sexta-feira, 12 de novembro de 2021

O anticientista?

 

O presidente da República concedeu a 32 cientistas a condecoração da Ordem Nacional do Mérito Científico, mas, apenas três dias depois dessa importante outorga, 20 deles anunciaram sua renúncia coletiva à honraria.

Em carta aberta à nação, os mencionados cientistas afirmaram que a decisão foi motivada pela “exclusão arbitrária” de dois pesquisadores da lista de homenageados, fato este que causou “indignação e repúdio” da classe científica.

Acontece que o presidente do país houve por bem retirar da lista os nomes de um pesquisador da Fiocruz e da diretora da Fiocruz Amazônia, sob o argumento de que eles divergiram do chefe do Executivo, quanto à orientação sobre o protocolo mínimo ministrado contra a Covid-19.

Os cientistas renunciantes alegaram que “Tal exclusão, inaceitável sob todos os aspectos, torna-se ainda mais condenável por ter ocorrido em menos de 48 horas após a publicação inicial, em mais uma clara demonstração de perseguição a cientistas, configurando um novo passo do sistemático ataque à ciência e tecnologia por parte do governo vigente”.

Os cientistas seguem afirmando não compactuar com “a forma pela qual o negacionismo em geral, as perseguições a colegas cientistas e os recentes cortes nos orçamentos federais para a ciência e tecnologia têm sido utilizados como ferramentas para fazer retroceder os importantes progressos alcançados pela comunidade científica brasileira nas últimas décadas”.

O grupo de cientista reitera que a renúncia coletiva os entristece, mas expressa sua “indignação frente ao processo de destruição do sistema universitário e de ciência e tecnologia”.

A Ordem Nacional do Mérito Científico é uma das mais altas honrarias concedidas pelo poder público a personalidades nacionais e estrangeiras, como forma de reconhecimento à importante contribuição prestada por eles ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia, no Brasil, desde a sua criação, em 1993.

A indicação dos agraciados é realizada por comissão formada por três membros indicados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, três indicados pela Academia Brasileira de Ciências e três indicados pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), tendo por objetivo à premiação simbólica pelos bons serviços prestados nessas áreas, que são da maior importância para o progresso do país.

Os cientistas argumentaram que “Nossos nomes foram honrosamente indicados por essa comissão, reunida em 2019. O mérito científico (como não poderia deixar de ser) foi o único parâmetro considerado para a inclusão de um nome na lista.”.

Em que pese eles dizerem que foram “honrados” por ganharem “um dos maiores reconhecimentos que um cientista pode receber em nosso país”, mesmo assim eles destacam que “a homenagem oferecida por um governo federal que não apenas ignora a ciência, mas ativamente boicota as recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva, não é condizente com nossas trajetórias científicas”.

Diante dos justos argumentos, os cientistas decidiram nestes termos: “Em solidariedade aos colegas que foram sumariamente excluídos da lista de agraciados, e condizentes com nossa postura ética, renunciamos coletivamente a essa indicação”.

À toda evidência, a exclusão de cientistas da lista dos agraciados, por motivo absolutamente discricionário, na essência, por discordância de posição diretamente relacionada com a ciência, causa verdadeira indignação, não somente da classe científica, mas também da sociedade, exatamente por se tratar de medida que contraria frontalmente o princípio democrático de poder se divergir não somente do pensamento ideológico como também científico, que precisa ser respeitado, considerando que os assuntos precisam ser compreendidos cada qual nas suas instâncias, em razão, em especial, dos aspectos da racionalidade e da civilidade.

A propósito, em termos de justiça à concessão da comenda de que se trata, não poderia haver maior ilicitude, barbaridade, em cristalina indignidade científica, quando o presidente da República se autoconcedeu a mesma medalha, só que no grau mais elevado atribuído à honraria de grão-mestre, logo a quem conseguiu demonstrar, no quotidiano, ser pessoa que contribuiu efetivamente para o merecimento da medalha do anticientista militante, pelo tanto de peripécias protagonizadas por ele, visivelmente contrárias aos verdadeiros princípios da ciência e da tecnologia.

Neste imbróglio, fica evidenciado o quanto o governo somente contribui para desprezar o importante valor intrínseco da ciência e da tecnologia, quando prestigia quem não faz por merecer o reconhecimento e pune exatamente quem muito fez para fazer jus ao prêmio e isso fica muito claro nesses dois lamentáveis casos, que o bom senso recomendaria que nenhum nem outro tivesse acontecido, para o bem não somente da compreensão científica, mas também da racionalidade e da civilidade.

Tudo isso, sem contar com o descabimento do corte do orçamento próprio da ciência e tecnologia, em valor significativamente que impede a continuidade dos trabalhos de incumbência do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, que, ao contrário, é órgão que tem o menor aporte de verba para a implementação dos seus trabalhos, de suma importância e imprescindibilidade ao progresso do Brasil.   

A verdade é que o governo tem contra si a unanimidade dos cientistas e produtores de ciência e da cultura e isso se traduz em ambiente pior possível, no que diz respeito à busca dos objetivos favoráveis ao desenvolvimento da nação, ante a clara manifestação de desprezo à luminosidade da classe intelectual, que é da maior importância para a nação com a grandeza do Brasil, que tem carência de estudos e pesquisas vindos desse segmento especializado.

Diante do exposto, os brasileiros honrados expressam repúdio às medidas visivelmente dissonantes dos critérios de justiça aos verdadeiros princípios do reconhecimento ao mérito, sob a avaliação de que a única maneira de valorização desse segmento é o real reconhecimento, por parte do governo, apenas daqueles que efetivamente contribuíram com o seu esforço para o engrandecimento dos estudos diretamente relacionados com a aplicação da ciência e da tecnologia.   

Brasília, em 12 de novembro de 2021

Nenhum comentário:

Postar um comentário