segunda-feira, 11 de maio de 2020

O fim da moralidade?


Há pouco dias, escrevi a crônica intitulada “A República esvaída em lágrimas”, versando sobre situação das mais tristes e degradantes para a história político-administrativa do Brasil, em que o presidente brasileiro negociou com o Centrão, grupo informal do Congresso Nacional, sobre a integridade moral da sua gestão, em contrariedade aos princípios da ética e da moralidade defendidos por ele, em público, em forma de importante e concreta promessa de campanha eleitoral.
No texto, ficaram bastante claras a decepção com o mandatário tupiniquim e a tristeza pela perda da luta por mudanças e moralização da administração pública, inclusive classificando tal medida como autêntica demonstração de cilada e estelionato eleitoral, por tratar-se de fato da maior gravidade para o destino dos brasileiros, que ansiavam por reais mudanças da mentalidade dos homens públicos, no sentido da conscientização de que realmente a “velha política” é a depravação das práticas e o emporcalhamento definitivo da administração pública.  
Com tal medida é decretado o distanciamento, de forma melancólica, da esperança de enxergar o Brasil livre dos eternos aproveitadores da coisa pública, eis que esse câncer da desmoralização da administração pública, com a implantação do vergonhoso sistema do “toma lá, dá cá”, passa a ser efetivamente oficializado pelo próprio governo, com o início já efetivada das nomeações e posses de indicados pelo Centrão em órgãos e entidades importantes da administração pública, a exemplo do DNOCS e outros.
Em razão desse texto, ilustre defensor do governo houve por bem contestar os termos da aludida crônica, tendo afirmado, ipsis litteris: “Possivelmente "estaríamos em lágrimas" - aí, sim, de desespero, e não figuradas - se o Haddad houvesse ganhado as eleições!!! OU NÃO? Talvez nunca seja demais lembrar que com o petista estaríamos nos venezuelando rapidamente! Ou não? Sendo repetitivo: esse cara ganhou as eleições contra um sistema cleptocrata de séculos! Seculos! Contrariando a "nossa triste realidade", o governo desse cara não promoveu nem UM escândalo de corrupção. Esse cara foi traído por fora e por dentro. O que querem os "entristecidos"? Milagres? O "milagre" já aconteceu. E foram os nossos anseios, nosso quase desespero, a nossa santa ira, a nossa esperança que o produziu: a eleição democrática de um cidadão que, pelo menos, fala em honestidade, decência, pátria, liberdade etc. A política é a arte do possivel. Churchil disse que, para derrotar Hitler, se aliaria ao diabo!”.
Em resposta ao referido comentário, eu afirmei que as pessoas sensatas, que não têm nada de entristecidas, mas que estão focadas da realidade dos acontecíamos, na palavra do homem público, que foi literalmente jogada na vala da podridão, em total desprezo à promessa de campanha, que precisa ser respeitada, custe o que custar, sob pena da perda definitiva da credibilidade.
Causa espécie que ainda têm pessoas que parece ter dificuldade para entenderem situação extremamente deplorável, como a que foi analisada no texto em referência, que mostra a indiferença ao princípio da moralidade, que é essencial na gestão pública.
Infelizmente, como eu gosto de escrever sobre os fatos da atualidade, não me preocupo em fazer comparação que não me ajuda a concluir sobre a realidade atual, que é simplesmente palpável, verdadeira e imutável, não cabendo ilações ingênuas na presunção de tentar justificar atrocidade ao princípio da moralidade, como que querendo concordar com o mal feito, porque haveria choro de verdade se o candidato da oposição tivesse ganho, quando, por certo, as irregularidades, é assim, fariam sentido de ser marcantes e dolorosas,.
Decorrentemente, é lamentável que as negociatas com o Centrão, objetivando tão somente blindar possível processo de impeachment do presidente, com o envolvimento de recursos públicos, possam ser toleráveis, aceitas normalmente, já que o grande capitão derrotou o candidato do PT e agora ele sempre terá carta branca para tudo, inclusive para quebrar a palavra  de campanha e ainda merecer os aplausos, por ser o novo herói da pátria amada.
É de causar estarrecimento a visão e o posicionamento como vistos acima, com a magnanimidade de interpretação de fato gravíssimo tendo a sua dimensão suavizada e relevada diante da bravura do presidente do país, que teria sido beneficiado por estrondoso milagre, ao impedir que o Brasil se encaminhasse para a “venezuelanização”, evidentemente na presunção de que isso se efetivaria se o opositor dele tivesse sido o vitorioso.
Trata-se de patética situação que jamais pudesse se imaginar que seria possível de acontecer, no sentido de que o presidente da República possa ser isento de censura, recriminação pública, por ter tido o mérito de “trucidar”, nas urnas, seu opositor, considerado ofensivo aos interesses nacionais, na opinião de seguidores do mandatário.
Pode-se reafirmar a tristeza, aqui no sentido literal, de se perceber que muitos brasileiros ainda se permitem encontrar desculpas absolutamente desconectadas com a realidade e sem fundo de plausibilidade, na vã e enganosa tentativa de querer justificar atitudes completamente insanas na gestão pública, notadamente porque é princípio que o presidente da República, que tenha derrotado pessoas boas qualificadas ou até mesmo o cão das maldades, só tem um caminho a seguir, que é trabalhar sob o rigoroso cumprimento do ordenamento jurídico do Brasil, em estreita sintonia com os princípios republicano e democrático, com o único propósito de administrar em sintonia com a satisfação do interesse público.
          Qualquer outra forma de gestão, que divirja desse parâmetro de conduta retilínea com base nos princípios republicanos, não pode merecer o beneplácito da sociedade, porque, contrariamente a isso, como a ingênua e insensata ideia de se perdoar o presidente, por seu erro, em razão de ele ter sido capaz de derrotar suposto candidato que poderia levar o país à derrocada, quando tudo isso não passa de conjectura, por mais que ela fosse factível, não tem o menor cabimento nem sustentabilidade razoáveis.
          Ademais, convém se ressaltar que, nos países sérios e evoluídos, em termos político-administrativos, só se pronuncia o verbete moralidade para evidenciar efetivamente gestão proba, que não comporte, por hipótese alguma, nenhum jeitinho, como esse espúrio acordo com o famigerado Centrão, como forma de governo, por isso passa a ser decadente e deplorável, sob o prisma dos princípios republicano e democrático.
Enfim, o que interessa mesmo, para a consolidação dos princípios democráticos, é a conscientização de que a maioria dos eleitores escolheu seu candidato que imaginava que ele tivesse o seu perfil de integridade e moralidade e acreditou que ele não seria capaz de patrocinar a grave sujeira por ele finalizada, ao se juntar ao bloco de políticos suspeitos de praticar atos ilícitos, visando ao aproveitamento da coisa pública, em benefício diferente do idealizado para a satisfação do interesse público.   
À todo evidência, o esdrúxulo e lastimável acordo formalizado com o Centrão macula, inapelavelmente, a administração do governo atual, uma vez que se trata de gravíssimo desvio de moralidade que caracteriza imperdoável irregularidade na gestão pública, com a dureza da materialização do indecente loteamento de cargos públicos, com viés nitidamente pessoal, para o sepultamento da confiança que fora colocada nas urnas por eleitores honrados e dignos.
Em síntese, o presidente da República, ao se desviar do prumo do alinhamento dos princípios da ética, moralidade, legalidade, entre outros que regem a coisa pública, em junção com a quebra do compromisso de campanha, nega, em definitivo, importante propósito que visava satisfazer à ansiada mudança da administração pública, que deveria passar sob a égide do exclusivo atendimento do interesse público.
          Brasília, em 11 de maio de 2020


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