terça-feira, 14 de agosto de 2018

A cachorrada na política


Depois de ter sido acusado de manter assessora fantasma no seu gabinete na Câmara dos Deputados, em Brasília, o candidato à Presidência da República pelo PSL-RJ, já identificado pela imprensa por sua linha ultradireitista, a exonerou, tendo apenas afirmado, talvez como justificativa, que o "crime dela foi dar água para os cachorros (sic)". 
O parlamentar, como que a querer justificar a sua irreparável e intolerável conduta, declarou que "Tem dois cachorros lá e pra não morrer de vez em quando ela dá água pros cachorros lá, só isso. O crime dela é esse aí, é dar água pro cachorro". 
Ocorre que, em janeiro, o jornal A Folha de S.Paulo revelou a existência da aludida funcionária fantasma, que foi identificada como prestadora de serviços particulares na casa do deputado fluminense, mas a principal atividade dela é o comércio de açaí, que é praticada exatamente no horário de expediente da Câmara, o que significa clara caracterização de desvio de finalidade e, por via de consequência, de crime contra a administração pública, por ter ficado patente que os serviços para os quais ela foi contratada, como assessora parlamentar, não vinham sendo executados na forma legal, ou seja, no gabinete do deputado, em Brasília. 
A mencionada assessora figurava desde 2003 como uma dos 14 funcionários do gabinete parlamentar do presidenciável, pasmem, em Brasília, que vinha recebendo o salário bruto do valor de R$ 1.351,46.
O presidenciável ressaltou que a funcionária ligou pedindo demissão, mas ele disse que seria "muito complicado" então para ele a exonerou, porque "Eu fico chateado até, porque ela precisa, é uma pessoa pobre". 
Como se vê, trata-se de caso de ato irregular, em que há de se convir que o principal parâmetro para a conceituação de corrupção tem a ver simplesmente com a falta de lisura, a dificuldade da comprovação da inocência e muito mais ainda com a desgraça de alguém ser pego com a mão e a boca na botija, quando os fatos são inexoráveis, como nesse caso da assessora fantasma, que nunca apareceu para trabalhar no seu local de expediente.
É preciso que o candidato tenha a consciência de que a sua ex-assessora - tida por fantasma, por não dar expediente como funcionária do seu gabinete, em Brasília,  como era do dever dela de comparecer ao trabalho para o qual ela foi contratada e era remunerada para o exercício da função pública e não particular -, não cometeu absolutamente nenhum crime, porque ela foi contratada pelo parlamentar para cuidar da casa dele, inclusive alimentar cachorros, ou seja, o único crime cometido nesse caso não foi dela, mas sim do deputado, por ter utilizado verba pública para o pagamento de servidor para cuidar da sua propriedade.
Na verdade, quem cometeu gravíssimo crime foi o candidato presidencial, que se beneficiou pessoal e indevidamente de recursos públicos, prática essa que se caracteriza como corrupção passiva, que é recriminável e condenável pela sociedade, ante a indiscutível utilização do poder de parlamentar, delegado pelo povo, para a obtenção de vantagem indevida, ou seja, irregular, fazendo uso do dinheiro público para a satisfação do seu próprio interesse, no caso, a contratação de empregada para zelar do seu patrimônio, da sua casa.
A atitude do parlamentar demonstra extrema irresponsabilidade cívica, pela notória indicação de tentar transferir para a ex-servidora o grave crime praticado por ele, que precisa ter a dignidade de assumi-lo, inclusive tendo a iniciativa de, moto próprio, decidir pelo menos em repará-lo, no que se refere ao crime civil, providenciando o devido ressarcimento dos valores desviados dos cofres públicos, considerando que dificilmente o crime penal deverá ser avaliado, como é devido, porque o Ministério Público deverá se omitir, deixando de denunciá-lo, como é do seu dever institucional.
Causa enorme estranheza que o presidenciável se refira a dois cachorros como se eles pertencessem ao Estado, para serem cuidados pela assessora parlamentar, com o que se justificaria a contratação dela, fato que é repudiável e inadmissível, à luz do bom senso e da razoabilidade.
O parlamentar precisa entender que realmente é muito complicado que pessoa do nível dele não tenha a clara consciência de que o caso em tela se trata de questão absolutamente particular e que a contratação, à luz da normalidade e da legalidade, nunca deveria ter sido por conta dos contribuintes, ou seja, custeada com dinheiro da verba da Câmara dos Deputados.
Compete exclusivamente a ele a responsabilidade pela contratação de empregado dele, porque, na verdade, trata-se de assessora do gabinete dele, sendo que é incompatível com a função de auxiliar de gabinete o cuidado de propriedade particular, inclusive dos cachorros do deputado, devendo ficar claro que ele precisa assumir os danos causados ao erário e providenciar o devido ressarcimento dos valores pagos a ela, como forma de, ao menos, amenizar a gravidade dos estragos já causados à sua imagem de homem que era tido por absolutamente honesto, quando os fatos vindos à lume mostram exatamente o contrário.
Essa situação de moralidade precisa ser sopesada e avaliada pelos brasileiros, tendo em vista que corrupção na administração pública tem muito a ver com a lisura inerente aos atos praticados pelo político na vida pública, não importando se a irregularidade se refere a apenas ao valor mensal de R$1.351,46 ou de bilhões de reais, porque é preciso se ter em conta a conduta retilínea de moralidade que o norteia, principalmente porque não se pode garantir que foi somente a bagatela de pouco mais de um mil e trezentos reais, mas poderia ter sido de milhões, a depender das investigações, que deviam acontecer, para se verificar a regularidade na conduta do parlamentar.
O parlamentar precisa entender que, mesmo envolvendo pequena quantia, o ato de corrupta tem o condão de sacrificar a camada pobre, que depende basicamente dos serviços públicos, mas, em muitos casos, aquele valor desviado, faz gigantesca falta, porquanto alguma necessidade social pode deixar de ser suprida, notadamente se for levada em conta que o somatório de pequenas parcelas usufruídas irregularmente por somente centenas de parlamentares, que sempre têm a mesma mentalidade de que se trata de valor insignificante, faz enorme diferença para a população, que termina ficando no prejuízo, enquanto os poderosos e gananciosos corruptos, um a um, se beneficiam indevidamente dos minguados recursos públicos.
É risível que o deputado tenha ficado chateado com o episódio em comento, alegando que se trata de pessoa pobre, que tem precisão, mas isso não vai ao caso, porque ele é que deveria ter vindo arcando com o pagamento do salário dela e não a Câmara, além do mais não parece haver tanta pobreza assim, porque ela negocia com açaí, conforme mostra a notícia.
O presidenciável, como lídimo representante do povo e potencial candidato ao Palácio do Planalto, deveria se preocupar, em caráter prioritário, em justifica a lambança envolvendo o questionado desvio de finalidade, com o uso de assessora fantasma em atividade exclusivamente particular, que tinha a incumbência de cuidar, entre outras coisas, de cachorros, que poderiam morrer de sede, não fosse a sua contratação com recursos dos bestas dos contribuintes.
À toda evidência, a atitude do candidato ultradireitista se torna ainda mais grave quando, na atualidade, os brasileiros honrados se mobilizam em defesa da tão ansiada moralização da gestão pública, que precisa contar com a liderança de quem tem a cara e as mãos limpas, imaculadas e protegidas contra as falcatruas que tanto envergonham a atual classe política, completamente manchada com a lama pútrida das suspeitas da prática de atos contrários aos salutares princípios republicanos da moralidade, da ética, do decoro, da dignidade, entre tantos conceitos amplos da honorabilidade que são indispensáveis no nobilitante exercício de cargos públicos eletivos.
Infelizmente, a bandeira da ética e da moralidade, defendida com bastante ardor, tanto pelos militantes como pelo impoluto candidato ultradireitista, acaba de ser arreada do mastro, de forma melancólica, pelas próprias mãos sujas de quem não teve a dignidade e a compostura para sustentar o que parecia tão consistente na figura de ex-militar, cuja farda verde-oliva, quer queira ou não, tem a sua imagem indiretamente tisnada com a mancha indelével da mácula originada de tremenda cachorrada.
É muito complicado para o presidenciável conseguir atravessar o Rubicão apenas atribuindo culpa por tão grave crime praticado por homem público à pobre e indefesa ex-servidora, quando ele deveria ter a grandeza cívica e patriótica de reconhecer seu gravíssimo pecado de ter usufruído, por tanto tempo, de vantagens indevidas, mas não o fez, esquecendo-se de que a relevância do principal cargo da República exige que o seu ocupante não pode te qualquer suspeita, por mínima que seja, sobre a prática de irregularidade com recursos públicos. Acorda, Brasil!
Brasília, em 14 de agosto de 2018

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