sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Desumanidade

Enfim, há fundadas provas testemunhais dando conta de que já não existe dúvida quanto à autoria do absurdo desaparecimento do pedreiro, que se tornou um dos casos escabrosos da maior repercussão nacional e internacional. O lamentável episódio ficou esclarecido depois dos depoimentos de quatro mulheres que são soldados da Polícia Militar do Rio de Janeiro e presenciaram a aterrorizante sessão de torturas. Elas disseram a uma procuradora que receberam ordens de superiores para ocultar provas das torturas ao citado cidadão e que foram obrigadas a dar declarações pré-combinadas aos investigadores do caso. Uma das soldados contou ter ouvido gritos de dor e pedidos de socorro e tapado os ouvidos para não ouvir mais o absurdo que estava acontecendo. Na ocasião, ela confessou para duas colegas que “Isso não se faz nem com um animal”. Segundo a policial, as torturas duraram cerca de 40 minutos e depois do massacre houve silêncio, seguido de risos pelos torturadores. O local da violência contra o pedreiro foi imediatamente transformado em depósito, possivelmente com o propósito de atrapalhar as investigações sobre a violação na cena do crime. As policiais disseram que foram orientadas pelo comandante da UPP para dizerem que não ouviram nada e que o pedreiro havia descido normalmente pela escada. Uma policial disse: “Todo mundo ouvindo o que estava acontecendo, uma óbvia tortura ali. E aí a Rachel fala: 'Com esse barulho não dá pra trabalhar'. Não é assim: 'O que está acontecendo? Alguém está sendo torturado?' É 'com esse barulho não dá pra trabalhar'". Já a promotora desse para a imprensa: “O sentimento era uniforme. 'Se estão fazendo isso com aquela pessoa, se a gente for fazer alguma coisa, que vão fazer com a gente? Porque lá fora temos vários homens armados, todos superiores hierárquicos'”. Outra policial declarou ter ouvido o comandante da UPP dando ordem para o tenente subcomandante da UPP: “Medeiros, vai até lá e resolve isso aí.” Nenhum deles demonstrou surpresa com o que estava acontecendo no local das torturas. Depois de ter identificada a participação do tenente na sessão de tortura, a soldado contou ter recebido ordens do comandante da UPP para apagar as luzes da área do Parque Ecológico da Rocinha, que fica ao lado da UPP. A militar disse que cumpriu a ordem superior e permaneceu no parque por mais de duas horas, porque não queria ouvir mais as agressões. Os depoimentos das policiais são chocantes, reveladores e capazes de esclarecer o que realmente teria ocorrido com massacre do pobre pedreiro, que foi torturado e finalmente morto por policiais pagos para cumprir a nobre missão de proteger a vida dos cidadãos. Não há dúvida de que os fatos denigrem não somente a imagem da corporação da Polícia Militar carioca, mas agridem a dignidade do ser humano, que não se envergonha de cometer atrocidades e barbáries sem motivação para tanto, apenas pela simples bestialidade de querer impor autoridade que, usada dessa maneira vil, não tem a menor significância para a construção da convivência sadia entre os semelhantes. É induvidoso que nem animal merece tantas torturas e tamanho sofrimento, em troca de absolutamente nada, a não ser com o propósito de mostrar verdadeiro abuso e extrapolação de arrogância e de insignificância humanas. Ninguém sequer imaginaria que, em pleno século XXI, cenas trágicas, ultrajantes, animalescas e lamentáveis ainda pudessem ocorrer contra o ser humano pelo seu semelhante, por mais que ele tenha sido facínora, violado as normas legais e cometido os piores crimes, porque ele, ainda assim, teria o direito constitucional e legal de ser julgado por seus atos delituosos, não pela autoridade policial, mas pelo Poder Judiciário, que tem competência institucionalizada para promover o juízo sobre os crimes cometidos pelo infeliz ex-pedreiro. Trata-se ainda da maior irracionalidade a maneira de se ordenar aos subordinados que nada teria acontecido, como se o martírio do pobre homem não fosse capaz de tocar profundamente os corações de pedra de pessoas incumbidas justamente de impedir que a violência se processasse de forma extrema. Espera-se que a Justiça seja capaz de punir com severidade a insanidade dos maus policiais, que teriam agido com o máximo de irracionalidade, incivilidade e insensibilidade, fatos que os desqualificam como seres humanos, por não serem dignos da convivência pacífica com seus semelhantes. Acorda, Brasil!
 
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 12 de setembro de 2014

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