Em entrevista coletiva, o ex-ministro da Cultura
reafirmou que o motivo principal de seu pedido de demissão foi a insuportável
pressão que sofreu do ministro-chefe da Secretaria de Governo. Na edição
do jornal Folha de S. Paulo, o ex-ministro o acusa de tê-lo pressionado
a produzir parecer técnico para liberar a construção
do empreendimento imobiliário La Vue Ladeira da Barra, nos arredores
de área tombada em Salvador, na Bahia.
O ex-ministro disse que o articulador político do
governo o procurou por cinco vezes, para que o Iphan (Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional), órgão subordinado à Cultura, aprovasse o
citado projeto imobiliário.
O
ex-ministro disse que "Não desejo
isso para ninguém. Estar diante de uma pressão política, diante de um caso
claro de corrupção. Venho aqui de cabeça erguida e peito aberto. Desde o
primeiro momento, eu fui muito claro, que nada fora do script, do roteiro, iria
acontecer. Nem que isso custasse eu sair do ministério. Tenho uma
responsabilidade com as pessoas em nome de um projeto".
Ele
disse, ainda, que interesses pessoais não podem ultrapassar a questão de uma
construção de um prédio em uma área histórica de Salvador, tendo considerado a
postura do ministro da Secretaria de Governo como "descolada da realidade. É um mundo à parte. Pensei: 'Esse cara é louco.
Esse cara é maluco'. Parece que muitas vezes essa classe (política) tem um descolamento totalmente alheio à
situação das pessoas".
O
ex-ministro relatou que a terrível pressão exercida pelo colega de ministério
teve início logo depois de ter assumido o Ministério da Cultura, a qual tinha o
peso de um dos ministros mais próximos ao presidente do país, que é presidente
do PMDB na Bahia e tem influência na política local.
O
ex-ministro disse que "Ele (o articulador
político) pede minha interferência para
que isso acontecesse, não só por conta da segurança jurídica, mas também porque
ele tem um apartamento naquele empreendimento.”. O articulador político pergunta
ao ex-colega: “E aí, como é que eu fico
nessa história?".
O
empreendimento imobiliário em questão foi embargado pela direção nacional do Iphan,
em razão de estar localizado em área tombada como patrimônio cultural da União,
sujeito a regramento especial, mas os construtores pretendem erguer edifício
com 30 andares, quando aquele órgão havia autorizado a construção de, no
máximo, de 13 andares.
Embora
a sede nacional do Iphan tivesse barrado a construção, a superintendência
regional do órgão na Bahia elaborou parecer técnico liberando a obra. O
ex-ministro ressaltou ao jornal que tinha informações de que a direção da
superintendência baiana do Iphan fora indicada pelo ministro baiano.
O
ex-ministro disse que, em face da iminência de que o Iphan não liberaria o
empreendimento imobiliário em causa, ele passou a receber pressões de
integrantes do governo para conceder a licença de construção ou enviar o caso
para a Advocacia-Geral da União, ou seja: "A informação que eu tive foi que a AGU construiria um argumento de que
não poderia haver decisão administrativa (do Iphan). Isso significa que o empreendimento seguiria com o parecer do Iphan
da Bahia, que liberava a obra".
Diante da enorme repercussão da entrevista em tela,
o articulador político confirmou ter tratado do assunto com o ex-ministro da
Cultura e admitiu a aquisição de apartamento no questionado empreendimento, mas
ele nega ter feito algum tipo de pressão: “Essa
história está mal contada. Como justifica o pedido de demissão se ele foi
prestigiado na posição dele. Ele poderia ter se sentido constrangido se tivesse
sido forçado a tomar uma posição que não quisesse. Eu não vou entrar em agressão pessoal contra o ex-ministro.
Não sei qual é a razão para ele estar agindo assim.”.
O ex-ministro reafirmou acreditar que os interesses
pessoais não poderiam ter chegado a esse ponto e criticou a reação do baiano,
dizendo: “É um mundo à parte. Esse cara é
louco, esse cara é maluco. Parece que muitas vezes essa classe tem um
descolamento totalmente alheio à situação das pessoas”.
Ele
agradeceu a postura da presidente do Iphan, tendo explicado que o presidente do
país foi informado da questão, mas que preferiu deixar o cargo porque viu "que as coisas não se sustentariam".
Segundo
o ministro baiano: "... Em nenhum
momento, foi feita pressão para que ele tomasse posição. Foram feitas
ponderações. Mas ao fim, ao cabo, as ponderações não prevaleceram...”, tendo
apenas mostrado ao agora ex-colega que a judicialização da licença concedida
pelo Iphan "gera desemprego" e "cria instabilidade" para
quem comprou apartamentos no empreendimento imobiliário.
O articulador político ressaltou que, depois de ter
conversado, por telefone, com o presidente do pais, sente-se “absolutamente confortável' no cargo, em
que pese o desabafo do ex-ministro da Cultura ter a força de uma bomba de
megaton, caso o assunto fosse tratado com a devida transparência em um país
sério e civilizado, quando o fato seria imediatamente passado a limpo e punido
o culpado em mais um vergonhoso affaire nas entranhas do governo.
Não
há a menor dúvida de que é bastante estranho que ministro de relevante posição
na esfera do governo, com ligação direta com o presidente, use o peso do
próprio cargo para coagir, pressionar e até ameaçar seus pares na tentativa da
satisfação de objetivos pessoais, como parece ser o caso em comento.
É
duro, em pleno século XXI, ainda existir governo que tolera que assessor direto
do mandatário do país tenha a indignidade de confundir o público com o privado
e ainda achar que pode atender seus interesses na base da pressão, conforme
afirmou o ex-ministro da Cultura, que teve o caráter de não se submeter às
chafurdices do submundo do poder, onde são tramados os esquemas criminosos,
evidentemente nada republicanos, a exemplo desse que acaba de ser denunciado.
O
presidente precisa agir com rapidez, porque os fatos são da maior gravidade,
por envolver interesses espúrios, capazes de comprometer a dignidade e a
decência da República, de modo que eles sejam imediatamente apurados, por força
do princípio da transparência, mas, desde logo, indo mais além com o imperioso
afastamento do governo do ministro que teria maculado a pureza da integridade
do cargo que ocupa, por ter agido à margem da decência e da ética, em
desrespeito à liturgia da relevância do cargo de ministro.
Nos
países sérios, civilizados e desenvolvidos democraticamente, a atitude do
ministro opressor seria motivo de censura ao governo todo, no sentido afastá-lo
até o resultado das investigações, sob a condição de seu retorno ao governo
somente puder acontecer em caso de comprovada a sua inculpabilidade, em que
pesem os fatos já conspirarem contra ele, uma vez que os relatos guardam
plausibilidade com os fatos.
O
Brasil não merece continuar enfrentando situações vexatórias e esdrúxulas como
essa e ainda ser obrigado a aceitá-las como se nada tivesse acontecido de
desabonador contra os princípios da ética, moralidade e dignidade, entre
outros, cuja observância de tais conceitos é obrigatória nas nações dignas e
responsáveis.
Os
fatos atribuídos ao articulador político não são capazes de somente derrubá-lo do
cargo, mas o governo, que é tem pessoas que não conseguem distinguir o público do
privado e ainda aparelham os órgãos e as entidades públicos, para facilitar a
consecução de seus interesses.
O
presidente do país tem obrigação de mandar apurar e explicar aos brasileiros mais
esse triste imbróglio, porque a versão do ministro baiano já esparramou no
chão, de podre e de insustentável, em termos de moralidade.
É
lamentável que mude o governo, mas a mentalidade sobre o uso da máquina pública
na satisfação pessoal continua patente, como no passado recente, à vista do
caso patético em comento, que precisa ser investigado a fundo, cujo resultado
deva servir de exemplo, para se evitar a reincidência de casos semelhantes.
O
governo federal não pode encobrir malfeitos ou atos suspeitos de irregulares,
sob pena de contribuir para o estímulo, no âmbito da administração ainda fragilizada
pela devassidão que foi capaz de destruir os princípios éticos e morais, da
corrupção e do abuso de poder, porquanto esse lamentável episódio serve como
símbolo determinante para a sinalização do poder do presidente do país para mostrar
que a oligarquia do submundo da criminalidade dentro governo não tem mais vez e
todos os males são cortados pela raiz, doa quem doer, porque a destruição moral
já causou enormes prejuízos ao país, como mostram os resultados e os
indicadores nacionais. Acorda, Brasil!
ANTONIO
ADALMIR FERNANDES
Brasília,
em 20 de novembro de 2016
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