Um
ex-ministro da Justiça do governo afastado e subprocurador-geral da República
aposentado classificou de "irresponsáveis"
as afirmações de um ministro do Supremo Tribunal Federal, no sentido de se
colocar em dúvidas as condições jurídicas e morais de candidatura do
ex-presidente da República petista ao Palácio do Planalto.
Em
entrevista ao jornal Folha de S.Paulo,
o ministro do Supremo disse, em resposta à indagação de uma importante colunista
política desse jornal, quanto às chances de o Supremo conceder liminar para
permitir que o ex-presidente participe da campanha em 2018, ainda que condenado
em segunda instância, que a Constituição Federal "estabelece que, quando o presidente tem contra si uma denúncia
recebida, ele tem que ser afastado do cargo. Ora, se o presidente é afastado, não tem muito sentido que um candidato
que já tem uma denúncia recebida concorra ao cargo. Ele se elege, assume e
depois é afastado? E pode um
candidato denunciado concorrer, ser eleito, à luz dos valores republicanos, do
princípio da moralidade das eleições, previstos na Constituição? Eu não estou
concluindo. Mas são perguntas que vão se colocar".
Na
opinião do ex-ministro da Justiça, que agora exerce a advocacia, o ministro do
Supremo não deveria apresentar manifestações sobre tema ao qual ele poderá vir
a julgar no exercício da sua função naquela Corte.
Segundo
o subprocurador-geral aposentado, a legislação não prevê impedimento a
candidaturas de denunciados à Justiça, com o que ele ponderou: "Um ministro do STF não pode ficar realizando
interpretações extensivas e inventar uma hipótese que não está na lei".
A
reportagem esclareceu que o líder petista não iria se pronunciar sobre as
declarações do ministro do Supremo.
No
Estado Democrático de Direito, o ministro tem plenos direitos como cidadão de
se manifestar sobre as questões jurídicas, como forma de prestar relevantes
serviços à opinião pública, em especial em se tratando da possível candidatura
ao principal cargo da República, para o qual se exige pré-requisitos especiais e
essenciais de idoneidade e conduta moral acima de quaisquer suspeitas, na vida
pública, caso em que não faz sentido que se insista em candidatura de político
com o histórico de vários processos em tramitação na Justiça, já na condição de
réu, sendo que há a contabilização de uma condenação à prisão, por nove anos e
seis meses, pela prática dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro,
estando pendente da confirmação da respectiva sentença, no tribunal próprio de
apelação.
Em
que pese o político se dizer que é inocente, por se considerar a pessoa mais
honesta do planeta, convém que ele consiga comprar, por meio de elementos
juridicamente válidos, a sua inculpabilidade nos processos que tramitam na
Justiça, porque, por mais que ele assegure que é possuidor do timbre da imacularidade,
somente a palavra não é suficiente para mostrar a sua inocência, eis que os
fatos levantados precisam ser infirmados por meio de contraprova, porque é
assim que funciona a Justiça para os brasileiros, ante o princípio
constitucional segundo o qual os direitos e as obrigações são iguais para
todos.
O
caso discutido pelo Supremo, quando houve a tentativa do afastamento do
presidente do Senado do cargo, espelha muito bem a presente questão, diante do
entendimento final daquela Corte de que não pode substituir o presidente da
República quem, na linha sucessória, estiver respondendo a processo na Justiça,
como réu, dando a mesma interpretação já existente na Carta Maga de que o
próprio presidente, na condição de réu, é automaticamente afastado do cargo, o que
poderia ter ocorrido recentemente com o atual presidente, caso a Câmara dos
Deputados tivesse autorizado o Supremo a investigá-lo, na denúncia apresentada
pelo procurador-geral da República, com a indicação da possível prática dos
crimes de organização criminosa e obstrução de Justiça.
Realmente,
não passa de brutal perda de tempo se discutir se alguém, na condição de réu,
com a ficha bastante maculada na Justiça, pode pretender se candidatar a cargo
público eletivo, ainda mais em se tratando de presidente da República, cujo
titular tem o dever constitucional, cívico e patriótico, de dar bons exemplos
de moralidade, dignidade, probidade, entre outros princípios de pureza de atos praticados
na vida pública.
Convém
que, antes de se pretender concorrer a cargo público eletivo, o cidadão precisa
se conscientizar sobre a necessidade de provar, na Justiça, por meio dos
mecanismos próprios da defesa e do contraditório, assegurados pela
Constituição, a sua inocência quanto aos fatos cuja autoria lhe é atribuída, de
modo a conseguir o certificado de ficha limpa, indispensável à habilitação ao
exercício do cargo pretendido, em consonância com as exigências de idoneidade e
conduta moral inquestionáveis.
Caso
o Brasil fosse um país com as características de seriedade e civilidade
próprias das nações evoluídas, no sentido político, jurídico e democrático,
jamais se discutiria, em termos de verdade e responsabilidade cívicas, questões
dessa natureza, por não serem sequer objeto de análise, à vista da sua
irrelevância para a grandeza política do país.
Desde
logo se reconheceria como análises lógica e coerente com que o ministro se
houve, ou talvez nem tanto, se considerasse que se tratasse de assunto
superado, ante a sua irrelevância diante da grandeza da República, que precisa
entender que os condenados por crimes contra o patrimônio público, a exemplo de
corrupção ativa e passiva, enriquecimento ilícito, lavagem de dinheiro, desvio
de dinheiro público, recebimento de propina, entre outros da mesma espécie, já
deveriam estar presos, totalmente impedidos de sequer imaginar em se candidatar
a cargo público, diante da cristalina incompatibilidade existente com a
dignidade que se exige para ocupá-lo.
Impende
seja ressaltado que a nobreza do espírito que impera no princípio da Lei da
Ficha Limpa, embora ela tenha imprecisão quanto à sua abrangência, é exatamente a de se evitar que cidadão com mácula na vida pública, por mínima que seja, não possa sequer
imaginar concorrer a cargo público eletivo, quanto mais exercê-lo, porque isso simplesmente
contradiz o verdadeiro sentido de pureza que precisa ser impregnado na
representação popular e no desempenho do mandato público, que, na fonte da
legalidade, da moralidade, do decoro, da dignidade, só permite a prestação de
contas sobre seus atos com o sinete da regularidade, sem sombras de quaisquer
ressalvas, porque é assim que se procede nos países sérios, civilizados e
evoluídos, nas estritas condições políticas e democráticas. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 12 de novembro de 2017
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