domingo, 20 de novembro de 2016

Basta de abuso de poder

Em entrevista coletiva, o ex-ministro da Cultura reafirmou que o motivo principal de seu pedido de demissão foi a insuportável pressão que sofreu do ministro-chefe da Secretaria de Governo. Na edição do jornal Folha de S. Paulo, o ex-ministro o acusa de tê-lo pressionado a produzir parecer técnico para liberar a construção do empreendimento imobiliário La Vue Ladeira da Barra, nos arredores de área tombada em Salvador, na Bahia.
O ex-ministro disse que o articulador político do governo o procurou por cinco vezes, para que o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), órgão subordinado à Cultura, aprovasse o citado projeto imobiliário.
O ex-ministro disse que "Não desejo isso para ninguém. Estar diante de uma pressão política, diante de um caso claro de corrupção. Venho aqui de cabeça erguida e peito aberto. Desde o primeiro momento, eu fui muito claro, que nada fora do script, do roteiro, iria acontecer. Nem que isso custasse eu sair do ministério. Tenho uma responsabilidade com as pessoas em nome de um projeto".
Ele disse, ainda, que interesses pessoais não podem ultrapassar a questão de uma construção de um prédio em uma área histórica de Salvador, tendo considerado a postura do ministro da Secretaria de Governo como "descolada da realidade. É um mundo à parte. Pensei: 'Esse cara é louco. Esse cara é maluco'. Parece que muitas vezes essa classe (política) tem um descolamento totalmente alheio à situação das pessoas".
O ex-ministro relatou que a terrível pressão exercida pelo colega de ministério teve início logo depois de ter assumido o Ministério da Cultura, a qual tinha o peso de um dos ministros mais próximos ao presidente do país, que é presidente do PMDB na Bahia e tem influência na política local.
O ex-ministro disse que "Ele (o articulador político) pede minha interferência para que isso acontecesse, não só por conta da segurança jurídica, mas também porque ele tem um apartamento naquele empreendimento.”. O articulador político pergunta ao ex-colega: “E aí, como é que eu fico nessa história?".
O empreendimento imobiliário em questão foi embargado pela direção nacional do Iphan, em razão de estar localizado em área tombada como patrimônio cultural da União, sujeito a regramento especial, mas os construtores pretendem erguer edifício com 30 andares, quando aquele órgão havia autorizado a construção de, no máximo, de 13 andares.
Embora a sede nacional do Iphan tivesse barrado a construção, a superintendência regional do órgão na Bahia elaborou parecer técnico liberando a obra. O ex-ministro ressaltou ao jornal que tinha informações de que a direção da superintendência baiana do Iphan fora indicada pelo ministro baiano.
O ex-ministro disse que, em face da iminência de que o Iphan não liberaria o empreendimento imobiliário em causa, ele passou a receber pressões de integrantes do governo para conceder a licença de construção ou enviar o caso para a Advocacia-Geral da União, ou seja: "A informação que eu tive foi que a AGU construiria um argumento de que não poderia haver decisão administrativa (do Iphan). Isso significa que o empreendimento seguiria com o parecer do Iphan da Bahia, que liberava a obra".


Diante da enorme repercussão da entrevista em tela, o articulador político confirmou ter tratado do assunto com o ex-ministro da Cultura e admitiu a aquisição de apartamento no questionado empreendimento, mas ele nega ter feito algum tipo de pressão: “Essa história está mal contada. Como justifica o pedido de demissão se ele foi prestigiado na posição dele. Ele poderia ter se sentido constrangido se tivesse sido forçado a tomar uma posição que não quisesse. Eu não vou entrar em agressão pessoal contra o ex-ministro. Não sei qual é a razão para ele estar agindo assim.”.
O ex-ministro reafirmou acreditar que os interesses pessoais não poderiam ter chegado a esse ponto e criticou a reação do baiano, dizendo: “É um mundo à parte. Esse cara é louco, esse cara é maluco. Parece que muitas vezes essa classe tem um descolamento totalmente alheio à situação das pessoas”.
Ele agradeceu a postura da presidente do Iphan, tendo explicado que o presidente do país foi informado da questão, mas que preferiu deixar o cargo porque viu "que as coisas não se sustentariam".
Segundo o ministro baiano: "... Em nenhum momento, foi feita pressão para que ele tomasse posição. Foram feitas ponderações. Mas ao fim, ao cabo, as ponderações não prevaleceram...”, tendo apenas mostrado ao agora ex-colega que a judicialização da licença concedida pelo Iphan "gera desemprego" e "cria instabilidade" para quem comprou apartamentos no empreendimento imobiliário.
O articulador político ressaltou que, depois de ter conversado, por telefone, com o presidente do pais, sente-se “absolutamente confortável' no cargo, em que pese o desabafo do ex-ministro da Cultura ter a força de uma bomba de megaton, caso o assunto fosse tratado com a devida transparência em um país sério e civilizado, quando o fato seria imediatamente passado a limpo e punido o culpado em mais um vergonhoso affaire nas entranhas do governo.
Não há a menor dúvida de que é bastante estranho que ministro de relevante posição na esfera do governo, com ligação direta com o presidente, use o peso do próprio cargo para coagir, pressionar e até ameaçar seus pares na tentativa da satisfação de objetivos pessoais, como parece ser o caso em comento.
É duro, em pleno século XXI, ainda existir governo que tolera que assessor direto do mandatário do país tenha a indignidade de confundir o público com o privado e ainda achar que pode atender seus interesses na base da pressão, conforme afirmou o ex-ministro da Cultura, que teve o caráter de não se submeter às chafurdices do submundo do poder, onde são tramados os esquemas criminosos, evidentemente nada republicanos, a exemplo desse que acaba de ser denunciado.
O presidente precisa agir com rapidez, porque os fatos são da maior gravidade, por envolver interesses espúrios, capazes de comprometer a dignidade e a decência da República, de modo que eles sejam imediatamente apurados, por força do princípio da transparência, mas, desde logo, indo mais além com o imperioso afastamento do governo do ministro que teria maculado a pureza da integridade do cargo que ocupa, por ter agido à margem da decência e da ética, em desrespeito à liturgia da relevância do cargo de ministro.
Nos países sérios, civilizados e desenvolvidos democraticamente, a atitude do ministro opressor seria motivo de censura ao governo todo, no sentido afastá-lo até o resultado das investigações, sob a condição de seu retorno ao governo somente puder acontecer em caso de comprovada a sua inculpabilidade, em que pesem os fatos já conspirarem contra ele, uma vez que os relatos guardam plausibilidade com os fatos.
          O Brasil não merece continuar enfrentando situações vexatórias e esdrúxulas como essa e ainda ser obrigado a aceitá-las como se nada tivesse acontecido de desabonador contra os princípios da ética, moralidade e dignidade, entre outros, cuja observância de tais conceitos é obrigatória nas nações dignas e responsáveis.
Os fatos atribuídos ao articulador político não são capazes de somente derrubá-lo do cargo, mas o governo, que é tem pessoas que não conseguem distinguir o público do privado e ainda aparelham os órgãos e as entidades públicos, para facilitar a consecução de seus interesses.
O presidente do país tem obrigação de mandar apurar e explicar aos brasileiros mais esse triste imbróglio, porque a versão do ministro baiano já esparramou no chão, de podre e de insustentável, em termos de moralidade.
É lamentável que mude o governo, mas a mentalidade sobre o uso da máquina pública na satisfação pessoal continua patente, como no passado recente, à vista do caso patético em comento, que precisa ser investigado a fundo, cujo resultado deva servir de exemplo, para se evitar a reincidência de casos semelhantes.
O governo federal não pode encobrir malfeitos ou atos suspeitos de irregulares, sob pena de contribuir para o estímulo, no âmbito da administração ainda fragilizada pela devassidão que foi capaz de destruir os princípios éticos e morais, da corrupção e do abuso de poder, porquanto esse lamentável episódio serve como símbolo determinante para a sinalização do poder do presidente do país para mostrar que a oligarquia do submundo da criminalidade dentro governo não tem mais vez e todos os males são cortados pela raiz, doa quem doer, porque a destruição moral já causou enormes prejuízos ao país, como mostram os resultados e os indicadores nacionais. Acorda, Brasil! 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 20 de novembro de 2016

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