sexta-feira, 12 de novembro de 2021

O depoimento do presidente

 

A Polícia Federal colheu o depoimento do presidente República, no inquérito que apura suposta tentativa da sua interferência politicamente na corporação, sob a tentativa para a blindagem de familiares e aliados de investigações.

O presidente do pais disse que não interferiu na Polícia Federal e que trocou o então diretor-geral, no ano passado, por "falta de interlocução".

A exoneração do diretor-geral da Polícia Federal implodiu a crise que levou ao pedido de exoneração do então ministro da Justiça.

O então diretor-geral da Polícia Federal era pessoa de confiança do ex-ministro e foi levado a dirigir o órgão por ele, que fez tudo para evitar a substituição por pessoa da confiança do presidente do país.

Depois da exoneração, o ex-ministro relatou que o presidente do país tentava interferir politicamente na Polícia Federal, cuja denúncia suscitou a abertura de inquérito pelo Supremo Tribunal Federal, onde o presidente do país prestou o depoimento em causa.

O presidente do país declarou "Que confirma que em meados de 2019 solicitou ao ex-ministro Sérgio Moro a troca do diretor-geral da Polícia Federal (DPF) Valeixo, em razão da falta de interlocução que havia entre o presidente da República e o diretor da Polícia Federal. Que não havia qualquer insatisfação ou falta de confiança com o trabalho realizado pelo DPF Valeixo, apenas uma falta de interlocução. Que nunca teve como intenção, com a alteração da Direção Geral, obter informações privilegiadas de investigações sigilosas ou de interferir no trabalho de Polícia Judiciária ou obtenção diretamente de relatórios produzidos pela Polícia Federal".

Em nota divulgada à imprensa, a defesa do ex-ministro disse que “foi surpreendida pela notícia de que o presidente da República, investigado no Inquérito 4831, prestou depoimento à autoridade policial sem que a defesa do ex-ministro fosse intimada e comunicada previamente, impedindo seu comparecimento, a fim de formular questionamentos pertinentes, nos moldes do que ocorreu por ocasião do depoimento prestado pelo ex-ministro, em maio do ano passado".

O ex-ministro tem afirmado que estão entre as provas de que o presidente do pais tentou interferir na Polícia Federal mensagens trocadas pelos dois em um aplicativo e a reunião ministerial de 22 de abril de 2020.

Na aludida reunião, o presidente do país disse, verbis: "Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro e oficialmente não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f... minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar. Se não puder trocar, troca o chefe dele. Se não puder trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira.".

O presidente do país justificou essa frase, dizendo que estava se referindo à segurança pessoal, nesses termos: "Que há um pequeno núcleo do GSI sediado no Rio de Janeiro, responsável pela segurança do declarante e de sua família; Que esse núcleo do GSI é formado por servidores lotados e alguns comissionados; Que achava que esse trabalho poderia ser melhorado, principalmente no acompanhamento do seu filho Carlos Bolsonaro, residente no Rio de Janeiro; Que portanto quando disse que queria trocar gente no Rio de Janeiro referia-se a sua segurança pessoal e da sua família".

O presidente do país declarou "Que ao indicar o DPF Ramagem ao ex-ministro Sergio Moro, este teria concordado com o presidente desde que ocorresse após a indicação do ex-ministro da Justiça à vaga no Supremo Tribunal Federal".

O ex-ministro disse, em contestação a essa afirmação, que em nenhum momento negociou uma vaga para o tribunal, tendo afirmado: "Sobre o depoimento do presidente da República no inquérito que apura interferência política na Polícia Federal, destaco que jamais condicionei eventual troca no comando da PF à indicação ao STF. Não troco princípios por cargos. Se assim fosse, teria ficado no governo como Ministro. Aliás, nem os próprios Ministros do Governo ouvidos no inquérito confirmaram essa versão apresentada pelo Presidente da República. Quanto aos motivos reais da troca, eles foram expostos pelo próprio Presidente na reunião ministerial de 22 de abril de 2020 para que todos ouvissem. Também considero impróprio que o Presidente tenha sido ouvido sem que meus advogados fossem avisados e pudessem fazer perguntas".

À toda evidência, a acusação segundo a qual o então ministro da Justiça teria concordado com a substituição do diretor-geral pela indicação do seu nome para o Supremo e que isso seria feito somente depois que ele fosse indicado para a corte, não tem a menor consistência, porque não teria sentido que a troca fosse feita depois que ele não estivesse mais à frente da pasta, porque o presidente poderia realizar normalmente a substituição sem precisar da concordância de quem já não mais comandava a Justiça.

Parece infantil demais a acusação, que teria como tentativa ressaltar que o ex-ministro estaria chantageando o presidente do país para conseguir o cargo do Supremo, quando a argumentação do depoente não se sustenta, mesmo porque o ex-ministro e todos sabem que o chefe do Executivo tem competência constitucional para nomear seus assessores, sem precisar do consentimento de ninguém, muito menos de ministro de Estado.

Enfatize-se, a propósito, que logo que o então ministro da Justiça ter decidido deixar o governo, uma deputada federal aliada de primeira hora do presidente do pais ainda tentou demovê-lo dessa ideia, conforme o diálogo abaixo entre ela e o então ministro da Justiça.

Eis a troca de mensagens entre a deputada e o ex-ministro, ipsis litteris:

Deputada: “Ministro, por favor, me ouça só um pouco”.

Então ministro: “Olá”.

Deputada: “O Sr é muito maior que um cargo. O Brasil depende do sr estar no MJ. Bolsonaro vai cair se o Sr sair. Entendo sua frustração. Pelo amor de Deus, me deixe ajudar. Vamos amanhã marcar 07h00 com o PR lá no Alvorada. A gente conversa e ele lhe garante a vaga no STF este ano”.

Então ministro: “Já falei com ele hoje”.

Deputada: “E o Sr fica só para não criarmos esta crise. Vcs ganharam sozinhos. Vcs 2 são 2 bicudos. O Sr é frio e ele é orgulhoso. Talvez tendo uma 3a pessoa, a gente consiga resolver. Me deixa tentar, pelo amor de Deus. Eu lhe acompanho há anos”.

Então ministro: “Prezada, vamos aguardar.”.

Deputada: “Já fui presa defendendo as suas ideias e ideiais. Por favor, ministro, aceite o Ramage. É vá em setembro para o STF. Eu me comprometo a ajudar. A fazer o JB prometer”.

Então ministro: “Prezada, não estou a venda”.

          Também em 23 de abril, conforme os diálogos divulgados, a deputada enviou mensagem ao então ministro, informando que estava na sede do Ministério da Justiça.

Ela pediu a ele “5 minutos” para uma conversa, conforme texto abaixo:

Deputada: “Tô aqui no MJ. No seu andar. Por favor, me dá 5 mimutos. O Planalto que pediu, mas estou vindo não como parlamentar. Mas como sua admiradora. Pelo NasRas. Há 6 anos te defendo. Me ouve só um pouco. Tudo o que os criminosos querem é a sua saída. Não dê esse gosto a eles, por favor. O Brasil precisa de vc.”.

Então ministro: “Se o PR anular o decreto de exoneração, ok”.

Deputada: “Vou lá tentar falar com ele”.

Essa conversa mostra que, ao contrário do que disse o presidente do país, no seu depoimento, agora, o ex-ministro não foi convencido a mudar de ideia nem com o oferecimento do cargo de ministro do Supremo, quando o recusou por oferecimento por intermédio da deputada, sob a alegação de que ele não estava à venda.

No que se refere à interferência na Polícia Federal, o presidente do país também não fala a verdade, porque isso fica muito claro na sua declaração de que "Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro e oficialmente não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f... minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar. Se não puder trocar, troca o chefe dele. Se não puder trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira.".

Ou seja, a mencionada declaração expõe o sentimento dele, no sentido de que familiares e amigos não estavam sendo protegidos, dando a entender que eles poderiam ser prejudicados, em especial nas investigações sobre “rachadinhas”, em especial.

A tentativa de mostrar que o alvo da mudança da segurança seria na guarda sob o gerenciamento do Gabinete de Segurança Institucional, no Rio de Janeiro, não tem o mínimo cabimento, em se tratando que membros dessa guarnição foram substituídos tempos antes, sem a menor dificuldade, conforme noticiário da imprensa, ficando muito clara que a alteração pretendida pelo presidente visava mesmo à cúpula da Polícia Federal, por interesse pessoal do presidente, quando é verdade que o superintendente daquele estado foi trocado imediatamente à saída do ministro, mostrando a total incoerência presidencial.

A conclusão mais límpida e indiscutível é a de que o presidente do país não tinha intenção de intervir na Polícia Federal, porque ele apenas interferiu mesmo, promovendo as mudanças que queria fazer, o que poderia ser normal se não fosse para a finalidade nada republicana, com a intenção de proteger familiares e amigos, conforme ele deixou muito claro no pronunciamento transcrito acima.

Na realidade, o depoimento disponibilizado agora ao presidente da República teria sido importante instrumento legal para ele prestar contas à sociedade, onde, em forma de grandeza política, que é própria dos verdadeiros estadistas, ele poderia ter usado da sinceridade de expor o que a verdade que somente os fatos estão a materializar, sem mentiras e subterfúgios, eis que as suas declarações, à toda evidência, não correspondem à fidedignidade do que verdadeiramente ocorreu com relação a esse imbróglio terrivelmente mal narrado por ele, diante de justificativas inconsistentes perante os fatos acontecidos.   

Brasília, em 12 de novembro de 2021

Nenhum comentário:

Postar um comentário