Com a exoneração do ministro da Saúde, o discurso mais
triunfalista que se ouve no Palácio do Planalto é o de que o presidente da
República vai providenciar a mudança do protocolo médico que ele vem defendendo,
há algum tempo, mas não havia encontrado o devido respaldo por parte dos
ex-titulares da pasta.
Com essa finalidade, o presidente pretende manter o
general que vinda sendo o segundo na hierarquia do órgão, que não é médico,
como ministro interino da Saúde, pelo tempo necessário para que ele finalize e
aprove o projeto dos sonhos do governo, qual seja o uso da cloroquina no
combate ao coronavírus.
Tem sido aventado, nos bastidores palacianos, que o
presidente está convencido de que, na interinidade, o ministro assina a mudança
no protocolo da cloroquina, na forma cogitada por ele, diante dos alertas de
que nenhum médico de renome concordará com essa ideia.
Isso porque, nesse caso, há forte temor de que o
protocolo pretendido pelo presidente poderá ser questionado na Justiça, com eventual
implicação criminal para médico que assinar o ato, podendo responder perante o
conselho da sua classe, em razão de ainda não haver segurança plena quanto à eficácia
desse remédio, com base nos estudos realizados, a ponto de garantir benefício para
o paciente, que ainda corre o risco de ser afetado por seus efeitos colaterais,
principalmente com o surgimento da arritmia.
Pelo sim, pelo não, o governo foi alertado por
parlamentares sobre a necessidade de melhor avaliação quanto à mudança do
protocolo, diante da possibilidade de o seu uso vir a causar perigo à sociedade.
Diante da possibilidade de potencial risco para a
saúde da população, os generais do governo temem que a decisão adotada por um militar,
inclusive sem possuir a devida especialização médica, possa via a prejudicar a
imagem das Forças Armadas, à vista de se tratar de decisão de mudança de
protocolo sem o necessário respaldo científico, fato que poderá implicar enorme
repercussão negativa quanto à imagem política do presidente junto ao Congresso
Nacional.
Embora tendo sido alertado sobre possíveis
desgastes ao governo e às Forças Armadas, o presidente não arreda um milímetro
do seu megaprojeto do uso da cloroquina, mesmo correndo possíveis riscos e
críticas, ou seja, ele vai pagar para ver se vale a pena a sua teimosia, que
considera importante para a imagem do seu governo, por se tratar de medida que
tem o apoio popular.
Ainda
não se sabe se a informação é ou não verdadeira, mas dizem que estudos mais
consistentes evidenciam que a cloroquina só surte efeito se aplicada desde o
início do tratamento, mas sob o alerta de que o seu uso prolongado pode causar
efeitos colaterais graves, com degeneração de outros órgãos importantes, principalmente
com maior risco para pacientes cardíacos.
Há
entendimento médico de que a cloroquina não se toma normalmente por longo
período, mesmo durante o tratamento de Covid-19, à vista do perigo de seus
efeitos colaterais.
Isso
pode ter fundo de verdade, porque, no protocolo vigente, com autorização governamental
para paciente com a doença em estado moderado ou grave, há obrigatoriedade da
assinatura dele do termo de responsabilidade, com o que se deduz sobre o explícito
risco de consequências graves, porque, ao contrário, esse termo seria
absolutamente dispensável, principalmente diante da gravidade do seu estado de saúde.
Também
pode ser verdade ou não, mas dizem, por meio de notícia publicada nas redes
sociais, que parecer da Sociedade Brasileira de Imunologia, datado de 18 de maio,
em documento assinado por 22 membros do comitê cientifico e da sua diretoria,
dizendo não haver resultados científicos sérios comprovando o efeito do
medicamento contra Covid-19, mas acentuadas evidencias de efeitos colaterais
perigosos.
A
referida instituição entende que, à vista da existência de pesquisas sérias em
andamento, a sua posição é a de se aguardar os resultados pertinentes.
No
editorial de o jornal O Globo, edição de hoje, consta excerto que diz
textualmente o seguinte “Politizar uma epidemia ou um medicamento, como faz
o presidente, é atuar para levar mais pessoas às emergências e aumentar o
número de mortes, que já passa de 16 mil no país. No campo da ciência, ainda
não há uma bala de prata contra a Covid-19. Sem vacinas ou drogas apropriadas,
o remédio para conter a disseminação da doença, segundo especialistas, é o
isolamento social. Solução que não faz parte do infundado receituário de
Bolsonaro.”.
À
vista das ponderações e até mesmo das críticas por parte de especialistas, como
as do primeiro ministro da Saúde exonerado, e meios de comunicação, a exemplo dessa
acima, conviria que o governo se houvesse com cautela e prudência na adoção no novo
protocolo sobre o uso da cloroquina, para se evitar possíveis e naturais
questionamentos, em caso de eventual prejuízo causado à sociedade.
A
propósito, o referido ex-ministro declarou o seguinte: “Começaram a testar
pelos (quadros) graves que estão nos hospitais. Do que sei dos estudos
que me informaram e não concluíram, 33% dos pacientes em hospital, monitorados
com eletrocardiograma contínuo, tiveram que suspender o uso da cloroquina
porque deu arritmia que poderia levar a parada cardíaca”.
Em crônicas recentes, fiz questão de alertar no
sentido de que as decisões importantes nessa guerra de combate ao coronavírus
precisam do respaldo no estudo pertinente, por envolver vidas humanas, cujas
medidas adotadas exclusivamente com base no achismo podem levar para desastre
ainda maior, com prejuízos incalculáveis para a população.
O governo com o mínimo de competência e responsabilidade,
já teria providenciado estudos, por meio de especialistas da área, para mostrar
à população que a sua decisão teria, pelo menos, indícios de credibilidade e
segurança, em condições de assegurar, mesmo que minimamente, a certeza da
tentativa de se promover alguma ação da alçada do governo, que não pode se
omitir diante de tamanha catástrofe, mas também não pode se ariscar em seara
desconhecida e sob a possibilidade de perigo ainda maior, à vista da inexistência
de estudos garantindo a eficácia do uso do produto.
É verdade que se trata de situação de verdadeira
guerra contra inimigo perigoso, mas o bom senso e a racionalidade são
princípios indispensáveis aos governos sérios e responsáveis, que não podem
permitir que a população possa servir de cobaia, sob possível risco, quando há recurso
ao seu alcance a oferecer o mínimo de segurança e credibilidade às ações pretendidas.
Brasília,
em 19 de maio de 2020
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