terça-feira, 23 de setembro de 2014

Fragilidade da dignidade

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral disse que, a propósito de a candidata petista fazer uso do Palácio da Alvorada, residência oficial da presidente da República, para dar entrevistas a repórteres, servindo de apoio à campanha à sua reeleição, esse fato constitui vantagem indevida, por se tratar de imóvel símbolo de poder e integrar o patrimônio público da União, cujo usufruto não está previsto na legislação eleitoral. Trata-se, fora de dúvida, de uso de bem público em atendimento de fins particulares, fato que é vetado pelas normas de administração pública. Essa situação equivale se admitir, de forma absurda e inadmissível, que somente a candidata oficial pode usufruir de privilégio sem o devido merecimento, configurando deferência especial inaceitável, por se tratar de tratamento diferenciado, vetado, por óbvio, aos demais candidatos, em flagrante contrariedade aos princípios isonômico e republicano, que preconizam o dever de se assegurar, nos termos da Lei Maior, condições iguais para todos, indistintamente. Em contraposição à declaração em apreço, a presidente do país, candidata à reeleição pelo PT, rebateu, logo em seguida, as mencionadas críticas, entendendo que não há vantagem indevida, ao afirmar que “Só quero lembrar que todos os meus antecessores usaram o Palácio (…). Caso contrário, eu serei uma sem-teto. Não tenho casa. Não tenho outro local. Não fica bem eu ficar sem-teto.". As afirmações da candidata petista, além de inconsistentes, estão recheadas de demagogia, incoerência e leviandade, porque, à toda evidência, sem-teto não reside em palácio, como ela, que tem casa, e o PT tem o dever de providenciar local para a sua candidata dar entrevistas, sem precisar usar indevidamente bem público, por contrariar a legislação eleitoral, que a petista faz questão infringir. Agora, é muito estranho que o presidente do TSE reconheça a ilegalidade do uso de bem público pela candidata oficial, mas, ao mesmo tempo, fecha os olhos para essa aberração, sob o argumento de não haver representação denunciando a ilegalidade, dando a entender que a evolução do país é algo absolutamente impensável, uma vez que a constatação de irregularidade pelo uso de bem público constitui falha que não pode ser corrigida porque existe intransponível empecilho burocrático, que é muito mais importante do que o saneamento da gritante incorreção. No regime republicano, os candidatos ao mesmo cargo devem cumprir e se submeter aos rituais previstos na legislação eleitoral, em termos de propaganda política, com vistas a disseminar seus programas de governo. Isso vale dizer que, se a legislação prevê a proibição de uso do patrimônio público, nenhum candidato pode ter o privilégio de fazê-lo, para qualquer atividade de campanha, sob pena de infringir as normas aplicáveis à espécie e de incorrer nas punições cabíveis. Ao contrário disso, se a um é permitido o uso da máquina pública ou do patrimônio público, todos têm o mesmo direito de fazê-lo, em harmonia com o princípio republicano, que não admite privilégio nem discriminação, como vêm acontecendo com a candidata oficial, que se julga no direito de usar os bens públicos como se fosse propriedade exclusiva dela, em flagrante desmoralização dos princípios da ética, moralidade e legalidade. No caso da candidata petista, ela comete abusivo uso da máquina pública não somente pelo usufruto do Palácio da Alvorada, que é residência do presidente da República e não da candidata à Presidência da República, que são duas coisas distintas, completamente diferentes, embora a mentalidade da mandatária do país não consiga assim entender, justamente porque os erros cometidos no passado, por seus antecessores, têm o condão de justificar, sob a ótica da petista, os lastimáveis e injustificáveis usos de bens públicos em proveito pessoal, com indiscutível apropriação indébita por quem tem o dever constitucional de dar o exemplo de dignidade e honestidade. Veja-se que o magistrado do STF, com origem no PT, declarou que o uso da residência oficial é considerado “vantagem indevida”, condenável pela legislação eleitoral e passível de punição, na forma da lei, mas isso é contestável por quem se julga acima da lei e do entendimento jurisprudencial do país. Caso a candidata petista tivesse o mínimo de discernimento e de mentalidade pública, jamais usaria bens públicos para fins vinculados à sua campanha à reeleição, evitando o uso da máquina pública, como pessoal, imóveis, automóveis, aeronaves, segurança e demais apetrechos eleitorais na campanha, porque isso significa apropriação indébita de bens da sociedade, que não podem ser usado em proveito particular. O emprego e o uso pela candidata dos serviços pertinentes à sua reeleição somente podem ser atendidos pelo seu comitê de campanha, que arrecada doações justamente para arcar com o ônus e as despesas dela, como acontece normalmente com os demais candidatos, em situação semelhante. Como se vê, a mentalidade dos homens públicos ainda se transpõe para a idade da pedra lascada, por eles não terem condições de distinguir bens públicos de bens privados, interesses públicos de interesses privados, e, afinal, de entender o que seja o princípio republicano, que não pode ser menosprezado, de forma banal, nem mesmo pela principal autoridade do país, que deveria ser modelo de iniciativas de decência e de práticas edificantes, como forma de contribuição para o fortalecimento da dignidade e da honestidade na administração pública. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 22 de setembro de 2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário