domingo, 7 de novembro de 2021

Agressão à transparência?

 

Uma ministra do Supremo Tribunal Federal mandou suspender "integral e imediatamente" a execução das chamadas "emendas de relator" no orçamento de 2021.

Essas emendas compõem o famigerado "orçamento paralelo", que tem sido usado pelo governo para comprar votos no Congresso Nacional, por meio de emendas parlamentares de seis aliados nessa Casa, em evidente demonstração de desmoralização dos princípios republicanos.

À vista da falta de transparência sobre os gastos públicos, que é exigido até mesmo nas piores republiquetas, essa pouca-vergonha chancelada pelo governo, tem a denominação de "orçamento secreto", de modo a se permitir que a despesa pública seja executada normalmente por meios ilícitos, diante da transferência de verbas para beneficiar correligionários que votarem com os interesses do governo, em clara esculhambação oficializada.

          A ministra é relatora de três ações sobre o tema, apresentadas por partidos políticos, cujo questionamento tem como abrangência de determinação direcionada ao Senado Federal, à Câmara dos Deputados, à Presidência da República, à Casa Civil da Presidência da República e ao Ministério da Economia, órgãos que patrocinam essa indignidade na gestão pública.

A ministra também determinou que todas as demandas de parlamentares voltadas à distribuição de emendas de relator sejam registradas em plataforma eletrônica centralizada do órgão central do Sistema de Planejamento e Orçamento Federal, tendo por finalidade assegurar, na forma da lei, "amplo acesso público, com medidas de fomento à transparência ativa, assim como sejam garantidas a comparabilidade e a rastreabilidade dos dados referentes às solicitações/pedidos de distribuição de emendas e sua respectiva execução, em conformidade com os princípios da publicidade e transparência".

A magistrada também estabeleceu 30 dias de prazo para que "seja dada ampla publicidade, em plataforma centralizada de acesso público, aos documentos encaminhados aos órgãos e entidades federais que embasaram as demandas e/ou resultaram na distribuição de recursos das emendas de relator".

A ministra aproveitou o ensejo para criticar duramente o sigilo do orçamento paralelo, dizendo que "Enquanto a disciplina normativa da execução das emendas individuais e de bancada (RP 6 e RP 7) orienta-se pelos postulados da transparência e da impessoalidade, o regramento pertinente às emendas do relator (RP 9) distancia-se desses ideais republicanos, tornando imperscrutável a identificação dos parlamentares requerentes e destinatários finais das despesas nelas previstas, em relação aos quais, por meio do identificador RP 9, recai o signo do mistério.".

A ministra concluiu seu parecer/voto, afirmando que "Mostra-se em tudo incompatível com a forma republicana e o regime democrático de governo a validação de práticas institucionais por órgãos e entidades públicas que, estabelecidas à margem do direito e da lei, promovam o segredo injustificado sobre os atos pertinentes à arrecadação de receitas, efetuação de despesas e destinação de recursos financeiros, com evidente prejuízo do acesso da população em geral e das entidades de controle social aos meios e instrumentos necessários ao acompanhamento e à fiscalização da gestão financeira do Estado.".

Essa determinação tem o condão de mostrar, à saciedade, que a horrorosa prática ao arrepio da legislação que regem os princípios orçamentários jamais deveria ter sido instituída, por ser imoral, antiética e ilegal, à vista do indispensável respeito à evolução da humanidade, onde o salutar princípio da transparência é a reafirmação de que a administração não consente que pessoas inescrupulosas possam movimentar recursos públicos secretamente.

A natural evolução da humanidade tem como princípio de que os orçamentos públicos são sagrados, em que há, por força da lei, obrigatoriedade da prestação de contas sobre as despesas realizadas, fato que é inexistente no caso do decrépito “orçamento secreto”, mantido à revelia dos princípios da publicidade e da transparência e até da legalidade, porque esta é a regra da dignidade nas administração pública.  

A aludida decisão tem caráter liminar, com validade até o julgamento definitivo da ação, quando ela poderá ser mantida ou modificada, mas espera-se que essa indignidade e desavergonhice com dinheiro dos contribuintes seja definitivamente extinta, para que os seus impudicos envolvidos se tornem publicamente censurados por ato que jamais deveria ter sido aprovado, na atualidade, diante da falta de amparo legal, visto que ele foi editado precisamente para a efetividade de medidas inconstitucionais, que a sociedade honrada precisa repudiar, mostrando a sua indignação e o seu protesto diante da falta de honestidade de homens públicos inescrupulosos que permeia a República, conforme é mais do que evidente no presente caso.

Estanha-se que essa forma espúria da execução de orçamento público, com a caracterização de sigilo, ainda seja possível em governo que se vangloria de ser o mais puro e limpo da face da Terra, dando a entender que somente pratica atos revestidos da legalidade e livres de questionamentos, mas a verdade é que a finalidade desse deprimente orçamento sigiloso tem a serventia de comprar votos no Congresso, que é espécie do esquema degradante e indigno do mensalão, quando o governo de então instituiu o repasse de recursos para partidos, para que estes mantivessem apoio aos projetos do Palácio do Planalto.

Ou seja, a importante lição deixada com o descobrimento do desonroso mensalão e, de certa forma, a condenação à sua desonesta prática, ao que parece não adiantou de nada, porque os homens públicos da atualidade não têm o menor pudor de repeti-lo, à luz solar, só que da pior forma possível, posto que a sua degradante execução tem o respaldo da oficialização pelo indigno Congresso Nacional, visto que ele foi aprovado pelos congressistas, que têm o comando do famigerado Centrão, que, por sua vez, é aliado do governo, a quem se submete como indissociável refém à orientação dele, ou seja, o presidente do país não tem condições de dirigir a nação sem a desvinculação desse monstruoso e indecente grupo político, em termos de práticas degradantes na gestão pública, uma vez que ele é o autêntico símbolo do deplorável fisiologismo.

Infelizmente, os fatos mostram, à vista dessa esculhambação materializada com o desagradável “orçamento secreto”, que também tem a participação efetiva do governo, que poderia questioná-lo na Justiça, mas não fê-lo, por se tratar de monstruosa ilegalidade, em termos de gastos públicos, o real significado do descaminho da gestão pública, completamente dominada por práticas desaconselháveis até mesmo nas piores republiquetas, que são a forma de sigilo de gastos públicos, dando a entender sobre a desnecessidade da prestação de contas quanto ao regular e bom emprego da destinação do dinheiro dos contribuintes, quando se exige, na forma da lei, plena transparência.      

Brasília, em 7 de novembro de 2021

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