sábado, 2 de maio de 2020

Respeito aos princípios como fim


Diante de crônica da minha autoria, versando sobre a decisão de um ministro do Supremo Tribunal Federal, que determinou ao presidente da República a suspensão da nomeação do diretor-geral da Polícia Federal, por ele entender que não foram observados, no respectivo ato, os princípios constitucionais da moralidade, da impessoalidade e do interesse público, houve manifestação de alguns seguidores sobre o tema.
Ganha relevo entre os comentários o de um nobre conterrâneo de Uiraúna, Paraíba, que, com muita lucidez, expôs a sua opinião nestes termos: “Caro amigo, me angustia ver tanta intromissão no poder executivo nesse país. tudo que o presidente quer fazer ou o congresso ou o supremo impede.se isso não e tentativa de golpe branco não sei...desde quando o presidente não pode indicar seu primeiro escalão? se o indicado não for qualificado tudo bem, mas baseado em ilações e um absurdo, se quer deixam o cidadão mostrar seu trabalho já o condenam. porque seria tanto medo? deve ser muito rabo preso! um  abraço!”.
Em resposta aos sinceros argumentos do arguto e angustiado comentarista, eu digo, com as devidas vênias, que se trata de questão que se expõe muito apropriadamente ao ponto de visto e à interpretação pessoal dos brasileiros, porquanto existe aquele que entende apenas que não há, no caso vertente, intromissão no poder Executivo e muito menos tentativa de golpe algum, mas sim a adoção de medidas jurídicas necessárias aos esclarecimentos dos fatos denunciados por importante ex-ministro do governo, no âmbito do pleno Estado Democrático de Direito, em que apenas se verifica o exercício do direito à elucidação de atos administrativos da gestão pública.
Vejam-se que o mencionado ex-ministro declarou que “O chefe do Executivo tentou interferir na Polícia Federal para acessar inquéritos sigilosos, que correm na corporação.”.
Além disso, segundo o ex-juiz, “o presidente teme processo em andamento no STF.”.
Ao examinar as declarações do ex-ministro, o procurador-geral da República concluiu que “A dimensão dos episódios narrados revela a declaração de Ministro de Estado de atos que revelariam a prática de ilícitos, imputando a sua prática ao Presidente da República, o que, de outra sorte, poderia caracterizar igualmente o crime de denunciação caluniosa.”.
Uma emérita constitucionalista declarou que, ipsis litteris: “Trata-se de um contexto em que se pode visualizar, com absoluta clareza e precisão jurídicas, os diversos crimes de responsabilidades cometidos pelo presidente da República.”.
A referida autoridade jurídica mencionou a prática de “crimes contra a probidade administrativa pública, como a expedição de ordens contrárias à Constituição, além da infração das normas legais no provimento dos cargos públicos culminando com procedimentos incompatíveis com a dignidade, a honra e o decoro do cargo, todos elencados nos incisos 4, 5 e 7 do artigo nono da Lei 1.079/1050. Tudo isso sem mencionar as infrações penais comuns, como falsidade ideológica e outras que ele já vem cometendo durante o estado de calamidade pública. É, definitivamente, um governo voltado, acima de tudo, ao protecionismo familiar, em detrimento do Estado brasileiro.”.
Por seu turno, um festejado criminalista disse que, in verbis: “as declarações são de absoluta gravidade e devem ensejar a responsabilização criminal do presidente.”.
O citado criminalista afirmou que, verbis: “o presidente estaria buscando aparelhar a Polícia Federal, nomeando pessoas de sua confiança, para que a instituição atuasse para satisfazer os seus interesses pessoais e ilegais, como a obtenção de relatórios confidenciais.”.  
Tenho opinião de que não se questiona ato administrativo quando ele se encontra perfeito e acabado, absolutamente revestido das formalidades legais, mas é preciso sim que se investigue quando houver o mínimo de suspeição, porque deve ser assim a funcionar a gestão digna e respeitada pela sociedade.
Nesse caso da Polícia Federal, ficou muito evidente que o presidente brigou com o ex-juiz para colocar no órgão pessoa da confiança dele, dando a entender que se tratava de mudança de chefia para atender interesse pessoal dele, posto que até alegou que gostaria de ver relatórios confidenciais, prática não permitida pela chefia anterior, que vinha fazendo excelente trabalho, o que significa que não precisava de mudança não fosse para atender interesse emergencial e circunstancial do presidente
Isso ficou muito claro nas explanações do ex-ministro, que até disse, em concordância com a pretensão presidencial extemporânea, ante a inexistência de causa aparente a justificar a medida, que a mudança fosse por outra pessoa com qualificação técnica para o cargo, mas o presidente não concordou, porque ele queria o servidor da sua indicação, a despeito da "carta branca" concedida ao ex-ministro, o que significaria que o presidente não poderia mexer na direção da Polícia Federal enquanto o ex-juiz estivesse no cargo, mas, mesmo assim, o presidente insiste na nomeação do seu afilhado e assina o respectivo ato.
O ministro se rende ao desejo do presidente e entrega o cargo logo depois da nomeação do eleito dele, dando a entender que se trata do envolvimento com questão pessoal e não com o interesse público, talvez para a facilitação de acesso às informações produzidas no órgão que não seria possível com a direção afastada e, sendo assim, cheira muito ruim e desagradável o ato presidencial, por ficar explícita forçação de barra que não condiz com a seriedade e a regularidade que precisam imperar no âmbito da administração pública.    
É preciso ficar claro que o presidente da República tem total competência para nomear todos os cargos do governo, desde o ministro até os diretores, mas o Brasil sabia sobre a existência da carta branca concedida ao ex-ministro, o que significa que somente em situação excepcional ele poderia mexer nos órgãos sob a subordinação do ex-ministro, salvo por concordância de ambos ou necessidade resultante de algum deslize prejudicial ao funcionamento da instituição, com prejuízo para o interesse público, em que o ministro não demonstrasse interesse em saná-lo.  
 Data vênia, eu penso que o caso em comento pode se tratar de abuso de autoridade, quando o presidente sempre aceita tudo, desde que isso satisfaça exclusivamente a sua vontade.
As manifestações de alguns renomados juristas, evidentemente acerca de fatos que ainda estão sendo apurados, a exemplo da oitiva do ex-juiz, hoje, levam ao sentimento de que se trata de questão que precisa ser analisada com cautela, sem essa de se dizer que alguém é sempre tratado como injustiçado ou coitadinho, sem a mínima mácula.
É preciso que os procedimentos sejam devidamente investigados, esclarecidos e julgados pelo órgão competente, no caso, o Supremo Tribunal Federal, para se saber realmente quem está com a razão, à luz das celeumas suscitadas com a saída do ministro que era considerado pelo presidente do país como patrimônio nacional e, de repente, passa a ser descartado, posto que ele foi obrigado a se afastar do governo em razão de simples nomeação de diretor de órgão, fato mais do que estranho, sob o prisma da gestão competente e eficiente.
No meu modesto modo de pensar, estando a Polícia Federal funcionando normalmente, como vinha, apresentando resultados excelentes, no exato cumprimento das suas funções institucionais e ainda satisfazendo plenamente o interesse público, a par da carta branca concedida livremente ao ex-ministro para a escolha de seus assessores, em respeito aos princípios democráticos, nada se justificaria qualquer mudança, quanto mais para satisfazer interesse pessoal.
Até se dizer ao contrário, por meio do inquérito em curso, a questionada nomeação, em princípio, tem as características de ato  imperfeito e ilegal, a ensejar a prática de abuso de autoridade, sendo condenável, em termos jurídicos, por contrariar os princípios da moralidade, impessoalidade e do interesse público, precisando que o presidente da República reveja seus atos para que eles se enquadrem no padrão aceitável de regularidade pela sociedade, que não suporta mais tanta truculência na administração pública brasileira.
Brasília, em 2 de maio de 2020

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