domingo, 12 de novembro de 2017

O espírito da imacularidade

Um ex-ministro da Justiça do governo afastado e subprocurador-geral da República aposentado classificou de "irresponsáveis" as afirmações de um ministro do Supremo Tribunal Federal, no sentido de se colocar em dúvidas as condições jurídicas e morais de candidatura do ex-presidente da República petista ao Palácio do Planalto.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o ministro do Supremo disse, em resposta à indagação de uma importante colunista política desse jornal, quanto às chances de o Supremo conceder liminar para permitir que o ex-presidente participe da campanha em 2018, ainda que condenado em segunda instância, que a Constituição Federal "estabelece que, quando o presidente tem contra si uma denúncia recebida, ele tem que ser afastado do cargo. Ora, se o presidente é afastado, não tem muito sentido que um candidato que já tem uma denúncia recebida concorra ao cargo. Ele se elege, assume e depois é afastado? E pode um candidato denunciado concorrer, ser eleito, à luz dos valores republicanos, do princípio da moralidade das eleições, previstos na Constituição? Eu não estou concluindo. Mas são perguntas que vão se colocar".
Na opinião do ex-ministro da Justiça, que agora exerce a advocacia, o ministro do Supremo não deveria apresentar manifestações sobre tema ao qual ele poderá vir a julgar no exercício da sua função naquela Corte.
Segundo o subprocurador-geral aposentado, a legislação não prevê impedimento a candidaturas de denunciados à Justiça, com o que ele ponderou: "Um ministro do STF não pode ficar realizando interpretações extensivas e inventar uma hipótese que não está na lei".
A reportagem esclareceu que o líder petista não iria se pronunciar sobre as declarações do ministro do Supremo.
No Estado Democrático de Direito, o ministro tem plenos direitos como cidadão de se manifestar sobre as questões jurídicas, como forma de prestar relevantes serviços à opinião pública, em especial em se tratando da possível candidatura ao principal cargo da República, para o qual se exige pré-requisitos especiais e essenciais de idoneidade e conduta moral acima de quaisquer suspeitas, na vida pública, caso em que não faz sentido que se insista em candidatura de político com o histórico de vários processos em tramitação na Justiça, já na condição de réu, sendo que há a contabilização de uma condenação à prisão, por nove anos e seis meses, pela prática dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, estando pendente da confirmação da respectiva sentença, no tribunal próprio de apelação.
Em que pese o político se dizer que é inocente, por se considerar a pessoa mais honesta do planeta, convém que ele consiga comprar, por meio de elementos juridicamente válidos, a sua inculpabilidade nos processos que tramitam na Justiça, porque, por mais que ele assegure que é possuidor do timbre da imacularidade, somente a palavra não é suficiente para mostrar a sua inocência, eis que os fatos levantados precisam ser infirmados por meio de contraprova, porque é assim que funciona a Justiça para os brasileiros, ante o princípio constitucional segundo o qual os direitos e as obrigações são iguais para todos.
O caso discutido pelo Supremo, quando houve a tentativa do afastamento do presidente do Senado do cargo, espelha muito bem a presente questão, diante do entendimento final daquela Corte de que não pode substituir o presidente da República quem, na linha sucessória, estiver respondendo a processo na Justiça, como réu, dando a mesma interpretação já existente na Carta Maga de que o próprio presidente, na condição de réu, é automaticamente afastado do cargo, o que poderia ter ocorrido recentemente com o atual presidente, caso a Câmara dos Deputados tivesse autorizado o Supremo a investigá-lo, na denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, com a indicação da possível prática dos crimes de organização criminosa e obstrução de Justiça.
Realmente, não passa de brutal perda de tempo se discutir se alguém, na condição de réu, com a ficha bastante maculada na Justiça, pode pretender se candidatar a cargo público eletivo, ainda mais em se tratando de presidente da República, cujo titular tem o dever constitucional, cívico e patriótico, de dar bons exemplos de moralidade, dignidade, probidade, entre outros princípios de pureza de atos praticados na vida pública.
Convém que, antes de se pretender concorrer a cargo público eletivo, o cidadão precisa se conscientizar sobre a necessidade de provar, na Justiça, por meio dos mecanismos próprios da defesa e do contraditório, assegurados pela Constituição, a sua inocência quanto aos fatos cuja autoria lhe é atribuída, de modo a conseguir o certificado de ficha limpa, indispensável à habilitação ao exercício do cargo pretendido, em consonância com as exigências de idoneidade e conduta moral inquestionáveis.
Caso o Brasil fosse um país com as características de seriedade e civilidade próprias das nações evoluídas, no sentido político, jurídico e democrático, jamais se discutiria, em termos de verdade e responsabilidade cívicas, questões dessa natureza, por não serem sequer objeto de análise, à vista da sua irrelevância para a grandeza política do país.
Desde logo se reconheceria como análises lógica e coerente com que o ministro se houve, ou talvez nem tanto, se considerasse que se tratasse de assunto superado, ante a sua irrelevância diante da grandeza da República, que precisa entender que os condenados por crimes contra o patrimônio público, a exemplo de corrupção ativa e passiva, enriquecimento ilícito, lavagem de dinheiro, desvio de dinheiro público, recebimento de propina, entre outros da mesma espécie, já deveriam estar presos, totalmente impedidos de sequer imaginar em se candidatar a cargo público, diante da cristalina incompatibilidade existente com a dignidade que se exige para ocupá-lo.
Impende seja ressaltado que a nobreza do espírito que impera no princípio da Lei da Ficha Limpa, embora ela tenha imprecisão quanto à sua abrangência, é exatamente a de se evitar que cidadão com mácula na vida pública, por mínima que seja, não possa sequer imaginar concorrer a cargo público eletivo, quanto mais exercê-lo, porque isso simplesmente contradiz o verdadeiro sentido de pureza que precisa ser impregnado na representação popular e no desempenho do mandato público, que, na fonte da legalidade, da moralidade, do decoro, da dignidade, só permite a prestação de contas sobre seus atos com o sinete da regularidade, sem sombras de quaisquer ressalvas, porque é assim que se procede nos países sérios, civilizados e evoluídos, nas estritas condições políticas e democráticas. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 12 de novembro de 2017

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