sábado, 5 de novembro de 2016

Práticas cruéis...

Na atualidade, discute-se, de forma acalorada, a continuidade ou não da tradicional e secular vaquejada, que é normalmente praticada no Nordeste e se baseia originalmente na disputa de vaqueiros do sertão, cujos eventos costumam durar até quatro dias, onde cavaleiros têm a obrigação de derrubar os bois, em busca de prêmios em dinheiro e de diversão para os participantes.
Há notícias de que, no parque Alto Sereno, em Serrinha, cidade da Bahia, as premiações podem atingir à cifra de R$ 50 mil, que são acompanhadas por competições diversas, como leilões de animais, shows musicais, escolha do rei e da rainha da vaquejada, entre outras atividades que rendem milionários lucros para os organizadores.
Conforme levantamento da Associação Brasileira de Vaquejadas (Abvaq), as atividades no Nordeste movimentam o valor estimado de R$ 700 milhões por ano e geram 750 mil empregos diretos e indiretos.
A existência desses eventos vem sendo questionada e corre o risco de ser proibida, em definitivo, por força da recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que julgou a vaquejada como crueldade contra os animais, ao analisar a constitucionalidade de lei do Estado do Ceará, que versava sobre o reconhecimento da vaquejada como atividade desportiva e cultural.
Com base na mencionada decisão, o Ministério Público tem conseguido, na Justiça, a proibição de algumas vaquejadas em estado do Nordeste.
À vista do alcance protetor da vida animal, a decisão do Supremo também tem contribuído para dificultar a realização outras manifestações denominadas culturais que utilizam animais, a exemplo da Festa do Peão de Barretos (SP) e o Rodeio Crioulo, evento tradicional no Sul do país.
Não obstante, como a decisão do Supremo foi adotada em caso específico, a Justiça tem interpretado o tema de forma diferenciada, como o que ocorreu com um juiz que liberou a vaquejada em Campina Grande, na Paraíba.
Os defensores da vaquejada demonstram temor de que essa prática seja resolvida nos moldes das brigas de galo, no Rio de Janeiro, e da Farra do Boi de Santa Catarina, que também foram envolvidas em demandas judiciais, cujas tentativas de regulamentação acabaram sendo consideradas inconstitucionais pela Suprema Corte de Justiça.
Uma vereadora e advogada de Salvador (BA), a par da citação sobre participação de animais em eventos culturais, disse que “Fizemos vídeos, mostramos como os animais são tratados e a Justiça foi sensata em proibir. E essa decisão do STF sobre a vaquejada foi uma vitória para todos aqueles que cultuam a preservação da vida”.
No entendimento da parlamentar, a vaquejada é um “instrumento de violência” porque, em sua opinião, “agir com violência é considerado uma coisa normal” nesses eventos.
Presentemente, o lobby em favor da vaquejada tem sido bastante ativo por parte de seus defensores, principalmente do poder econômico, que já promoveram protestos em diversas localidades, inclusive em Brasília, onde foi montado poderoso escritório composto de advogados, políticos, empresários e organizadores de vaquejadas, na tentativa da reversão do quadro desfavorável que se encontra a causa em apreço.
Um deputado federal da Bahia, a par de classificar a decisão do Supremo de “ato de discriminação contra o Nordeste”, ressaltou que “Estamos tendo reuniões todos os dias e estudando medidas que podemos tomar para que a tradição da vaquejada continue. É discriminação porque o STF permite esportes de ricos que usam animais, como polo, turfe, rodeio. Como a vaquejada é uma atividade de vaqueiros pobres, eles não permitem”.
Não é correto se afirmar que “vaqueiros pobres” sejam os únicos que não se beneficiam dessa “farra do boi”, porque o poder econômico é quem está bancando tudo, em proveito próprio.
A ação pró-vaquejada avança com celeridade no Senado Federal, onde uma comissão aprovou projeto de lei, com pedido de urgência da sua análise pelo plenário da Casa, que eleva a vaquejada e o rodeio à condição de manifestações da cultura nacional e patrimônio cultural imaterial.
Um senador do Nordeste disse, na ocasião, que “O que se precisa é corrigir o que ainda é feito de forma errada, o que já vem sendo feito há tempos. Há plantão de veterinários, não existe mais contato dos animais com o metal e é utilizado um rabo artificial”.
Nenhum ser humano se atreveu, ainda, a se colocar no lugar do boi, para fazer as vezes de animal a ser derrubado, apesar da existência do plantão de veterinários, que tem o condão de reafirmar a crueldade dos animais, à vista da sua existência.
É bem de se ver que a importante decisão do Supremo contra a lei do Ceará se baseou, entre outros elementos, em laudos elaborados sobre as vaquejadas, de autoria de centros de pesquisa, sendo um deles da Universidade Federal de Campina Grande (PB), que, entre outros dados técnicos, apontou “lesões e danos irreparáveis” em bois e cavalos, como exostose (formação anormal de ossos ou cartilagens), miopatias (doenças musculares) por esforço e fraturas.
O advogado dos organizadores de vaquejadas disse que teria citado, em um recurso na Justiça, o voto de um ministro do STF, onde está escrito que se deve proibir os eventos “quando for impossível sua regulamentação de modo suficiente para evitar práticas cruéis”.
À toda evidência, essa frase é bastante genérica e imprecisa, não servindo de base para caso concreto.
O citado causídico disse que “Em Campina Grande, o juiz nos deu a oportunidade de demonstrar o que estamos fazendo para proteger os animais. Ao conhecer nossos argumentos, entendeu que realizávamos uma vaquejada dentro dos princípios de respeito aos animais adotados nos dias atuais”.
Os casos de lesões e danos em animais continuam sendo irreparáveis, conforme atestam os laudos técnicos de especialistas no assunto, fato que contradiz a defesa do mencionado advogado.
A promotora de Serrinha (BA) disse que “A decisão (do Supremo) é conclusiva no sentido de que a prática de vaquejada configura crime ambiental de maus-tratos a animais, alcançando todos os Estados”. Ela disse que já constatou o “desenluvamento de cauda” de boi.
Na cidade de Serrinha, de 82 mil habitantes, as vaquejadas vêm ocorrendo há 46 anos e são o motor da economia local, segundo afirmação de seu prefeito, que disse: “mais de mil casas são alugadas” e “hotéis daqui e de cidades próximas ficam cheios” durante o evento. E concluiu: “Se acabar (a vaquejada), será um grande prejuízo para o povo do Nordeste.”.
Não se pode negar que as vaquejadas são eventos tradicionais do Nordeste, de cunho cultural de suma importância, com enorme aceitação e penetração, em especial, no âmbito da população sertaneja, e são também motivo de orgulho para os seus organizadores, ante o destaque proporcionado por sua participação nos festejos, em que pese o enorme sacrifício para os animais neles envolvidos, chegando à mutilação de órgãos e até mesmo à morte de alguns animais.
Trata-se, indiscutivelmente, de gigantesca crueldade praticada contra animais, em especial da raça bovina, que são usados para a satisfação do bicho-homem, que apenas se beneficia do sucesso alcançado em cada evento, sendo sempre estimulado à realização de mais atividades do gênero, sem olvidar-se que há, na verdade, o fortíssimo sentimento da busca alucinada não somente da diversão, porque isto faz parte do jogo, mas sim, especialmente, da fácil realização econômica, do lucro faturado com o sacrifício de animais indefesos e desprotegidos pelas pessoas e, em especial, pelos órgãos federais incumbidos de proteger e defender a integridade dos animais.
É induvidoso que a defesa das vaquejadas se insere em um capítulo triste e lamentável ínsito do Homo sapiens, que não se sensibiliza com o sacrifício de ninguém, quando há o envolvimento de seus interesses, como se verifica no caso em comento, em que prefeitos, políticos e dirigentes de organizações afins defendem a continuidade dos eventos, mas certamente com o pensamento na perda do faturamento da comercialização que os envolve, ou seja, da atividade econômica, cujos lucros são auferidos com o sacrifício de animais, sem os quais não há festa.
No passado, poder-se-ia até considerar normal que atividades dessa natureza existissem, em razão própria do atraso científico e tecnológico, em que não havia alternativa para suprir forma de diversão como a vaquejada, mas, agora, em pleno século XXI, quando o homem alcançou outros mundos, com a descoberta e a exploração do espaço sideral e foi capaz de revolucionar as ciências, não se justifica mais, por qualquer argumento que seja, a realização de eventos de pura irracionalidade, brutalidade e crueldade, tendo o bicho-homem como principal mentor e executor, sobressaindo o ânimo exclusivamente econômico, à vista da certeza do lucro, sob o desprezo da integridade física de animais.
Certamente que, na possibilidade da transferência do sofrimento físico dos animais para os executores das vaquejadas, o bicho-homem ainda assim continuaria defendendo suas selvagerias como forma de diversão humana? Possivelmente que não, porque ele tem o sentimento e a sensibilidade para sentir na pele quando a dor acontece e não tem lucro algum que o faça defensor de atos desumanos e irracionais quando ele é atingido diretamente.
A importante decisão do Supremo sobre o término das vaquejadas no estado do Ceará foi levada em conta que há “crueldade” nesses eventos e que a proteção do meio ambiente sobrepõe-se aos valores culturais, mas nem por isso o homem tem a dignidade de ponderar que isso representa maus-tratos contra animais, dando a entender que o baixíssimo nível de insensibilidade humana é incapaz de perceber que os brutos também sofrem e precisam que seus direitos de integridade física sejam respeitados, do mesmo modo que o homem se torna brutalizado quando é espezinhado e maltratado.
O bicho-homem precisa se conscientizar de que a dor da mutilação não martiriza somente o ser humano, mas também os animais irracionais, que não podem ser sacrificados com a leniência das autoridades públicas, que precisam ser urgentemente responsabilizadas por sua injustificável omissão, diante da maldade e da crueldade contra os animais indefesos, que são explorados em nome da ganância econômica do homem, conforme mostram os relatos da reportagem. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 05 de novembro de 2016

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