sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Honra ao mérito?

 

O presidente da República concedeu a si próprio, pasmem, o mais alto título de grão-mestre da Ordem Nacional do Mérito Científico, honraria reservada a "personalidades nacionais e estrangeiras que se distinguiram por suas relevantes contribuições prestadas à Ciência, à Tecnologia e à Inovação".

Além do presidente do país e alguns ministros, foram concedidas medalhas dessa ordem a 32 professores e pesquisadores de diversas áreas da ciência.

A condecoração ao presidente do país acontece momentos logo após a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid, realizada no Senado Federal, sugerir o indiciamento dele por crime contra a humanidade, além de outras graves acusações, diante da constatação de omissões do governo em relação ao combate à pandemia do coronavírus.

O presidente do país também deixou de se vacinar contra Covid-19, vem defendendo rotineiramente medicamentos com ineficácia comprovada para o tratamento da doença e tem sido contumaz contrário ao uso de máscara de proteção, mesmo em aglomerações, fatos que podem pôr em risco a vida dos brasileiros.

          Embora o presidente do país se oponha às medidas de orientação de combate à pandemia do coronavírus, elas têm o respaldo das autoridades públicas e das organizações internacionais que cuidam da saúde, a exemplo das vacinas disponíveis no Brasil contra a Covid, que são seguras e eficazes, e tiveram seu uso autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Contrariando as ideias do presidente do país, que não concorda com a eficácia da vacina, tanto que não a tomou, foi a partir da imunização dos brasileiros que houve a significativa redução das mortes, fato que mostra que as vacinas têm sido efetivamente essenciais para o controle da contaminação da Covid-19 e consequentemente do número de óbitos, com expressiva diminuição também das internações hospitalares, por causa da doença.

Diversos estudos científicos já comprovaram que o uso de máscara é peça-chave da maior importância para a contenção da disseminação do coronavírus.

Tudo isso só mostra que o presidente do país anda na contramão da ciência, exatamente por proceder conforme a sua mentalidade um tanto arredia aos princípios científicos, conforme tem sido assim o seu comportamento de prepotência, nesse particular.

Em se tratando da área específica da ciência de competência institucional do governo, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) teve, no exercício de 2021, pasmem, o menor orçamento dos últimos 21 anos, fato este que só demonstra a má vontade do governo em relação à evolução científica no Brasil, uma vez que os investimentos na área evidenciam forma clara de interesse às políticas científicas essenciais ao desenvolvimento socioeconômico da nação.

Nessa mesma linha, há previsão desastrosa para o exercício de 2022, quando o já diminuto e acanhado orçamento do que se denomina Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações - por não merecer esse pomposo nome nesse governo - sofrerá expressivo corte, pasmem, por ser absolutamente inacreditável, da ordem de 92% em relação a este ano, que já tendo passado por monstruoso corte, o que deixará aquela pasta totalmente à míngua de recursos orçamentários, sem condições para a execução nem mesmo do mínimo das suas importantes políticas científicas e tecnológicas.

Esta é a primeira condecoração dessa ordem concedida no atual governo e veio logo para mostrar a sua verdadeira insignificância, porque, nesse caso, parece piada pronta que pessoa que se empenha em negar a importância da ciência seja agraciada com o título maior da sua ordem e isso é forma declarada da falta de seriedade com relação a assunto da maior importância e respeito, que exige o máximo de sensibilidade de avaliação, em especial por parte de quem tem o dever institucional de justificá-la, à vista dos princípios da justiça e da legalidade.

Com todo esse espantoso ato completamente desviado do padrão de mérito, essa completa indiferença às causas da ciência, tudo devidamente conspirando contra a reafirmação dos princípios científicos, o presidente, autêntico símbolo da anticiência, ainda tem o desplante de autoconceder-se o título de grão-mestre da Ordem Nacional do Mérito Científico, que, em princípio se destina ao reconhecimento do governo a "personalidades nacionais e estrangeiras que se distinguiram por suas relevantes contribuições prestadas à Ciência, à Tecnologia e à Inovação".

Na verdade, comparando o que realmente o presidente do país representa para a ciência, as suas reiteradas atitudes contrárias aos princípios científicos e tecnológicos, com o verdadeira significado da honraria em causa, conforme a definição clara constante do parágrafo anterior, vê-se que esse título tem realmente o gigantesco sentido de causar forte emoção, especialmente no caso da deferência ao mandatário do Brasil, pela extrema incoerência, quando ele é sim personalidade que precisamente se distingue por seus relevantes serviços contrários à ciência, à tecnologia e à inovação, não fazendo jus, por força da sua verdadeira finalidade, à medalha alguma nessa área, muito menos a de grau máximo, à vista da insignificância do titular, conforme mostram os fatos disseminados por ele.

Na verdade, a concessão da honraria em causa ao presidente da República tem o condão de simplesmente desprestigiar todas as importantes autoridades que realmente foram distinguidas por seus verdadeiros méritos, que comprovaram contribuição à ciência, à tecnologia e à inovação, ficando agora na companhia de personalidade sem qualificação nenhuma, mostrando a verdadeira insignificância da comenda.

A verdade é que os 32 personagens que se juntam ao presidente, nessa condecoração, não têm culpa nenhuma por tamanha gafe protocolar oficial, mas, em respeito à dignidade que deve existir na ordem do mérito científico, seria o caso de recuso ao recebimento do honroso título, por que na companhia de declarado anticientista.

Nessa mesma linha de raciocínio, seria mais do que justo que os verdadeiros cientistas que já foram agraciados com expressiva comenda tivessem a dignidade de devolver ao governo as suas medalhas, em repúdio a esse abusivo e inadmissível ato.

Nem precisa de muito esforço de interpretação, mas a concessão dessa honraria a alguém que nega publicamente a ciência, prestando enorme desserviço aos princípios científicos, em especial, é forma explícita e declarada de que ela não merece o mínimo respeito, exatamente nesse caso específico, diante da comprovação de que o ato em si tem toda característica de falsidade ideológica, quando a administração pública não pode desviar da finalidade da lei, que exige necessariamente o exame do mérito.

Em um país com o mínimo de seriedade, em termos dos princípios republicanos, jamais o presidente da nação concederia tão importante honraria a si próprio, porque, nesse caso há clara ofensa, de forma grosseira, ao princípio constitucional da impessoalidade, havendo evidente ferimento ao critério do mérito, que fica induvidosamente materializado no caso.

O próprio titular da comenda deveria perceber que ele não faz jus, nem de longe, à importante medalha, porque está escrito no regulamento próprio que a sua concessão é exclusivamente para distinguir alguém por causa justa, como, por exemplo, excelentes contribuições à ciência, mas esse critério foi estuprado, com violência, pelo próprio presidente do país, conforme evidenciam os fatos.

Em compreensão mais restrita, o ato presidencial pode ser comparável a abuso de poder, quando o seu sentido não guarda conformidade com a satisfação do interesse público, sendo passível de anulação, caso ele fosse questionado judicialmente.

Assim, diante da indiscutível disparidade do ato presidencial com a finalidade pública, uma vez que ele não satisfaz os requisitos mínimos para o merecimento da honraria de grão-mestre nem de reconhecimento algum por seus desserviços à ciência, à tecnologia e à inovação, convém que o questionado ato seja imediatamente anulado, para o bem da gestão pública e como forma honrosa da convalidação do real mérito com relação às personalidades que já foram distinguidos com as comendas, por inteira justiça de merecimento, na forma da lei.

Brasília, em 5 de novembro de 2021

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