Desde
o mês de março último, o presidente da República vem se articulando, em aproximação
no Palácio do Planalto, com os partidos que integram o chamado Centrão, bloco
informal que atua e tem muita influência nas decisões na Câmara dos Deputados,
que reúne parlamentares de legendas de centro e centro-direita.
O
grupo é menos conhecido por suas bandeiras e mais pela característica de se
aliar a governos diferentes, independentemente da ideologia, tendo por objetivos
a obtenção de vantagens para apoiar os projetos do governo no Congresso Nacional,
ou seja, em obediência ao famigerado e abominável esquema conhecido como o “toma
lá, dá cá”, bastante familiar dos governos anteriores ao atual.
O
Centrão é muito poderoso na Câmara, em razão da sua composição superar a 260
parlamentares, que é a maioria absoluta dessa Casa, com a seguinte configuração:
PP (40 deputados), PL (39), Republicanos (31), Solidariedade (14) e PTB (12). O
PSD (36), o MDB (34) e o DEM (28) também costumam estar alinhados com o grupo,
assim como partidos menores, incluindo PROS (10), PSC (9), Avante (7) e
Patriota (6). Dados da imprensa.
De
acordo com a proposta em discussão, os votos desse bloco podem corresponder até
à metade dos 513 parlamentares e serem decisivos na aprovação ou rejeição de
uma matéria de interesse do governo, inclusive a possível proposta de impeachment
do presidente.
Na
tentativa de se angariar esse importante apoio para o lado do governo, como já
aconteceu com bastante sucesso em outras gestões, as negociações entre o Palácio
do Planalto e o Centrão envolvem a distribuição de cargos aos partidos, que
terão o direito de indicar aliados para as vagas liberadas e participar normalmente
do governo.
Segundo
levantamento, o governo imaginou a estratégia inicial de garantir a aprovação
de medidas especialmente na área econômica, após a crise do coronavírus, mas,
com a abertura de inquérito pelo Supremo Tribunal Federal, com base nas declarações
do ex-ministro da Justiça, de que o presidente tentou interferir na Polícia
Federal, o Palácio do Planalto ampliou seus planos para garantir base aliada
sólida que possa barrar eventual processo de impeachment, conquanto isso implica
na cessão de mais benesses para os parlamentares sem o menor escrúpulo em
vender as suas consciência e dignidade, em troca de cargos no governo, diante da
certeza do usufruto das benesses daí decorrentes.
Nos
jornais recentes, apareceram o presidente brasileiro e um dos presidentes que
integra o Centrão, que atua na linha de frente dessa instituição sem escrúpulo,
em que ambos estavam com sorriso orelha a orelha, de tanta felicidade, obviamente
prestes à conclusão de acordo espúrio e indigno, ante aos padrões de bons
costumes das práticas político-administrativas.
Certamente
que isso bem demonstra a satisfação em apunhalar, pelas costas, os brasileiros,
que já não aguentam mais conviver com práticas desonestas e indignas na política,
as quais, infelizmente, apenas estiveram gozando curto descanso, talvez pequeno
recesso, mas volta agora com força total, como verdadeiro câncer carcomendo e
degenerando os salutares princípios republicano e democrático, com o beneplácito
logo por parte de quem se dizia, de peito superestufado, que abominava, pasmem,
a “velha política”, de quem corria dela como o cão foge da cruz.
A
propósito, convém se notar que boa parte dos integrantes do Centrão é composta
por parlamentares calejados dessas práticas sebosas, na qualidade de velhas
raposas conhecidas e remanescentes do mensalão e do petrolão, que, mesmo investigados
pelo Supremo Tribunal Federal, continuam na Câmara, como “lídimos representantes”
do povo, o que bem demonstra a especificidade de alguns para a negociata, ante
a experiência em práticas nada republicanas e reprováveis pelas pessoas
honestas e dignas.
A
gravidade dessa deplorável constatação é que o presidente da República, desde
que assumiu o cargo, sempre demonstrou fortíssima intransigência à rejeição ao
diálogo com os partidos políticos, tendo descartado, de maneira reiterada, a formação
de base aliada, no estilo que vem ensaiando agora, com muita garra e disposição,
logo com o Centrão, a despeito da sua péssima reputação já evidenciada em
outras gestões, de censurável trato com a coisa pública.
Causa
perplexidade que o presidente do país não se cansava de criticar o que chamava
de “velha política”, em referência indireta e até direta aos partidos do
Centrão, conhecidos por negociarem apoio no Congresso, em troca de cargos no
governo, prática chamada, repita-se, de “toma lá, dá cá”, que tem por finalidade
a possibilidade de se permitir que seus integrantes possam ter “carta branca”
para a nomeação de seus apaniguados políticos.
Isso
tem nome e se caracteriza como o “jeitinho” brasileiro verdadeiro desvio de
finalidade pública, uma especial modalidade de crime, por haver o envolvimento cargos
públicos, ou seja, gestão de recursos públicos, que precisava ser preservado dessa
imundície, indigna de integrarem a administração pública, incluindo aí o
presidente do país e os integrantes do Centrão, mentores intelectuais desse câncer
na máquina pública, em clara evidência que eles não merecem o respeito da
sociedade, diante de seus atos imorais, espúrios e indignos.
É preciso
sublinhar que, na campanha eleitoral, uma das promessas, como bandeira de
governo do presidente foi exatamente a de que ele nunca se aliaria à esquerda,
ao centro ou ao centrão, sob o argumento de que todos os cargos seriam entregue
exclusivamente às pessoas com formação técnica, sem jamais os transformá-los em
objeto de interesse político, em balcão de troca, para fazer agrado aos partidos,
com a finalidade de conseguir apoio à aprovação de emendas ou projetos de
interesse do governo no Congresso Nacional.
Não obstante,
com essa atitude de indiscutível descaramento e da plena falta de sensatez político-administrativa,
o presidente joga as suas cartas na mesa, para se render de vez ao que se pode reconhecer
de caminho sem volta em rumo da desmoralização
do seu governo recheado de altos e baixos,
com muitas dificuldades na execução das políticas de estabilização, por estar
permanentemente mergulhado em graves crises de toda ordem, mas isso não é
motivo plausível para a promiscuidade arquitetada e ainda esta semana
implementada.
O certo
mesmo é que o presidente mandou para o espaço sideral, em concomitância com tiro
nos seus pés, promessa de altíssimo sentido moralizador, jogando na lama, sem mínimo
arrependimento, um dos essenciais pilares da República, que é o princípio da
moralidade, que nenhum governo digno poderia descartá-lo sem resistir, mesmo nas
piores das circunstâncias da sua gestão,
ainda que não tivesse outra alternativa.
De sã
consciência, não pode haver nada mais degradante e humilhante do que se jogar
na lama pútrida a dignidade da administração pública, diante da certeza de que a
principal consequência é a natural perda da confiança e da credibilidade das
pessoas honradas, que teriam acreditado na palavra de pessoa que prometia mudar
a estrutura deprimente e desmoralizada reinante na gestão pública brasileira.
Não obstante,
de repente, as pessoas percebem a traição, de forma vil, à sua ingênua e linda maneira
de acreditar que ainda poderia confiar em político que afiançava em público a
sua palavra de mudança e moralização das práticas político-administrativas, porém,
diante das circunstâncias que são desfavoráveis não ao Estado, ao interesse
público, mas às suas causas, à sua pessoa, o presidente do país demonstra enorme
fragilidade moral e não consegue ter a menor disposição em honrar a sua palavra
de campanha eleitoral.
Este momento
é de muita gravidade para o Brasil, porque bastou a ameaça aos seus planos
políticos do presidente do país, para ele mudar de rumo e pensamento que defendia
com tanto ardor, talvez da boca para fora, ai aceitar como normal a prática horrorosa
da “velha política”, mesmo sabendo o que ela significa de monstruoso e deformante
para a dignidade da gestão pública, tanto que ele tinha como princípio afastá-la do seu governo, posto que,
repita-se, fazia parte da sua plataforma política.
É
muito desanimador que o presidente do país, em cristalino desespero não só ao
povo, mas a tudo mais sagrada na gestão pública, se digne ao fraquejamento e à
pequenez de se curva de quatro à vil linhagem política que já foi capaz de destruir
a dignidade de outros governos, com a ocupação de importantes cargos da
Republica, que passam a servir exclusivamente aos escusos propósitos e
interesses dos integrantes do Centrão, com a realização e satisfação dos
projetos voltados às causas deles, em detrimento das políticas de governo e
evidente contrassenso em relação ao que o presidente mais combatia com o ardor
da sua valentia demonstrada como homem público, que se entregou antes mesmo do
começo das batalhas que hão ainda de surgir no seu governo.
O
presidente está se alinhando e se compondo com o grupo de políticos da melhor
cepa de aproveitadores, o temível Centrão, e logo mais, já nesta semana, ele
passa garbosamente a fazer parte do governo totalmente desmoralizado, mas tendo
a importante vantagem de garantir ao presidente apoio político, principalmente
na Câmara Baixa, onde, na forma da Constituição Federal, começa o processo de
impeachment, que certamente não há de prosperar, em face da providencial
manobra presidencial, com a poderosa blindagem a preço de cargos públicos, em demonstração
literal de falta de dignidade na vida pública.
O
presidente passa automaticamente a perder o caráter que ostentava de homem
probo, defensor intransigente da moralidade na gestão pública, passando a
ingressar triunfantemente no rol dos governantes que emporcalharam a
administração pública, em troca de apoio político no Congresso, quando antes
ele se vangloriava que jamais participaria de maracutaia e ainda enchia o peito
para dizer que odiava a “velha política” e que, no seu governo não haveria o
vergonhoso sistema adotado por gestões anteriores, do indignificante e desprezível
sistema reconhecido como “toma lá, dá cá”, em evidente desmoralização do seu governo,
que passará a ser achincalhado como o pior nível da vileza moral, sendo digno
do desprezo dos brasileiros honrados.
Nesse
ponto, a princípio, tem-se dificuldade para a classificação do pior político, o
mais desavergonhado de todos, se aquele que entrega cargos públicos em troca de
apoio no Congresso, sabendo que esses cargos serão abrigo de pessoas
incompetentes na direção dos respectivos órgãos, servindo apenas de cabide de
empregos para políticos que nem se reelegem e dependem da indicação de seus
partidos para se agarrarem às tetas do governo, ou aqueloutros que nem se coram
de vergonha em vender as suas consciências, sabendo que passam a ser capachos
do Palácio do Planalto, pela obrigação de votar sempre nos interesses dele, sob
pena da perda dos cargos, ou seja, a coisa passa a ser muito séria, embora, em
termos de moralidade, chega a ser penoso que homens públicos sejam capazes de
prostituir a própria imagem, às claras, por algo apenas aviltante, envolvendo
recursos públicos.
Enfim,
chega-se à conclusão, sem maiores dificuldades, de que o político digno de
piedade, por seu procedimento indiscutivelmente desprezível, é aquele que cede
ao malfeito, sem o mínimo de resistência, remorso nem escrúpulo, quando até há pouco
tempo se dizia completamente avesso à deformação moral da administração público,
com o importante detalhe de que seu ato se adere definitivamente à sua pele de
homem público sem palavra e sem zelo à coisa pública.
Diante de
situação das mais humilhantes e degradantes para a história político-administrativa
da República, em que o mandatário da nação cede facilmente à negociata sobre a
integridade moral da sua gestão, em dissonância com princípios defendidos
publicamente por ele, como importante promessa de campanha eleitoral, fica a
triste certeza de que a luta por mudanças e por moralização da administração pública
não passou de engodo e estelionato eleitoral, o que constitui fato da maior
gravidade para o destino dos brasileiros que se despedem, de forma melancólica,
da esperança de enxergar o Brasil livre de aproveitadores da coisa pública, eis
que esse câncer passa a ser oficializado pelo próprio governo.
Brasília,
em 5 de abril de 2020
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