sexta-feira, 28 de abril de 2017

Desrespeito à vítima

Um juiz do estado norte-americano de Utah definiu um estuprador, antes de condená-lo à prisão, como um homem “extraordinariamente bom”, na presença da vítima do criminoso, que se encontrava presente na sala e teve que ouvir e engolir a seco esse cruel elogio a um criminoso insano.
Com certa gravidade, o juiz precisou conter as lágrimas ao falar do estuprador, antigo bispo da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, mas, apesar da sentida emoção, decidiu condená-lo por estuprar duas mulheres, em incidentes separados, ocorridos em 2013.
O juiz sentenciou que “A corte não tem nenhuma dúvida de que o senhor Vallejo é um homem extraordinariamente bom. Mas às vezes os homens bons fazem coisas ruins”.
As “coisas ruins” feitas pelo ex-pastor se referem ao estupro de uma mulher de 19 anos de idade, na época do crime. Ela foi obrigada a ouvir, na sala, o discurso emocionado do juiz.
Entrementes, a vítima disse, em tom de protesto, que “Ele nunca poderia ter pronunciado estas palavras. Dizer isso em um tribunal, diante da vítima de uma violação cometida por este homem, dizer que ele é uma boa pessoa é algo pouco profissional e inaceitável”.
O mesmo juiz já havia demonstrado sua bondade pelo estuprador, quando, em fevereiro último, no ato da apresentação dos crimes, ele permitiu que o acusado ficasse em liberdade, sem necessidade do pagamento de fiança, decisão considerada inusitada e surpreendente, em se tratando de caso de estupro duplo.
O ex-pastor foi condenado por um estupro em primeiro grau e por 10 delitos de abuso sexual.
O antigo bispo mórmon alegou ser inocente durante todo o processo. Após ouvir o veredito, ele se negou a aceitar os fatos e assegurou que “o sistema judicial é uma armadilha que obriga inocentes a se declararem culpados”.
O chefe da associação do Centro de Pesquisa Nacional de Violência Sexual dos Estados Unidos afirmou que as palavras insensatas do juiz causaram um impacto muito negativo numa vítima de estupro”.
Enfim, a sentença do juiz foi de condenação do ex-pastor a 15 anos de prisão pelos delitos de abuso sexual, e a cinco anos pelo estupro.
À primeira vista, poderia se imaginar que se tratasse de juízo medieval, que ainda estivesse aplicando as leis hieroglíficas, completamente em desarmonia com a realidade e a modernidade, mesmo na nação considerada evoluída, que domina soberanamente o avanço da ciência e da tecnologia, não sendo mais permitida manifestação estapafúrdia e fora de contexto como essa.
Trata-se, sem dúvida, de imperdoável desrespeito à dignidade do ser humano e até mesmo de indiscutível incoerência, exatamente porque o criminoso foi condenado a prisão pela prática de crimes horrorosos, em completa incompatibilidade com a insensatez de pessoa elogiada como sendo homem "extraordinariamente bom", porque quem é realmente bom não comete crime bárbaro e hediondo, como o de estupro, que tem como marca a destruição da dignidade do ser humano.
Em hipótese alguma, o magistrado poderia ter ressaltado, no momento do julgamento de terríveis crimes, outras qualidades senão que pudesse contribuir para atenuar a gravidade dos violentos crimes, o que não foi o caso, ante a clara demonstração de desrespeito à vítima, presente no local, por certamente ferir a ética do exercício da magistratura e contribuir, de certa forma, de incentivo ao crime que, no caso, teria sido praticado por pessoa boa, na opinião do juiz, dando a impressão de que a culpa pelo crime era da vítima, que poderia o ter seduzido à pratica do censurado ato. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 28 de abril de 2017

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