quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Repúdio ao indecoro

 

Uma senadora, que é mãe do ministro-chefe da Casa Civil e suplente dele, gastou, pasmem, o valor de R$ 46.989,07, por conta da cota parlamentar referente a combustível para avião, de acordo com dados do Portal da Transparência do Senado Federal.

A perplexidade fica por conta de o fato de que a parlamentar não possuir aeronave em seu nome, segundo informações constantes do Tribunal Superior Eleitoral, prestadas por ela, na eleição de 2018, na qualidade de suplente de seu filho.

Acontece que o filho dela possui um jatinho, mas ele se encontra licenciado do Senado, por ocupar cargo de ministro no governo e a mãe está no lugar dele, por decorrência da suplência constitucional.

A senadora apresentou notas fiscais de gastos entre julho e outubro do fluente ano, tendo obtido ressarcimento para oito despesas com combustíveis de aeronaves.

De acordo com as notas fiscais, os gastos foram efetuados em cidades como Sorocaba (SP), São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Teresina.

Por mera coincidência, há informação de que o filho da senadora esteve nesses municípios, conforme dados constantes da agenda dele, na qualidade de ministro e não de parlamentar, o que significa que o ressarcimento do combustível é visivelmente irregular.

Segundo apuração feita por importante jornal, nas mesmas datas, a mãe do ministro publicou fotos, nas redes sociais, em eventos em outras localidades diferentes daquelas indicadas acima, para onde a aeronave teria ido.

Concomitantemente aos gastos com combustíveis, por incrível que possa parecer, a senadora apresentou ao Senado comprovantes de passagens aéreas e bilhetes de embarque em voos comerciais para esse mesmo período, sendo igualmente ressarcida regularmente das despesas pertinentes, fato este que corrobora a apropriação indevida de dinheiro público.

Ou seja, a própria senadora contribui para evidenciar a brutal irregularidade com os gastos relacionados com o combustível para avião, ficando duplamente patenteada a fraude, em especial porque ela não tem avião e jamais poderia fazer despesas com essa rubrica, e ainda foi ressarcida de passagens aéreas, no mesmo período.

Esses fatos, se for confirmada a sua veracidade, caracterizam crime, à vista da apropriação indébita de dinheiro público, ou seja, na forma como noticiada, a senadora participou efetivamente do desvio de recursos públicos para pagar gasolina para o avião do filho dela, cuja aeronave teria sido usada por ele e não por ela, conforme ela confirma por meio das notícias publicadas nas redes sociais e ainda pelo ressarcimento de passagens aéreas.

Esse é caso de grave irregularidade, que jamais poderia ter sido concretizado, à luz das legislação de regência das despesas públicas, fato este que tem como consequência a obrigatoriedade da devolução dos valores pertinentes aos cofres públicos, além das demais penalidades cabíveis ao caso, como forma preventiva sobre a incidência de casos indignos semelhantes.

Essa indecente  farra com o dinheiro público é apenas pequena amostra de como os recursos públicos são aproveitados por inescrupulosos congressistas, em especial alguns que integram o famigerado Centrão, que é justamente o caso dela, que faz parte desse deplorável grupo político, o que mostra o enorme amor ao dinheiro dos sacrificados contribuintes, que são espoliados com pesados tributos e ainda são obrigados a pagarem combustíveis para avião que tem serventia para serviços estranhos ao interesse da sociedade.

É preciso ficar muito claro que o ministro que se beneficiou indevidamente de combustíveis colocados no seu aviãozinho, trabalha confortavelmente ao lado do presidente da República, por ser o principal assessor da mais alta autoridade do país.

Diante de tamanha anomalia, o presidente do país tem o dever de se manifestar sobre a traquinagem de importante assessor, envolvendo dinheiro público, em especial à vista do jargão adotado pelos defensores de sua excelência, segundo o qual “este é o governo que não rouba nem deixar roubar”, a despeito de ele conviver enlameado na sujeira pútrida produzida pelo Centrão, como nesse caso do ministro, que é um dos líderes desse indigesto grupo símbolo do fisiologismo, que se confirma com o desvio de dinheiro do contribuinte, para encher os tanques da sua aeronavezinha.   

Esse caso é de extremo sentido ruidoso para a imagem do governo, que abriga sob as suas asas pessoa capaz de protagonizar grandioso dano aos cofres públicos, sob o prisma de que o homem público, com o mínimo de honestidade que seja, seria incapaz de aderir à fraqueza moral como essa, exatamente porque, quanto maior seja a sua autoridade, mais ela tem obrigação de dá bons exemplos quanto aos princípios de honradez e dignidade à sociedade.

A propósito, convém ainda que seja feita pequena digressão sobre a deplorável e terrivelmente figura do suplente de senador, que, na forma da Constituição, ele tem dois suplentes e essa esculhambação política precisa ser sublinhada precisamente nesse caso do desvio do dinheiro para a compra de combustíveis.

Pois bem, a senadora alvo desse affaire ocupa, no momento, o relevante cargo de senadora, porque o titular dele foi nomeado ministro de estado e todo imbróglio começa exatamente aí.

Na forma do art. 46 da Constituição, “o Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário.”.

Na forma prevista no supratranscrito dispositivo, é preciso que o senador seja eleito pelo sufrágio universal, mas o § 3º desse mesmo artigo estabelece que “Cada senador será eleito com dois suplentes.”, caso em que fica criada violência jurídica ao caput do texto, onde se afirma que o titular do cargo precisa ter voto, ou seja, ser eleito pelo povo, povo este que sequer ouviu falar dos nomes dos dois suplentes, que certamente não são votados.

No caso do suplente que, de repente vira titular, há verdadeira aberração jurídica, porque ele não obteve nenhum voto na urna, ou seja, ele não foi eleito, porque o eleitor só pode votar em um candidato a senador, que é aquele que recebe o voto.

Agora, para que a esculhambação e a pouca-vergonha possa ficar muito ao gosto do indecente jeitinho brasileiro, ainda há políticos inescrupulosos e sem o mínimo de dignidade que coloca como seu suplente o pai, a mãe, o irmão, a esposa, o filho ou o empresário que financia a sua campanha, tudo para mostrar e ficar realmente caracterizado a mais vil desmoralização da figura do suplente, que não merece o menor respeito pelos brasileiros, porque a sua representatividade já tem o timbre do que seja a pior vileza da política brasileira, exatamente diante do desvio preconcebido da moralidade quanto ao instituto do suplente.

A senadora que pegou dinheiro para encher os tanques do avião do filho é cristalina assertiva dessa esculhambação representada pelo figura do suplente, porque ela ocupa o cargo que é de direito do filho, mas se afastou dele para ser ministro, que dá péssimo exemplo de indignidade ao país, ao permitir que o dinheiro público, oriundo do Senado abasteça o seu avião.

Acredita-se que nem nas republiquetas exista a excrescência de suplente de senador, porque isso representa indigno aborto político, exatamente porque ele não é derivado do voto, na forma prevista na Constituição, que estabelece que a ocupação de cargos públicos eletivos tem legitimidade exclusivamente com o voto.

Tenho o entendimento segundo o qual quem for eleito para qualquer cargo público eletivo tem o dever constitucional de exercê-lo privativamente e, por qualquer motivo de afastamento dele, o perde em definitivo, como no caso do senador, que foi nomeado ministro, o que é normal.

Nesse caso, o ocupante de cargo público deixa de exercê-lo nos termos do voto, diante da descaracterização para o que ele foi eleito, fato este que o obriga, no caso do ministro, a deixar automaticamente de ser senador e essa hipótese serve para todos os cargos eletivos.

Para tanto, o substituto do cargo vacado precisa ser alguém que tenha sido votado, conforme obriga a Constituição, como, por exemplo, no presente caso, o candidato a senador mais votado depois de quem deixou o cargo, por se tratar do consagrado princípio da votação majoritária, segundo a norma prevista no aludido art. 46.

É preciso acabar, com a maior urgência possível, essa indecente, imoral e indigna figura de suplente de senador ou ainda, que se demonstre sobre a impossibilidade de o fazê-lo, mas obrigando que jamais seja permitido que familiares, como pais, irmãos, filhos e outros afins sejam os escolhidos, porque essa forma de esculhambação precisa ser exterminada o quanto antes e em definitivo.

Não há a menor dúvida de que os eleitores brasileiros precisam criar vergonha na cara, para eliminar da vida pública gente dessa espécie, que não tem o menor escrúpulo para se apoderar indevidamente do dinheiro público, ante a escassez para a prestação dos serviços públicos de qualidade, devendo, nesse caso horroroso, sopesar as atitudes tanto da mãe como do filho, porque ambos incidiram em práticas indecorosas, à vista do verdadeiro homem de bem e que realmente valoriza e zela pelo dinheiro do contribuinte.

Brasília, em 24 de novembro de 2021

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