em nada ou em algo que somente evidencia a inutilidade de mandatário que está muito mais interessado em se divertir com os meios de comunicação do que propriamente estudar, equacionar e adotar providências para a solução dos graves problemas que grassam no Brasil afora.
Cite-se o dramático enfrentamento do combate à pandemia, em ele já demonstrou, não só para o Brasil, mas também para o mundo, que tem sido ativo protagonista que muito mais atrapalha do que ajuda, dando constantes entrevistas e ainda participando de atos absolutamente contrários às orientações, em princípio, indispensáveis à melhor condução das políticas pertinentes ao combate ao coronavírus.
No que se refere à pandemia do coronavírus, o presidente do país, além de não participar diretamente das atividades inerente à execução das políticas pertinentes à matéria de que se trata, ele teria obrigação de ser modelo número um do país para ajudar no fiel cumprimento das orientações sobre como se evitar a disseminação do vírus, entre outras medidas que não atrapalhassem o bom andamento do combate à pandemia.
Com absoluta certeza, o presidente da República, pelo que ele vem demonstrando, no momento, não passa de tosco arremedo de estadista, na verdadeira acepção do líder que precisa cuidar com carinho e zelo dos assuntos relacionados às políticas nacionais, com vistas à plena satisfação do interesse público, independentemente do que fazem ou deixam de realizar os outros poderes, porque cada qual precisa desempenhar a sua missão da melhor forma possível.
É preciso que o presidente brasileiro tenha a real consciência sobre o verdadeiro papel do estadista moderno, que, além de ser fiel cumpridor das promessas de campanha, por ser conduta de homem público diante do eleitor, que piamente creditou nele, depositou seu voto e o elegeu na esperança de que a palavra dele, enfim, seria mantida, não importando as circunstâncias, o seu desempenho como chefe do Executivo deixa de corresponder às expectativas do que se espera de administrador voltado exclusivamente para os assuntos de relevância do Estado, evitando estímulos desnecessários aos circos patrocinados diariamente, apenas para o deleite da imprensa, enquanto as questões propriamente de governo estão muito aquém do esperado pela sociedade, conforme mostram os fatos.
          Brasília, em 8 de maio de 2020

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