sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Acintosa indignidade

O preenchimento de uma vaga de desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tem suscitado acirradas disputas, inclusive pelo fato de estar concorrendo ao tão cobiçado cargo uma advogada, filha de ministro do Supremo Tribunal Federal. Ela concorre pelo quinto constitucional que tem direito a Ordem dos Advogados do Brasil, na forma da Constituição Federal, ao prevê que um quinto das vagas dos tribunais deve ser preenchido por advogado indicado pela OAB, e por representantes do Ministério Público. Ocorre que o pai da moça houve por bem entrar na campanha, para sacramentar o emplacamento da filha no cargo, mediante a materialização de ligações telefônicas a advogados e desembargadores envolvidos diretamente na indicação e escolha, mas essa pressão foi tão acintosa e vergonhosa que chegou a causar o maior constrangimento no meio jurídico. A situação vexatória e esdrúxula levou a OAB a mudar o processo de escolha, com a finalidade de blindar-se de possíveis críticas sobre favorecimento à filha do impudico ministro. Um dos dirigentes da OAB disse que "Estamos entre o mar e a rocha. Achamos melhor abrir o processo e, assim, todo mundo vê as informações sobre todos e faz a escolha". Pela tradição, os candidatos têm os currículos analisados, para a comprovação da idoneidade e atuação em cinco procedimentos em ações na Justiça por ano, durante dez anos, sendo sabatinados pelos conselheiros, que aprovam, por voto secreto, seis nomes. Diante do ocorrido, a OAB decidiu anular a pré-seleção já realizada e promover novo processo, para nova triagem, cujos candidatos habilitados serão escolhidos em voto aberto. Segundo foi apurado, o ministro manteve contato com conselheiros e desembargadores, dos quais, quatro relataram que ele fez questão de lembrar, durante as conversas, sobre processos de que eles cuidavam e que poderiam ser enviados para o STF e que três desembargadores disseram que o ministro lembrou sobre a candidatura da filha. É pena que o Brasil não seja um país sério, porque, se fosse, o pai estaria passível de perder automática e imediatamente o cargo, em virtude da notória ausência de apego aos princípios da dignidade, moralidade e ética, que devem ser rigorosamente observados pelos magistrados, a par da exigência da comprovação não somente dos elevados conhecimentos jurídicos, mas, sobretudo, da conduta ilibada e insuspeita que devem integrar a índole dos juízes, sob pena de não serem preenchidos esses requisitos, comprometendo e influenciando nos julgados da sua competência. O magistrado do Supremo Tribunal Federal tem maturidade, experiência e conhecimento suficientes para entender que tráfico de influência, que foi exatamente o procedimento por ele adotado, significa grave crime punível na forma da lei. Além ao mais, a absurda e retrógrada mentalidade da “famosa” “Lei de Gerson”, que preconiza se levar vantagem em tudo, somente se coaduna com as pessoas medíocres e de concepção ultrapassada, que menosprezam o salutar sistema do mérito, mediante o qual vence aquele que demonstrar mais capacidade para galgar os objetivos preconizados, em igualdade de condições, observado rigorosamente o princípio isonômico previsto na Carta Magna, cujo texto o aludido ministro tem por principal dever institucional, como integrante da Excelsa Corte de Justiça, defender acima quaisquer interesses pessoais. Não é de agora que se denuncia a forma nada republicana, mas sempre questionável e vergonhosa como são indicados e finalmente escolhidos os candidatos a cargos nos Tribunais Superiores, que deveriam ser apenas pela rigorosa observância dos requisitos previstos na Lei Maior do país, sobretudo pelos reconhecidos conhecimentos jurídicos, notórios saber, conduta ilibada e demais atributos que comprovam a dignidade e o mérito do candidato. Contudo, dificilmente esses requisitos são inexoravelmente atendidos, porque sempre prevalecem a influência do poder, de alguém que apadrinha, tornando letra morta os termos da Constituição, em total desrespeito aos ditames que faram aprovados justamente para assegurar a moralidade do instituto que deveria servir de exemplo aos demais cargos dos Poderes da República. A sociedade precisa repudiar com veemência os atos de indignidade na administração pública, cobrando a apuração e a punição, com rigor, dos servidores comprovadamente inescrupulosos e indecorosos, de modo a se primar pela moralização da administração do país, coibindo a incidência de indecentes tráficos de influência, que já nem deveria se falar sobre isso em pleno século XXI, porque isso demonstra verdadeira decadência dos princípios ético, moral e da dignidade. Acorda, Brasil!   
  
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
                        
Brasília, em 25 de setembro de 2014

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