sexta-feira, 29 de maio de 2020

Demonstração de insensibilidade


O presidente da República disse, ao ficar sabendo que alguns veículos de comunicação deixaram de fazer a cobertura de notícias diretamente do Palácio do Alvorada. por questões de falta de segurança, que eles estão se vitimizando.
Conforme foi noticiado pela mídia, a Folha de S.Paulo, o UOL e os veículos do Grupo Globo deixaram a cobertura naquele local, após uma série de incidentes envolvendo os apoiadores do presidente, que ficam próximos do espaço destinado à imprensa, proferindo ameaças e agressões verbais, que se tornaram constantes e insuportáveis, a ponto de prejudicar o relacionamento entre ambos.
A Folha de S.Paulo decidiu suspender, temporariamente, a cobertura jornalística, até que o governo federal ofereça segurança aos profissionais de imprensa, sendo que medida idêntica também foi tomada pelo Grupo Globo, que abrange os jornalistas de suas emissoras de televisão, os jornais O Globo e Valor Econômico e o portal G1.
Ao terminar a entrevista, o presidente do país, em tom de provocação aos jornalistas, perguntou se não havia nenhum repórter dos veículos que tinham decidido não participar dessa cobertura, fazendo a pergunta: "A Folha não está mais aqui, não? O Globo não está? Estadão também não", com o que se seguiram risos de seus militantes.       
O jornal O Estado de S. Paulo também não compareceu nesta terça-feira.
Em seguida, ao ouvir explicação de um jornalista sobre a decisão de alguns veículos de não estarem ali por questão de segurança, o presidente houve por bem atacar esses grupos de mídia, afirmando que "Estão se vitimizando. Quando eu levei a facada, eles não falaram nada. Não vi a Folha falando quem matou o Bolsonaro". (A expressão “... falando quem matou Bolsonaro” foi copiada da reportagem do G1, exatamente nestes termos, não se precisando que o presidente teria dito exatamente isso, mas, se foi dito assim, o texto não corresponde à realidade, porque o presidente se encontra vivo).  
Logo em seguida, como forma de desmascaramento e ao contrário do informado pelo chefe do Executivo, a Folha de S.Paulo informou que se manifestou sobre a agressão ao então candidato à Presidência, em forma de editorial, de maneira imediata, condenando o ato de violência acontecido na campanha eleitoral.
No editorial intitulado "Repúdio Geral", o jornal afirmou, em 7 de setembro de 2018, que o "atentado contra Bolsonaro não tem acolhida num país que está comprometido com a democracia".
Em seguida, o presidente argumentou que nunca promoveu nenhum ato contra a mídia e que defende uma imprensa livre, tendo ressaltado que "Nunca persegui ninguém, mas o ditador sou eu", ou seja, nesse caso, ele aproveitou o ensejo para se vitimizar.
Em razão das agressões à parte da imprensa, o Gabinete de Segurança Institucional informou que "Continuaremos aperfeiçoando esse dispositivo, para que o local permaneça em condições de atender às expectativas de trabalho e de livre manifestação dos públicos distintos que, diariamente, comparecem ao Palácio do Alvorada.”.
Na nota, aquele gabinete afirmou que avalia "ininterruptamente as condições de segurança dos locais onde o presidente esteja ou possa vir a estar. Em decorrência desta avaliação, implementa as medidas necessárias e suficientes para garantir a segurança adequada.".
Com as vênias de estilo, essa decisão adotada por meios de comunicação, de se retirarem de local costumeiro de o presidente se relacionar com a imprensa, é da maior gravidade e diz muito com a sensatez e a sensibilidade da compreensão humana, diante das condições hostis estabelecidas no local, que é, pasmem, a entrada da casa do presidente do país, o que, por isso, demonstra total indiferença por parte dele, quando ele prefere, de maneira insensível à gravidade do fato, apenas caracterizar como sendo ato de vitimização o afastamento de meios de comunicação do local, dando a entender que é problema dos citados órgãos e não da segurança no local.
O presidente deixa de atentar para o fato grave, como mostrado pela mídia, de que os jornalistas e repórteres foram realmente agredidos verbalmente, de forma violenta, sem houvesse oficial nenhuma segurança para defendê-los, o que seria natural, repita-se, à vista de se tratar de local especial, onde não é permitido segurança particular.
À toda evidência, trata-se de situação que não condiz com os princípios de cidadania e civilidade, pelo menos na visão própria dos países com o mínimo de seriedade e evolução, em termos de sentimento humanitária, independentemente do relacionamento entre o presidente da República e as empresas ofendidas, porque é preciso distinguir a obrigatoriedade da segurança de trabalho, que é o caso, com as querelas existentes entre ambos, porque o bom senso e a racionalidade dizem que esses assuntos precisam ser resolvidos na esfera apropriada, como, se for caso, na via judicial ou em outro que possa contribuir para a sua solução civilizada, como tem sido feito, de forma normal e inteligentemente, nas nações desenvolvidas, que procuram resolver as questões o mais rapidamente possível, ao contrário do país tupiniquim, cuja autoridade máxima fica alimentando disputas a ad eternum, como se o caos possa oferecer benefício para alguém.
Mesmo que as empresas tivessem aproveitando o incidente da agressividade para se vitimizarem, não compete ao presidente fazer ilação nesse sentido e ainda com tamanho despropósito, em razão da relevância do cargo de estadista que ele exerce, que exige que, no mínimo, ele compreendesse a gravidade da situação e determinasse, de imediato, a adoção de medidas necessárias ao saneamento do problema, em oferecimento de garantia ao trabalho da imprensa, com total tranquilidade, segurança e conforto, com o que ele demonstraria sentimentos nobres de sensibilidade e inteligência.
Assim procedendo, o presidente evidenciaria espírito de tolerância e valorização do trabalho da imprensa, podendo até mencionar que, apesar das rusgas entre ele e as aludidas empresas, os fatos pertinentes não se confundem com a falta de condições de trabalho, que é imprescindível para a sociedade.
Ao se indagar se as referidas empresas de comunicação estavam presentes, provocando risos de todos, há evidência de sentimento de explícito sadismo, diante dos semblantes de incontidos prazer e satisfação em relação a algo que não é normal que aconteça, cuja circunstância exigiria que as empresas ausentes pudessem estar também ali, cumprindo regularmente o seu papel de trabalhar em benefício da sociedade, na forma de noticiar os fatos mais importantes também do país.
Trata-se de procedimento deplorável, diante da demonstração de alegria pela ausência de profissionais da imprensa, por força de situação nitidamente triste que, ao contrário, em governo sensato, cumpriria lamentar o ocorrido e adotar as medidas necessárias ao saneamento da questão e não ficar se vangloriando do infausto.
Ou seja, ao contrário de se valorizar ou se promover, no sentido de aparentar homem público com gesto de sensibilidade e nobreza, que poderia se materializar se houvesse aceitação e compreensão às queixas das empresas de comunicação, garantido pessoalmente a segurança para elas, o presidente preferiu acusá-las de promover a própria vitimização.
À toda evidência, isso só demonstra brutais indiferença e insensatez para situação da maior gravidade, além de ficar patente que ele achou foi bom que isso tivesse acontecido da forma animalesca e incivilizada nada admissível para os padrões de respeito, tolerância e compreensão que precisam prevalecer nas relações sociais e que o governo com o mínimo de sensatez jamais poderia ser complacente com ato dessa natureza.
Certamente que a maneira deselegante e desatenciosa do presidente da República, quando houve por bem entender que a questão em causa se trata de processo de vitimização, por parte das empresas de comunicação que alegaram falta de segurança, para deixarem de fazer a cobertura jornalística, na entrada do Palácio da Alvorada, só demonstra insensibilidade diante de situação extremamente delicada que, ao contrário, a sua solução contribuiria para elevar o moral do homem público, que tem consciência sobre a distinção dela de outros casos, porque realmente eles são diferentes.  
Brasília, em 29 de maio de 2020

Nenhum comentário:

Postar um comentário