terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Inaceitável descaso

 

Enquanto praticamente todos os outros países estão vacinando ou vão começar a imunizar a sua população contra a Covid-19, o presidente do Brasil voltou a minimizar a demora para a liberação e a aquisição de vacinas, por parte do governo.  

No entendimento do presidente brasileiro, à vista de mercado consumidor “enorme” no país, os laboratórios é que deveriam estar interessados nos pedidos de autorização junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e em vender a vacina ao Brasil, deixando antever que ele não qualquer incumbência nem responsabilidade nessa questão da maior relevância para os brasileiros, quando se trata de interesse nacional, relacionado com a saúde pública, visivelmente desprezada pelo governo.

Ele completou seu célebre raciocínio, afirmando que o “Pessoal diz que eu tenho que ir atrás. Quem quer vender (que tem)”.

O presidente fez a seguinte indagação: “O Brasil tem 210 milhões de habitantes, um mercado consumidor de qualquer coisa enorme. Os laboratórios não tinham que estar interessados em vender para a gente? Por que eles não apresentam documentação na Anvisa?”.

Na mesma ocasião, o mandatário brasileiro repetiu a bizarra história de que as bulas de vacinas apontam que a responsabilidade sobre o uso do medicamento e possíveis efeitos colaterais são do consumidor e também que não irá tomar vacina, pois já contraiu covid-19.

O presidente esclareceu que já teria assinado “o cheque de R$ 20 bilhões” para a compra de vacinas, produto esse que já devia ter sido comprado bem antes, caso o governo demonstrasse interesse em cuidar com competência e responsabilidade dos brasileiros, ao invés de ficar falando nada interessante ao caso.

Ele afirmou, sem qualquer sentido lógico e desnecessariamente, que “Tem muita gente de olho nesse dinheiro. Impressionante como uma ou outra pessoa que a gente conhece, não vou dizer o nome aqui, jamais se preocuparia com a vida do próximo. A preocupação é outra. Não vou falar qual que é”.

Como deve ser o único presidente nessas condições, ele repetiu, sem o mínimo de remorso, que só demonstra despreocupado com o início da campanha de vacinação no país, pois o processo depende da Anvisa, deixando claro que, disse ele, “Se eu vou na Anvisa e digo ‘corre aí’, vão falar que estou interferindo”.

O curioso é que o presidente, diante das bizarrices, ainda tem frase de efeito pronta, para justificar seus atos, quando sacou essa: "Certas coisas você não pode fazer correndo, está mexendo com a vida do próximo. A imprensa meteu o cacete em mim. (...)".

O laboratório Pfizer esclareceu que ainda não pediu o registro emergencial na Anvisa porque, segundo eles, o contrato para fornecimento do imunizante com o governo brasileiro ainda não foi fechado.

A Pfizer disse que o governo brasileiro recebeu vários contatos do laboratórios a partir de agosto, mas, segundo ela afirma, nenhum foi respondido, o que demonstra visível falta de interesse sobre a aquisição da vacina produzida por ela.

Somente há cerca de um mês é que o Ministério da Saúde começou a negociar a compra de 70 milhões de doses, quantidade apenas suficiente para vacinar 35 milhões de pessoas, mas ainda não foi fechado o contrato, o que vale dizer que o Brasil vai esperar para ser atendido, uma vez que há outros contratos já em atendimento prioritário.

A Pfizer informou que a previsão de entrega de 8,5 milhões de doses no primeiro semestre, mas apenas cerca de 500 mil em janeiro, e o laboratório já informou que, agora, não tem condições de acelerar a entrega para o Brasil, evidentemente porque os demais países se anteciparam nas negociações e quem chega primeiro tem preferência sobre os retardatários e despreocupados com a saúde da sua população e esse fato é da maior importância para se conhecer o grau de interesse do governo brasileiro de cuidar da saúde pública.

Diante dos fatos, fica muito claro que o governo deixou tudo para ser resolvido no apagar das luzes, quanto todos os países já estão em plenas condições de promover a vacinação contra a Covid-19, que é medida extremamente necessária à proteção dos brasileiros, mas isso não será possível agora porque o presidente entende que quem precisa agir é o laboratório, que está interessado no cheque que ele já até assinou, dando a entender que o dinheiro é muito mais importante do a saúde da população, diante de mentalidade tão diminuta, à vista da enorme gravidade da crise enfrentada para a solução do problema referente à imunização, que já deveria ter sido declarada prioridade número um do governo, desde agosto.

O presidente chega a demonstrar insensibilidade para questão pública da maior importância, ao dizer que não está preocupado com pressão sobre o acesso às vacinas, tendo dito, sem o menor constrangimento, que "não dá bola para isso", ou seja, faz lembrar velho e surrado bordão de programa televisivo de humor, onde um artista sempre concluía a sua fala dizendo: “o povo que exploda”.

Além das negociações com a Pfizer, o Brasil já tem acordo para fornecimento de doses da vacina feita em conjunto entre a AstraZeneca e a Universidade de Oxford, por meio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que estima entregar doses em fevereiro, mas também não há ainda pedido de registro desta vacina junto à Anvisa.

O presidente da República não precisa pedir nada a órgão algum para a agilização de medidas da sua alçada, muito menos à Anvisa, porque a sua obrigação primacial é adotar as medidas administrativas de incumbência do governo, com a devida antecedência e os cuidados exigidos no caso de pandemia, onde tudo deve funcionar em condições de prioridade, repita-se, por envolver preciosas vidas humanas, objeto principal de todo trabalho que ainda não foi capaz de sensibilizar, como deve, a autoridade maior da nação, que apenas vem fazendo de conta que a pandemia não é tão preocupante como alardeado pelas ciência e mídia.

Todo esse imbróglio envolvendo negociações sobre a compra de vacinas tem o condão de evidenciar, com bastante clareza tanto a falta de interesse como a completa incompetência do governo no trato de assunto de natureza emergencial, que já deveria ter sido resolvido desde o mês de agosto, com o que já teria possibilitado o início da vacinação ainda neste ano.

A indiscutível negligência por parte do governo, que agora não se ruboriza por tentar inverter o papel, ao jogar a responsabilidade pelo registro das vacinas para os laboratórios, quando o interesse da vacina é do Brasil, somente será permitida a imunização depois da segunda quinzena de fevereiro, havendo, nesse interregno, enorme prejuízo para a população, onde parte dela já poderia ter recebido a primeira dose e ficar mais tranquila com relação à Covid-19.

Como se trata da aquisição de vacinas para a imunização da população, como parte de política de saúde pública de incumbência do interesse pública, o importante é que tanto o governo como os laboratórios se esforcem, cada qual fazendo igualmente o que for necessário para a obtenção da licença pertinente, posto que o importante é o resultado final, restando nada elegante para exigência presidencial, que somente acena para acentuar o descaso sobre assunto que já deveria ter sido solucionado há muito tempo, independentemente de quem tem a incumbência de ação, quando o alvo diz respeito à saúde pública, que sempre exige prioridade de todos, no caso, o governo, a sociedade e as empresas.

No caso específico da pandemia, senhor presidente, todas as coisas precisam sim ser feitas correndo, à vista do envolvimento de vidas humanas, cujos atos de lerdeza, como nesse da aquisição de vacinas, têm reflexo prejudicial às pessoas, onde há situações irreversíveis que poderiam ter sido evitáveis se as autoridades públicas tivessem o devido zelo com a coisa pública, em especial nos casos que são de extrema prioridade, como a imunização da população.

O senhor presidente da República precisa entender, de vez por todas, que o interesse na vacina é exclusivamente dos brasileiros, que precisam ser imunizados e não dos laboratórios, que têm a função apenas de fornecedor do produto para quem demonstrar interesse em adquirir e cuidar da população que a deve representar com dignidade, zelo e amor, por envolver a proteção de vidas humanas.

Cada vez mais o governo acentua as suas omissão e incompetência na gestão das negociações da aquisição de vacinas, que já deveria ter sido adquiridas há bastante tempo, mas a predominante despreocupação demonstrada a todo instante pelo presidente do país não permite que assunto emergencial e da maior importância, como a saúde dos brasileiros, mereça o tratamento adequado, cuidadoso e zeloso, segundo os saudáveis princípios da administração pública, que não permitem negligência como a que vem sendo praticada na aquisição de vacinas contra a Covid-19, em claro detrimento dos interesses da população.

Brasília, em 29 de dezembro de 2020

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