terça-feira, 22 de novembro de 2016

O martírio dos nordestinos

Mais uma vez se repete a tragédia imposta a mais de mil municípios do Nordeste, que estão em situação de lamúria e emergência por causa da seca inclemente, onde falta, além da água - quando não é racionada - comida para as pessoas e os animais.
O quadro vem piorando diante de que as reservas de água estão se acabando de forma progressiva, propiciando enorme desespero para a população, que não tem esperança de enxergar o término do seu eterno e doloroso sofrimento.
Em muitas localidades ainda resta um pouquinho de água esverdeada e fedorenta, que, apesar de imprópria para o consumo, ainda é utilizada para suportar a indisponibilidade de água pura, sob pena de morrer de sede, em razão da falta de alternativa.
Calcula-se que a escassez de água já afeta a situação de mais de dez milhões de pessoas, atingidas diretamente pela seca que castiga o semiárido brasileiro, que não tem como deixar de enfrentar uma das piores secas das últimas décadas.
Com a falta de água nos açudes e reservatórios, o abastecimento vem sendo feito em caráter de emergência, com o aproveitamento da água ainda depositada em cisternas ou obtida de muito longe das localidades afetadas, cujo processamento é feito com o auxílio de carros-pipa, ainda utilizados como principal recurso para minimizar o martírio dos nordestinos.
Uma dona de casa disse que “Não tem como a gente ficar aqui não, porque não tem água e sem água ninguém vive”, enquanto um agricultor, ao lamentar a terrível situação, disse que “Sem comida e sem água fica ruim, dá até vontade de chorar desse jeito…”.
Outro agricultor foi além disso e ponderou: “É a pergunta que a gente faz todo dia cedinho depois de acordar: quando acabar essa aguinha aqui, o que é o que a gente vai ter para os animais, o que vai ser da gente e da nossa criação? Porque ninguém tem outra alternativa”.
Conforme constatação oficial, a quase totalidade dos reservatórios do Nordeste mantém muito pouco água e esse resto pode acabar rapidinho, tendo em vista que as altas temperaturas e a baixa umidade do ar contribuem para a incontrolável evaporação do precioso líquido.
Os açudes de pequeno e médio portes não conseguiram manter água por muito tempo em seus porões, que nem chegaram a acumular água da última invernada, diante da pouca precipitação pluviométrica, como chamam os especialistas do tempo.  
O certo é que, devido à falta de água e de pasto, os animais são obrigados a passar pelos castigos da sede e da fome, sendo inevitável o enfrentamento da desnutrição e da fraqueza, e muitos sequer conseguem ficar em pé, de tão difícil a situação pela subsistência.
Também já são normais as constantes mortes de animais, por causa da seca, aumentando a preocupação dos sertanejos diante da impossibilidade de se evitar mais perdas, porque há a certeza de que ainda vai demorar a chegada da água, com a invernada prometida somente para o princípio de 2017.
O retrato da tragédia nordestina impressiona bastante aqueles que têm sensatez e sensibilidade humanas para avaliar com o coração a devassa que a falta de água causa à vida do ser humano e dos animais, por deixar rastro de desolação e de destruição, não somente de bens materiais, mas principalmente do arraigado amor aos sentimentos de “nordestinidade” que é naturalmente impregnado no âmago do coração.
Trata-se de situação dura e angustiante, materializada nas entranhas da seca que arrasta com ela vigorosos passos da destruição de tudo de bom que foi construído pelo calejado homem da roça, que ainda se penitencia a continuar lutando contra tudo e todos, porque os clamores nunca são ouvidos e suas dores apenas se renovam em seguida à seca passada.
A verdade é que a compulsória dureza enfrentada pelos sertanejos demonstra o tanto de martírio e de dor que são cravados nos seus corações, deixando a marca indelével de uma realidade cruel e dolorosa de mais uma terrível seca, cuja incidência já se tornou corriqueira e normal para os homens públicos, que até insinuam gigantesca preocupação com a situação desastrosa, apenas da boca para fora, porque, se algo ainda é feito, não passa de ridículo paliativo, como se ele tivesse servido como solução definitiva.
As imagens de desolação e de abandono do sertanejo são muito fortes, porque elas retratam o quadro e a dimensão do sofrimento do povo nordestino e de seus diminutos rebanhos, estes sob a terrível ameaça de progressiva extinção, à vista das piores perspectivas de maior abandono, ante os ajustes prometidos para a econômica, com sérias implicações nos orçamentos públicos.
Não há a menor dúvida de que a tendência é a piora da situação, diante da falta de iniciativa quanto à adoção de medidas emergenciais contra os efeitos da seca, que exige não somente a presença in loco do Estado nos locais da falta de água, para levar a indispensável ajuda e preparar estudos e medidas capazes de solucionar as causas das secas, ou até mesmo como forma de minimizar a caustica situação, que se expande no seio desses inflexíveis sertanejos, que lutam bravamente diante desse quadro complexo e horroroso.
          A situação se torna ainda mais grave porque as autoridades públicas, aí incluídos governantes e parlamentares – que são imunes aos efeitos dessa intensa perversidade da natureza - fazem de ouvidos moucos às queixas, às lamúrias e aos reiterados pedidos de socorro, que são insistentemente entoados, de forma permanente, mas jamais atendidos.
Não obstante, os interiores dos palácios públicos são ornados com o maior conforto e abastecidos com muita fartura, inclusive água pura e abundante, onde não há preocupação e os muros impedem que ecoem os gritos dos desesperados, desprezados e aflitos nordestinos, que, por razões óbvias, são visitados e afagados por ocasião das campanhas eleitorais, onde a falsidade campeia junto com as promessas que nunca são resgatadas, porque elas são logo esquecidas após o pleito eleitoral, quando os objetivos políticos são satisfeitos e a vida do renegado sertanejo volta à normalidade de desprezo de sempre.
O nordestino precisa mostrar a sua verdadeira face da dignidade e da altivez, para exigir, com veemência, das autoridades públicas os cuidados devidos e necessários à região, em especial quanto à consecução dos mecanismos capazes de contrapor à apatia e ao desprezo que são indiscutivelmente responsáveis pela crônica e triste situação da falta de água, que jamais deveria ocorrer, mesmo que faltassem chuvas, porque a vontade política tem a força da superação das dificuldades.
          Não há a menor dúvida de que a real culpa pelo sofrimento dos nordestinos, no que se refere à falta de água, deve-se ao descaso e à omissão dos políticos, que não têm a sensibilidade nem a dignidade de abdicar dos interesses pessoais em prol do seu empenho à causa das pessoas que estão vivendo em verdadeiro martírio, por causa das dolorosas secas e do descaso por parte de quem tem o dever constitucional e legal de se empenhar para a obtenção dos mecanismos e recursos materiais e financeiros para proporcionar a necessária dignidade aos destemidos e fortes nordestinos.
Urge que o povo do Nordeste se conscientize sobre a imperiosa necessidade de se exigir, com pulsos fortes, das autoridades públicas, diante desse trágico quadro da falta de água, os sublimes interesse, empenho e dedicação para solucionar, em definitivo, a crônica escassez do preciso líquido, à vista dos visíveis desprezo, omissão e irresponsabilidade para causa de extrema gravidade, por envolver a sobrevivência de vidas humanas e de animais, submetidas ao eterno padecimento causado por incomparável sortilégio das secas. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 22 de novembro de 2016

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