segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Punição ou premiação?

Em virtude de ter se envolvido com um narcotraficante internacional, uma juíza federal, jurisdicionada na Baia, foi condenada à pena de aposentadoria compulsória, tendo por base diálogos captados pela Polícia Federal entre ambos, que denunciavam o envolvimento dela com situações nada dignas, como o recebimento de valores e troca de favores.
Em um dos trechos dos diálogos, a juíza agradece presente mandado pelo delinquente, dizendo: “Obrigada pelas uvas, estavam maravilhosas”, fato que comprova o grau de intimidade entre eles.
A pena de aposentadoria compulsória – punição máxima prevista na Lei Orgânica da Magistratura (Loman) – foi aplicada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Paralelamente ao processo administrativo no CNJ, a juíza responde, no tribunal baiano, a ação penal em que é acusada de ter cometido vários crimes, entre eles a de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
De acordo com o voto do relator, a relação da juíza com o delinquente teve início nos idos de 2001, quando ela o inocentou em uma ação criminal em que ele foi preso em flagrante por tráfico de drogas durante uma inspeção realizada pela Polícia Federal, o que mereceu a recompensa do valor de R$ 14.800,00, depositado na conta da magistrada.
Segundo o voto do conselheiro, a juíza também teria se esforçado para “limpar” o nome do traficante, indo pessoalmente à Polícia Federal. Ainda consta do citado voto o seguinte: “Além de todos esses favores, cuidou para que Gustavo tivesse notícia de tais providências diretamente por ela, passando-lhe as informações por telefone”.
A decisão pela pena em tela teve peso o entendimento segundo o qual não se pode acolher a tese de boa-fé nas relações com o narcotraficante alegada pela juíza, considerando, em especial, que ela havia julgado um processo em que o referido senhor fora acusado de tráfico de drogas.
O voto condutor da decisão em tela conclui nestes termos: “As condutas apuradas mostram-se absolutamente incompatíveis com a dignidade, a honra e o decoro das funções de magistrada, o que gera descrédito não só em sua atuação funcional, como também refletem de forma a macular a imagem de toda a magistratura”, tendo o seu autor afirmado “a juíza feriu de morte o princípio da integridade, que deve ser observado inclusive, em sua vida particular.”.
Salta aos olhos a forma esdrúxula de punição no âmbito do poder Judiciária, que é o principal órgão da administração pública a ter a obrigação de dar o exemplo de absolutas correção e moderação do ato com o princípio da lei, mas é inconcebível que se tratando de penalidade a servidor, em razão do grave desvio das funções da magistratura, no caso de envolvimento da juíza com narcotraficante, ela seja punida com aposentadoria compulsória, evidentemente fazendo jus à remuneração do cargo que ocupava, porque isso não condiz, em princípio, com punição, mas sim com premiação.
À vista do que ocorre nos demais poderes, em caso de desvio de função, diante de grave infração da lei, o servidor simplesmente perde o cargo, ou seja, ele é expulso do serviço público, sem direito a absolutamente nada, diferentemente do que acontece no Judiciário, onde o magistrado tem direito, com base em seu estatuto, ao presente da aposentadoria compulsória, com direito aos proventos.
Por certo, absurda anomalia jurídica somente deve acontecer no país tupiniquim e exatamente no poder que tem o dever de dá lição de eficiência e correta na aplicação do ordenamento jurídico, que jamais deveria acomodar tamanha excrescência, em termos de penalidade a servidores da magistratura, com o injustificável prêmio da aposentadoria.
Trata-se de ignominioso retrocesso jurídico que já deveria ter sido corrigido há bastante tempo, em benefício dos princípios da moralidade, justiça e legitimidade, que precisam ser observados para o bem do interesse público e principalmente para o atingimento da verdadeira finalidade de punição, como assim compreendida nos países sérios, civilizados e desenvolvidos democraticamente. Acorda, Brasil! 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 21 de novembro de 2016

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