segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

A perda do bom senso e da razoabilidade?

As negociações para a eleição da nova direção do Congresso Nacional se encontram em intensa atividade, onde o Palácio do Planalto joga suas cartas, tendo poderoso cacife a seu favor, por meio do uso da caneta, cujo dono promete  liberar emendas parlamentares e nomear cargos públicos para quem aderir a esse projeto.

O presidente da República demonstra interesse nesse processo e vem interferindo, porém de forma indevida e injustificável, por se tratar de poder estranho ao Executivo, porquanto compete exclusivamente ao Legislativo eleger seus presidentes, o que vale dizer, evidentemente, sem a interferência indevida de mais ninguém.

A verdade é que o atual presidente da Câmara dos Deputados constituiu enorme obstáculo às pretensões do Palácio do Planalto, ao criar dificuldades na tramitação de projetos e reformas de interesse do governo, permitindo apenas a aprovação de matérias de pouca visibilidade para o governo, fato que também contribuiu para prejudicar os interesses do Brasil.

A esperança do governo é a de que o próximo comando do Congresso, que terá início em 1º de fevereiro vindouro, seja mais favorável aos seus destinos, mas, nem por isso, o presidente possa ter o direito de se imiscuir onde, constitucionalmente, não é cabível nem republicanamente permitido, mesmo diante dos empecilhos já havidos.

Ainda há outro aspecto que tem interesse direto ao presidente do país, que é o que diz respeito à competência privativa de o presidente da Câmara de segurar ou dar sequência aos pedidos de impeachment que o ameaçam, porque eles já ultrapassam de 40, mas, nem assim, seria aceitável que o chefe do Executivo pudesse se intrometer onde rigorosamente não deve.

O atual presidente da Câmara disse que “O governo está desesperado para tomar conta da presidência da Câmara”, e o faz tentando, a todo custo, rompendo a hegemonia oposicionista, ao patrocinar a candidatura do deputado que é líder do Centrão, que também é acusado de envolvimento em investigações sobre prática de irregularidades com dinheiro público, embora ele, mesmo nessas condições, pode contabilizar o apoio de 160 deputados.

Por enquanto, já se sabe que o governo tem prometido a liberação de emendas parlamentares ao apoio do seu candidato, já contando verbas constante do projeto de lei que abriu crédito suplementar do valor de R$ 6,1 bilhões (PLN 30).

Nas indecentes negociatas, o presidente também está disposto a envolver ministérios dentro do Palácio do Planalto, como a Secretaria de Governo, de modo que as composições possam cooptar simpatizantes e facilitar a eleição de  seu candidato, em processo absolutamente fora dos padrões e dos princípios republicano e democrático.

Além disso, o presidente do país ainda vem acenando com a entrega aos aliados de ministérios a serem recriados, sem a menor necessidade, senão servir de agrado aos fisiologistas aliados, com o indevido uso de recursos públicos.

Para agradar aliados, imagina-se a recriação dos Ministérios dos  Esportes e do Desenvolvimento, exatamente para a acomodação dos líderes de partidos que se associarem à desesperada causa defendida pelo insensato presidente tupiniquim.

A disputa pela presidência chegou a nível tão rasteiro e deprimente que o candidato do governo, segundo notícia da imprensa, já até procurou o PT, que tem 54 deputados, e já acenou com negociação de apoio a ele, desde que haja a aceitação de três temas prioritários para a legenda petista, que é o combate à Operação Lava-Jato, a revisão da lei da Ficha Limpa e a aprovação de nova forma de financiamento dos sindicatos, medidas essas nada impossíveis de aderência por parte do governo, porque algo bem pior do que isso seria a negociação com o Centrão, mas ele já convive com ele em ambiente da maior intimidade lamacenta, como se fossem adoráveis irmãos siameses.

É pena que esse estágio de acentuada deplorabilidade moral do homem público esteja acessível ao conhecimento restritíssimo da sociedade, que cabe avaliar, com maior abrangência, o nível da mentalidade político-administrativa de quem governa o Brasil, que nem se compara com aquela do candidato muitíssimo cônscio sobre os efeitos perniciosos e imundos causados pelo desvio da ética e da moralidade pelo homem público.

Sobre esse tema, o então candidato à Presidência da República se pronunciava usando palavras de ordem, de maneira reiterada e insistentemente, contra as práticas sebosas da velha política, do prejudicial fisiologismo com o uso de recursos públicos e da aderência ao jeitinho do “toma lá dá cá”, que tinham como autênticos defensores os integrantes do famigerado Centrão.

Não era nenhuma novidade que o Centrão recebia, certamente com justas razões, as piores e ácidas críticas do candidato ao cargo de presidente do país, por ele entender que se tratava de grupo político da pior qualidade, em termos de prática política, mas, nos últimos tempos, por força da imperiosa conveniência pessoal, surgida precisamente em razão da incompetência administrativa, obrigou aquele que se comportava como pudico homem público a perder a dignidade e passar a ser, hoje, fiel e forte aliado daquele abominável grupo, inclusive brigando para que um de seus líderes seja presidente da Câmara, para que ele seja seu principal defensor na Câmara baixa e isso só demonstra o nível do verdadeiro político, que se comporta exatamente conforme às suas circunstanciais conveniências.     

Em síntese, a eleição, em especial do presidente da Câmara, vem mostrando a verdadeira face do presidente da República, que evidencia, às claras, a total perda da seriedade, da sensatez e da dignidade na vida pública, quando ele participa ativamente de processo que não tem competência, ao se associar, de maneira espúria, com político sem credibilidade e ainda utiliza meios, como a máquina pública e recursos públicos, por patrocinar farra com dinheiro público, sob a forma de emendas parlamentares e criação de ministérios absolutamente desnecessários, para comprar a consciência ética de parlamentares.

Nesses procedimentos, há evidente caracterização de que o presidente da República perdeu de vez o senso da razoabilidade, porque tudo isso configura dissonância com os saudáveis princípios republicano e democrático, fatos estes que ajudam muito a compreender o quanto o homem público precisa ser avaliado, exatamente pelo tamanho das suas ambições e dos seus interesses, apenas à medida da satisfação da sua mentalidade, que normalmente vem sendo feito no exato detrimento do interesse público, como indiscutivelmente fica evidenciado no caso em comento.

         Brasília, em 14 de dezembro de 2020 

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