domingo, 17 de maio de 2020

Queimar a língua?


Em mensagem que circula nas redes sociais, há a seguinte pergunta: “Quem será o próximo ministro da Saúde? Tanto faz, enquanto Bolsonaro estiver presidente.”.
Foi aí quando eu escrevi que gostaria muito de queimar minha língua, mas pessoa competente e responsável certamente não será, diante da certeza de ter que engolir as ordens, muitas vezes absurdas, de quem deveria ter mais respeito em relação ao tratamento dispensado aos ministros, que são sim seus assessores diretos, mas não seus moleques de recado, sujeitos à exoneração sem o mínimo de respeito ao seu trabalho e ao princípio da civilidade, como aconteceu com as duas últimas.
No caso do ministro da Justiça, o cidadão com a competência e a autoridade, com reconhecimento internacional, do ex-juiz da Operação Lava-Jato foi descartado exclusivamente porque não aceitou que o presidente intervisse politicamente em órgão de Estado, para que a sua família passasse a ser mais protegida do que já é ou sabe-se lá outras intenções inconfessáveis, conforme mostram as conversas nada republicanas constantes do vídeo de reunião ministerial.
Ontem, foi a vez do ministro da Saúde, que foi despedido porque não se sentiu à vontade para concordar com o emprego do hidroxicloroquina no combate ao Covid-19, a despeito de terem vários protocolos recomendando a eficácia dele em casos já comprovados.
Isso até pode ser verdadeiro, mas muitos médicos, no caso dos ex-ministros da Saúde, procuraram demonstrar zelo pelo seu nome, em não concordarem com a implantação do protocolo cogitado pelo presidente, em razão exatamente de as instituições e entidades de controle e fiscalização sobre os casos referentes à saúde pública, incluindo, nessas questões, os medicamentos, ainda não terem se pronunciado favoravelmente à aceitação do remédio para tal finalidade, diante das dúvidas, em nível técnico-científico, ainda existentes, que são plausíveis ou não, mas essa é a realidade fática.
Não obstante, isso parece não ser problema para o presidente brasileiro, que acha que tem poder suficiente para determinar o que o Ministério da Saúde tem que fazer e cumprir para satisfazer a sua imperiosa vontade, repita-se, correta ou não, ao meio de incertezas, à vista de opiniões dissonantes, que há realmente constatação de sucesso do uso da cloroquina, mas há estudos que afirmam a ineficácia dele.  
Não obstante, o presidente pode até ter suas razões, diante de algumas evidências, embora haja quem esteja também atestando que o remédio não tem eficácia contra o Covid-19, com base em estudos recém-publicados em revistas especializadas, resultando que, na dúvida, como agir com as necessárias certeza, segurança e confiabilidade?
Nesse sentido, ocorre que, normalmente, os países civilizados e evoluídos costumam seguir as orientações emanadas pelas referidas instituições que cuidam dos interesses da saúde pública, a exemplo do que aconteceu com o isolamento social, que foram seguidas rigorosamente, pelo Brasil, com base nas orientações e experiências originadas da Organização Mundial da Saúde, a despeito de o presidente brasileiro nunca ter concordado com elas, conforme demonstram as suas atitudes de explícita rebeldia, em péssimo exemplo de incivilidade.
Como presidente do país, ele precisa ser modelo de fiel cumpridor das regras aplicáveis aos brasileiros, mostrando que, embora não concorde com elas, a liturgia de príncipe da República exige que ele se comporte com a elegância compatível com a relevância do cargo que ocupa.
Os brasileiros, no âmbito das suas responsabilidades cívica e patriótica, precisam se conscientizar de que as questões de interesse nacional devem ser conduzidas sob a égide dos princípios da racionalidade, da competência, da tolerância e da sabedoria, considerando que o emprego de métodos diferentes dessa forma moderna de gestão pública terá o colhimento de resultados nem sempre satisfatórios para o pleno atendimento dos interesses da sociedade.   
Brasília, em 16 de maio de 2020

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