quarta-feira, 23 de novembro de 2016

A prevalência do abuso de autoridade

Enfim, a Comissão de Ética da Presidência da República decidiu abrir, por unanimidade, procedimento de investigação sobre os fatos atribuídos ao ministro da Secretaria de Governo, sob a suspeita de ter violado o princípio da legalidade no caso que resultou na demissão do ex-ministro da Cultura.
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o ministro saído do governo afirmou que o ministro de Governo o pressionou em várias ocasiões, com vistas à liberação de obra imobiliária em Salvador (BA), que havia sido embargada pelo Iphan, cujo empreendimento o político baiano tem um apartamento, adquirido na planta. 
No torvelinho do imbróglio, o presidente do país garantiu a permanência do ministro de Governo no cargo, tendo assegurado ainda que as decisões sob responsabilidade do Ministério da Cultura são e serão encaminhadas e tratadas estritamente por critérios técnicos, respeitados os marcos legais e preservada a autonomia decisória dos órgãos que o integram.
Após a abertura do processo pela citada comissão, “O ministro terá dez dias para se manifestar perante a comissão”, de quem se espera que haja decisão compatível com a realidade dos fatos, que não deixa a menor dúvida, sob o prisma da legalidade, de que o ministro feriu os princípios da administração pública, não tendo as condições necessárias para permanecer no cargo, salvo se prevalecer o vergonhoso poder do corporativismo em favor dele.
Respondendo indagação de jornalista, o presidente da aludida comissão, a propósito de um conselheiro ter sido indicado para o cargo justamente pelo ministro trapalhão, ele respondeu que tem “confiança que conselheiros agem com absoluta autonomia”.
A propósito, a sociedade espera que essa autonomia não possa contribuir para comprometer a seriedade e a imparcialidade que os conselheiros precisam observar no desempenho de suas relevantes funções, notadamente no exame dos casos submetidos ao crivo da comissão em apreço.
É lamentável que o presidente do país não tivesse, conforme demonstrou à saciedade, condições de impor a sua autoridade moralizadora nesse indecente caso de abuso de autoridade, em que, diante do poder estratégico do ocupante do cargo de interlocutor político do governo, houve clara demonstração de fraqueza e impotência presidenciais para o ministro infrator ser mandado para casa, justamente diante do poder demandado pela corrente firmada pelas lideranças da base aliada, que hipotecaram pleno apoio ao político baiano.
Com isso, o Brasil continua sendo verdadeiro paraíso de malfeitores, onde ministros ocupantes de cargos no palácio do governo têm a arrogância de pressionar quem quiser, inclusive seus pares, desde que o façam em proveito próprio, como no caso em comento, em que a “indignidade” foi punida, mas na parte pressionada, que preferiu se retirar do governo apodrecido pela latente corrupção.
A atitude do presidente de garantir a permanência no cargo do ministro infrator demonstra o alto grau de dependência dele para “negociar” seus projetos no Congresso Nacional, conforme ficou evidenciado no maciço apoio dos líderes da base aliada.
 Não obstante, é evidente que o padrão moral envolvido no caso fica muito a desejar, o que compromete bastante o lado da dignidade que não pode ser jamais desprezada, sob pena de completa desmoralização do governo e de crescimento da impopularidade do titular da Presidência.
O presidente do país perdeu excelente oportunidade para mostrar ao mundo que seu governo teria aprendido a lição segundo a qual o desrespeito aos salutares princípios da ética, moralidade e dignidade na administração pública somente tem como norte os já conhecidos fracasso e ruína nos destinos da nação, conforme mostra a história recente, que é pródiga de acontecimentos lamentáveis, onde prevalecia o abusa da autoridade e do poder, em benefício da plena dominação, que apodreceu e foi substituída por outra de quem se esperava que tivesse sensibilidade e responsabilidade públicas capazes de captar os efeitos demolidores dos malfeitos do passado e de consertá-los incontinenti, por força da atribuição institucional de zelar pelas nobreza e dignidade dos atos da administração pública.
No mínimo, o presidente do país poderia ter se convencido sobre a necessidade do afastamento do ministro desastrado, pelo menos até o resultado do processo da Comissão de Ética, que até pode nem chegar à conclusão negativa, mas teria o citado afastamento como demonstração do caráter moralizador sobre os atos públicos, evidenciando que a decisão presidencial guardaria sintonia com o sentimento dos brasileiros de não se permitir mais a banalização da bagunça na administração do país.
          Agora, não deixa de ser sintomático o animus demonstrado por um integrante da referida comissão, este indicado pelo próprio ministro, de ter pedido vista do processo pertinente à abertura de investigação, mas logo ter voltado atrás, fato que pode evidenciar ação tendenciosa, uma vez que a matéria não suscita a menor dúvida, haja vista a sua ampla divulgação nos meios de comunicação.
Como a popularidade do presidente do país já era péssima, agora ela certamente irá despencar ainda mais, em razão da sua condescendência com a conduta antiética e antirrepublicana de seu ministro, que não teve o menor escrúpulo de aprontar tamanha indignidade contra os princípios da administração pública e ainda ter o disparate de se comportar como se nada tivesse acontecido de anormal.
Certamente que, se conduta semelhante à do ministro palaciano acontecesse nas piores republiquetas, ele se sustentaria no cargo por pouquíssimo tempo, somente o suficiente para a arrumação das gavetas, tendo em vista que nesses países há o verdadeiro sentimento de dignidade que precisa ser observado pelos homens públicos, sob pena da generalização da balbúrdia que não condiz com os princípios de seriedade e de responsabilidade que se impõem na administração do país.
Urge que os brasileiros se conscientizem, cada vez mais, de que o mandatário do país precisa ser estadista com a formação moral infenso aos casuísmos e oportunismos engendrados por aproveitadores das benesses do poder, ante a indiscutível degeneração dos princípios essenciais da administração pública, como bem demonstra o episódio em referência. Acorda, Brasil! 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 23 de novembro de 2016

Nenhum comentário:

Postar um comentário