Diante do difícil momento político, a decisão do Supremo Tribunal Federal
de estender ao Congresso Nacional o aval para o afastamento de deputados e
senadores de seus mandatos se traduz em medida completamente contrária aos tão
ansiados princípios da moralização, eis que foram abertas as portas e porteiras
para a devassidão da impunidade, ante a autonomia para os próprios
parlamentares decidirem sobre seus crimes.
Os especialistas das áreas jurídica e política foram unânimes em considerar como desqualificável a avaliação sobre a
aplicação ou não de penalidades ficar sob o alvedrio do corporativismo, que
sempre se mostrou arredio aos conceitos de seriedade e responsabilidade, à
luz dos firmes antecedentes em benefício da impunidade.
A verdade constitucional é que os poderes precisam ser
autônomos e independentes, porém não se pode abrir mão da incumbência originaria
de que o Supremo compete julgar os parlamentares, à luz dos ditames legais, o
que não significa com isso que haja ou deva existir qualquer hegemonia de um
poder sobre o outro, uma vez que o poder de julgar o congressista foi
instituído e aprovado pelo próprio Congresso, que, ao contrário, poderia ter
dito, na ocasião, que o poder de julgar o parlamentar é dele e não do Supremo.
Não obstante, poder-se-ia alegar que houve sensível
evolução desde a promulgação da Constituição até os dias atuais e o Supremo
apenas teria sido sensível a isso, mas o fato é que este não tem competência para
interpretar a norma constitucional dessa forma, quando ela é clara e somente
por emenda constitucional a regra poderia ter sido mudada, para beneficiar os
congressistas.
Diante dos assombrosos fatos objeto das investigações
da Operação Lava-Jato, cresceu, de forma expressiva, o interesse dos deputados
e senadores em se protegerem das ações implacáveis da Justiça, em que eles vêm
se mexendo, em esforço hercúleo, para criar normas destinadas à sua blindagem, ante
o poder de legislar em causa própria, no sentido de institucionalizar
mecanismos de imunidade, que também servisse de impunidade.
Não há a menor dúvida de que o posicionamento do Supremo
contribuiu em muito para facilitar, aplainar e ampliar o caminho para esse
movimento que leva à tranquila impunidade parlamentar, ou seja, o Legislativo
fica à vontade para ditar a sua ditadura, com respaldo da parte de quem tem o
dever de punir os criminosos de colarinho branco da República.
É induvidoso que esse processo de completa
independência dos congressistas tem muito a ver com o que aconteceu na operação
Mãos Limpas (investigação da Justiça italiana sobre casos de corrupção), que
serviu de inspiração para a Lava-Jato, quando os políticos implicados com a
sujeira conseguiram retomar as rédeas da situação e promoveram as novas leis,
tal e qual vem acontecendo no Legislativo brasileiro, que conta vitória com a
submissão do Supremo aos seus pés, diante da declaração no sentido de que a
palavra final, nos caos de condenação de parlamentares, cabe ao Congresso.
A decisão do Supremo mostra a estupenda ausência de
coesão entre o colegiado de alto nível, que, consciente ou inconscientemente,
se divide para se permitir a excrescência da consolidação da impunidade
exatamente na Casa onde mais se exigia o império do implacável combate à
corrupção e à impunidade.
Há que se notar que a presidente do Supremo, nesse
lastimável episódio, contribuiu de forma magnífica e espantosa, por ter liderado
a Corte com invulgar maestria, de maneira diplomática e política, exatamente
para mostrar os rumos da convergência da maioria ao entendimento sobre a valorização
do Congresso Nacional, que agora tem o poder de decidir pela impunidade de seus
integrantes, uma vez que, em momento algum, o corporativismo vai permitir a
condenação de alguém, por mais grave que seja o crime por ele praticado.
Com relação aos parlamentares, o Supremo perdeu e muito
a sua autoridade e recuou de maneira muito perigosa, por deixar de dar a
palavra final sobre as punições aos congressistas, que tem assento na Carta
Política do país, notadamente porque foi da presidente da Corte, diante da
divisão dos ministros, a decisão derradeira sobre a abdicação do poder final de
se punir ou não os parlamentares.
O Supremo expõe a sua evidente falta de solidez
doutrinária no coletivo e permite a fragmentação de entendimentos entre seus
ministros, cujo resultado vem em benefício de situação que se transforma em prejuízo
para o interesse público, a exemplo da declaração do direito do Congresso de decidir
pela punição ou não de seus integrantes.
À toda evidência, a decisão adotada pelo Supremo
Tribunal Federal, de conceder hegemonia ao Congresso Nacional, tem o condão de
contrariar profundamente o sentimento dos brasileiros, que ansiava, ao
contrário, com a moralização da administração pública, que foi fragorosamente
derrotada, em benefício da corrupção e da impunidade, absolutamente na contramão
da história, que caminhava sob os bons fluidos do combate à criminalidade, em
especial no âmbito dos congressistas. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 25 de novembro de 2017
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